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Westworld: a comunicação e o despertar da consciência

Você já questionou a natureza da sua realidade?

·         Westworld e o despertar da consciência

Pesquisas feitas no campo da comunicação indicam que estamos em uma era de pessoas conectadas. É uma geração de pessoas acordando e se identificando socialmente, visto isso refletido a partir da ficção cientifica, temos um novo cenário inovador para a comunicação, onde não apenas estamos transmitindo informação, mas como estamos alterando o sentido do que compreendemos por viver e morrer, e evolução através de milhões de anos. Explorados a partir de Westworld, podemos enxergar o sci-fi como um gênero questionador no campo filosófico e antropológico.
No ano passado a HBO lançou a série Westworld, uma tentativa de manter os assinantes do HBO GO entretidos durante o hiatus de Game of Thrones. O pilot foi lançado em 2 de outubro de 2016. A série, com assinatura de Lisa Joy, J.J. Abrams e Jonathan Nolan, tem atores como Anthony Hopkins, Rodrigo Santoro, Ed Harris e outros grandes nomes, tem uma premissa cativante, que agrada tanto ao público de ficção cientifica, quanto ao público que prefere assuntos densos que tratam de questões filosóficas como transumanismo, humanidade, instintos primitivos e noção de realidade. Com apenas dez episódios, a série que tem um budget de 100 milhões só nessa temporada, foi bem recebida pelo público e crítica. Tem uma qualidade impecável que conquista o telespectador com suas cenas mais violentas até suas discussões mais profundas.
Como se refere Jason Silva, filósofo contemporâneo, “o que amamos é uma cena, quando vista pela primeira vez”, e é isso que Westworld traz. A primeira imagem que temos diz respeito à: dois dos protagonistas conversando quando surge a pergunta “Você já questionou a natureza da sua realidade?”.
Essa é a deixa para entrarmos em um âmbito filosófico e antropológico, que funciona dentro do ambiente da série mas também se encaixa na nossa vida, criando perguntas profundas sobre a nossa realidade e usando de simbolismos para ilustrar o pensamento linear de Lisa Joy e Jonathan Nolan, como por exemplo na cena em que Dolores está prestes a evoluir da mente bicameral (mais tarde explorado nesse artigo) para a consciência, e de onde ela está, vê-se uma igrejinha, e poucos metros a frente, o centro do labirinto, que como colocado na série, é o que faz os robôs (metaforicamente falando do homem) terem a consciência plena. Como se nos dissesse que estamos perto de compreendermos que a voz vem de dentro, e não de Deus.

·         A mente bicameral e René Descartes

Essa comunicação que Westworld faz, com a ficção cientifica e questões filosóficas são o que nos motiva a ver a série, e arrisca-se a dizer, que isso se traduz dentro da nossa vida. Dentro da série, os robôs que estão presos no parque não sabem que aquilo é uma encenação. Eles não sabem que são programados e que vivem aquilo todos os dias, o que nos dá brecha pra nos perguntar “Em que realidade estamos vivendo?”. Essa concepção nos leva a refletir em camadas mais profundas, como por exemplo, o que é ser real. Dentro da série, eles não sabem o que é real, mas nós sabemos? Uma teoria defendida por Pedro Rennó, a partir da famosa frase de René Descartes "penso, logo existo", levanta a ideia de que nós não sabemos distinguir o que pode ser real e o que está dentro da nossa mente, porque não temos controle sobre o que possui mente ou não.
Dentro disso dito por René Descartes (teoria cartesiana), Pedro Rennó nos apresenta que se um robô consegue chegar na consciência, ele não existe? Explorado por Stanley Kubrick e Steven Spielberg em A.I. - Inteligência Artificial, e também em O Homem Bicentenário, por Isaac Asimov e Robert Silverberg, temos essa concepção do robô que sente dor e emoções; ele é programado pra isso. Mas também somos, e sabemos que a dor física e os sentimentos estão apenas em nós, na nossa mente, portanto isso não torna o que os robôs sentem real? Então partimos para a mente bicameral.
A resposta da série para o problema da humanidade é a memória e a mente bicameral. A mente bicameral é uma teoria desenvolvida por Julian Jaynes, em 1976. Ao compreendermos que a teoria se baseia em uma segunda voz em nossa cabeça (onde a mente se dividiria em duas câmeras), por muito tempo acreditada pelo homem, que era a voz que tomava nossas decisões, a suposta voz dos deuses, que só conseguimos descartar nos últimos cinco mil anos, antes disso não havia o eu, apenas o coletivo social.
Depois da invenção da escrita, da comunicação, então podemos dar a ideia que os robôs de Westworld já alcançaram isso. A voz por antes ouvida, era de seu criador, que se embasando em Nietzsche, Deus passa a estar morto, e a sua consciência é o seu deus, e a memória, combinada a voz, fez que a mente bicameral evoluísse pra consciência, onde não havia mais voz do criador. Se tivermos memória, se somos capazes de nos lembrar, é o que nos permite aprender, e não sermos programados. A memória altera quem somos, e mais uma vez, citando Jason Silva, “contexto altera consciência”.

·         De Shakespeare a Jason Silva: o transumanismo

Jason Silva, em sua ideia de transumanismo, que nada mais é que uma inteligência artificial que nos “imita” depois da morte com nossas informações em vida, nos mostra que nós já alcançamos o máximo do ser humano, tudo que precisaria ser criado para o nosso conforto, já foi e estamos fazendo updates disso, assim como com a evolução, alteramos o sentido dado a ela a partir do momento que “curamos” o problema da morte, o que é explorado em Westworld e também por Jason Silva. Em Westworld, vemos a empresa que controla o parque, a Delos, como uma grande pioneira. Mas se prestarmos atenção na narrativa final desenvolvida por Ford, temos a venda de um novo veículo de comunicação: o transumanismo, onde podemos encontrar a imortalidade. Na narrativa final, ele coloca toda violência com mortes e estupros, que é o que os recém-chegados estão acostumados e vão lá pra isso. Mas assim como citado na série, Shakespeare diz em Romeu e Julieta que "esses prazeres violentos, tem fins violentos". Ele não está vendendo apenas o prazer momentâneo, ele está vendendo o conceito de eternidade. Eles sentem dor, ou ao menos pensam sentir, como já citado nesse texto, tudo está dentro da mente do individuo, então eles estão vivos.
E se a nossa consciência, nossas memórias, nossos valores, pudessem ser passados pra uma máquina, e pudéssemos viver pra sempre? Isso explorado por Jason Silva, onde ele nos propõe que nós sim, já alcançamos esse nível. Alteramos a forma de nos comunicarmos inclusive com a morte. Inclusive temos plataformas hoje que nos proporcionam isso, como os aplicativos ‘With Me’ de uma empresa norte coreana, e o ‘Replika’ da plataforma App Annie. O With Me, inspirado em Black Mirror (2011 - ), te permite interagir com alguém que já morreu. Mas o Replika, ainda parte do que foi proposto em Black Mirror, mas vai mais longe. O app conta com um chat, que você conversa apenas com um bot (uma inteligência artificial da qual você pode interagir), onde vai aprendendo tudo sobre você, aprende a ser você, e essa inteligência artificial acredita ser você! Fizemos updates na evolução, que na série mostra Ford nos lembrando que a evolução é um erro da natureza que se adequou, apagamos a morte, e assim, finalmente demos sentido pra vida. 

·         Homem x Deus: a mente bicameral

Em um dos primeiros episódios, somos apresentados a William. Um jovem noivo, que com seu cunhado entram no parque para uma despedida de solteiro memorável. Ao entrar, William questiona a assistente que o ajuda com os trajes se ela é real. E ela o questiona “se você não sabe a diferença, isso importa?”. E é isso que me pega em particular. Essa dúvida sobre o que importa e o que não importa. Na antiguidade, as pessoas idolatravam inúmeros deuses, hoje já temos um numero muito superior de ateus, agnósticos e não crentes. As pessoas estão passando a perguntar mais e buscarem mais terem essas respostas, não dão respostas inquestionáveis a cada situação. Como podemos ver na obra de Michelangelo, onde levou-se 500 anos até entendermos que a busca por Deus, nada mais é do que o despertar da própria consciência do homem. Estava lá o tempo inteiro, mas não conseguíamos ver que Deus, na verdade, tem o formato do cérebro humano. Podemos notar então, que a comunicação, a informação, muda a concepção das pessoas do que é importante. O contexto altera a consciência do individuo, tornando a consciência coletiva evoluída quando comparada a anterior.
Podemos notar que isso cresce na mesma medida que a comunicação, a informação passa por dificuldades. Não pela falta dela, mas pela quantidade exorbitante de informações disponíveis com facilidade. É preciso filtrar o que se tem, mas mais uma vez: contexto altera consciência. Estamos vivendo na pós-modernidade, em tempos que urgência é grande e abundância de conhecimento é vasta. Dentro da comunicação, é necessário filtrar tais informações e traduzir para o público, alterando assim, seus contextos, e por sua vez, sua consciência.
Se em Westworld, o que os robôs precisaram pra chegarem ao fim do labirinto era a memória e assim o despertar da consciência, dentro do nosso mundo, o que temos como despertar da consciência é a informação.

·         Ficção cientifica e a comunicação no mundo real

Existe uma teoria, incrivelmente explorada em American Gods (2017 - ), que tudo o que cremos possa se tornar um deus. Se crermos em Jesus ou se cremos no poder da consciência humana, ao idolatrarmos, isso se torna onipresente e real dentro da realidade em que a aplicamos, sendo assim, um objeto de comunicação dentro de seus seguidores. O ser humano tem inúmeras formas de se comunicar, e aprendemos a transferir isso em dados e informações, que é a moeda de troca de jornalistas, publicitários, radialistas. Comunicólogos em um todo. Nós, cientistas da comunicação, nada mais que somos tradutores das bíblias modernas (e convencionais!) que levam pra dentro da sociedade o que a própria sociedade fala, mas de forma sintetizada que se possa ser compreendida.
Podemos ver exemplificada como a comunicação é um fator essencial para crença popular; em 1838, que por medo do progresso cientifico que Pierre Thuiller afirmara que o homem chegou a ponto de equiparar com Deus. Nesse contexto, Mary Shelley escreveu Frankenstein em 1818, que era uma critica aos experimentos, mostrando sua opinião sobre a ideia de criar vida em laboratório não ser exatamente algo tão positivo.
Nesse cenário, os veículos de comunicação se embasaram em que aranhas eram criadas em laboratório! Foi então, que em 1836 o Andrew Crosse teve seu nome estampado no jornal Somerset County Gazette por um editor que afirmava que havia criado animais parecidos com aranhas e ácaros em seu laboratório. Logo Crosse enviou um relatório Sociedade Britânica para o Progresso da Ciência de Bristol, em pouco tempo jornais e revistas escreviam sobre os feitos no campo da eletrobiologia realizados por Crosse. 
Fato similar ocorreu 100 anos depois, em 1938, quando a radiodifusão de Guerra dos Mundos foi ao ar no Halloween. Baseado no que parecia ser crível, uma invasão marciana, após muito se falar de estudos de vida em Marte. Aproximadamente seis milhões de pessoas estavam ouvindo, e dentre elas, ao menos um milhão foi a total histeria. Houve o caso de uma mulher que queria tomar veneno e o marido chegou na hora. Mas muitas pessoas entraram em total desespero, sentiam um medo absurdo, abandonaram suas casas, ligaram para entes queridos os alertando e se despedindo.
Isso foi estudado pelo brasileiro Roberto de Souza Causo, em 2003 no livro “Ficção Cientifica, Horror e Fantasia no Brasil”. O gênero ficção cientifica vêm de uma narrativa mais abrangente e antiga, como o gênero literatura especulativa, que deriva da capacidade do se humano de criar e imaginar cenários, outras realidades, diferentes do que podemos de fato experimentar no nosso mundo. Segundo o autor, isso vem do desejo de relativizar a nossa realidade:
"É possível afirmar que o objeto deste estudo - a literatura especulativa - existe e sempre existiu sob a forma de narrativas orais: o que era contado em volta das fogueiras do paleolítico deviam ser narrativas de deuses e demônios, fantasmas e avatares, cujas ações podiam promover o desenvolvimento ou a destruição de uma comunidade. Em termos de crítica literária, eram narrativas próximas ao que se chamou de mito." (CAUSO, 2003). Reafirmando esse pensamento, encontramos Intersections: Fantasy and Science Fiction (1987), obra por George Slusser e Eric Rabkin, que nos dirige a ideia que a ficção e a ciência estão interligados, como uma forma de questionamento e aprofundamento da compreensão do nosso universo.

·         A comunicação transformando a realidade

Exemplificado hoje em dia por Christopher Nolan, diretor de Interstellar (2014). Com apoio de seu irmão Jonathan Nolan (sim, um dos autores de Westworld!), eles fizeram parceria com pesquisadores e astrofísicos reais, para que todas as imagens fossem executadas de formas mais criveis possíveis. Como resultado, a cena em que se mostra o buraco de minhoca, tornou-se inédito e utilizado como material científico. Tínhamos uma imagem de um buraco de minhoca que é escuridão total com um furo, como se fosse um ralo de pia, mas compreendendo que ele não permite nem a luz, então temos a imagem da luz refletida pra fora, e uma forma esférica, ilustrada tridimensional com efeitos especiais. A ficção cientifica transcendeu a comunicação a ponto de tornar-se real.

·         Serial Experiments Lain e o futuro da informação

Mas mesmo com a comunicação como profissão, temos a comunicação como seres humanos. É do ser humano se comunicar. Hoje com a internet, a comunicação se tornou rápida, voraz, motivos de crimes e ao mesmo tempo de poesias. No Brasil, já são 58% que estão conectadas, isso indica que estamos quebrando cada vez mais as camadas sociais por meio da informação. É interessante citar que em 1998, o anime Serial Experiments Lain lançou a ideia que diz que quando toda a terra estiver conectada, aí, então, ela irá acordar. 20 anos atrás e isso pode ser traduzido hoje.
Se pensarmos pela seguinte forma: contexto altera consciência; e a ferramenta para isso acontecer é a internet, então temos em mãos o resultado da comunicação se tornando eficaz a ponto de quebrar classes sociais, que é, irrefutavelmente, o que mais separa as realidades. Logo, a comunicação se tornou vivida e palpável a ponto de que mais pessoas conectadas indica mais pessoas com acesso à informação, conhecendo seus respectivos lugares no mundo, seus papéis, seus direitos e deveres, se reconhecendo como humanos e não apenas como números. Toda essa informação vem gerando o despertar de uma geração que pensa em reforma política, que desenvolve empatia e grita em movimentos políticos. Acordamos, desenvolvemos consciência. Se nosso contexto foi alterado, a nossa consciência também foi.
“Você já questionou a natureza da sua realidade?”, pergunta Bernard. E a nossa resposta passa a ser sim. Assim como em Westworld, que os robôs precisam de comunicação com sua própria consciência, nós estamos fazendo isso em um âmbito social e global. Estamos dando voz a uma revolução por meio da força da comunicação. Caminhando com a comunicação, a ficção cientifica ganha mais espaço social e gera novas formas de refletir sobre a realidade.
Hoje temos séries e filmes que nos proporcionam questionar o universo que compreendemos e estamos cada vez mais próximos de um futuro onde a comunicação vai transcender o espaço físico e se tornar real em um âmbito evolutivo, nos dando a oportunidade de curarmos a morte. Estamos inovando nossa forma de nos comunicar há 10 milhões de anos, e isso vem se tornando possível graças à capacidade do homem de imaginar. Continuamos imaginando, e a ficção cientifica é o compilado disso.

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