Letícia Costelha's profile

O Lugar Onde Pertenço - 2017

No trajecto que percorro entre a paragem de autocarro e a minha casa, comecei a captar, em formato fotografia e apenas como forma de registo, algumas particularidades do lugar onde habito, como por exemplo, especificidades de cada casa, jardins ou terrenos sem dono, mas que se denotava neles a presença humana. Pequenos pormenores seja do exterior como, por vezes, do íntimo/privado que se estende para fora (através das janelas ou portas abertas) foram também objecto do meu registo. Realizei este exercício não só durante o dia, mas também em alturas nocturnas/final do dia, onde se acendiam já algumas luzes do recôndito de cada casa, despertando assim um sentimento de protecção e descanso que provinha de cada domicílio. Fotografei estas particularidades numa procura de perceber até quais os limites do lar, do espaço de conforto de cada pessoa, numa certa dictomia exterior/interior. Os detalhes mencionados acima passavam por ser situações casuais do quotidiano, como roupa estendida (ou alguém no acto de estendê-la), estatuetas nos jardins, extensões não autorizadas da própria casa ou das arrecadações destas, tijolos a segurar as telhas, os números das portas diferentes em cada residência, as caixas de correio, entre outros. Essencialmente, elementos que identificam e personalizam cada casa, mesmo que esta pertença a uma tipologia de bairro, normalmente standardizado. Aqui encontrava o meu ponto de interesse. Para além do meu fascínio em registar as pequenas acções diárias das pessoas, as suas rotinas, também me interessava perceber o facto de como cada pessoa tinha/tem a necessidade de, num bairro standardizado com as casas todas iguais ou semelhantes, individualizar a sua própria casa. Evidentemente, tal acontece no íntimo de cada casa, contudo, quando esta necessidade é transportada para o seu exterior, vemos a necessidade de prolongar o próprio lar para fora. Assim, cada casa ganha a sua personalidade a partir de vários aspectos, tornando-se única e singular. Há aqui um fenómeno de afirmação de cada indíviduo, de cada família - cada casa vai crescendo e moldando-se de acordo a estas, concedendo assim um novo aspecto à paisagem urbana, sendo num primeiro momento um pouco insólita ou desorganizada, mas tornando-se depois, para quem habita num espaço semelhante a este, bastante confortável e acolhedor. Desta forma, o espaço exterior, o próprio bairro, aproxima-se à ideia de lar, de familiar, encontrando-se aqui uma sensação de bem-estar e comodidade.
A partir desta ideia de personalização numa procura de tranquilidade, conforto e aconchego, decidi trabalhar na construcção de um objecto que pudesse compilar algumas destas características físicas, baseando-me essencialmente nas estruturas que normalmente são construídas nas traseiras de cada casa, como arrecadações ou anexos ou extensões destes. Recorrendo a materiais iguais ou semelhantes àqueles que normalmente são utilizados, recolhi cantoneiras de ferro para a estrutura, madeiras, plásticos, telhas de policabornato, telhas de zinco e telhas de fibrocimento, tijolos, entreoutros materiais. Deste modo, o meu processo de trabalho assemelhar-se-ia ao mesmo que as pessoas têm para a construcção das suas extensões, utilizando materiais que têm ao seu alcance, numa espécie de acumulação destes.
Em modo de apresentação, coloquei o objecto num ambiente escuro para o aproximar à ideia já referida de um sentimento de abrigo e conforto, essencialmente sentido no momento em que uma pessoa chega no final do dia ao seu espaço de habitação, iluminei por dentro da estrutura com um projector de luz e um pouco por fora com outro e complementei a apresentação com um elemento odorífico, que era uma cozedura simples de estrugido – cebola, alho e azeite.
O Lugar Onde Pertenço - 2017
Published:

O Lugar Onde Pertenço - 2017

Published: