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Dependência Doméstica

T E X T O  &  I M A G E N S  P E D R O  B O T T O N


DEPENDÊNCIA DOMÉSTICA é o nome do TFG (trabalho final de graduação) da arquiteta e urbanista Ana Teresa S. de Carvalho, e este é o projeto gráfico do caderno de apresentação da sua pesquisa.
C A D E R N O


Fui chamado pela minha amiga Ana Teresa para ajudá-la a afinar o projeto gráfico do caderno de apresentação do seu TFG. Ela já havia pensado a estrutura principal da massa de texto — duas colunas assimétricas, sendo a maior para o texto corrido, e a menor para as notas e legendas —, e também já possuía uma ideia de formato, que acabou ficando com as medidas 180x225mm fechado e 360x225mm aberto após longas contas para fazer com que o baseline, as distâncias entre colunas, a largura das colunas e as margens ficassem todas na mesma modulação.

Para o projeto, Ana me pediu que fizesse a estrutura do livro, as formas de aplicação de imagens e desenhos, definisse a hierarquia e estilos de títulos, subtítulos, texto e notas, e que também sugerisse alguns recursos estéticos, como a forma que as imagens entrariam ao abrir os capítulos, apresentação das plantas de arquitetura das residências estudadas entre outros fricotes.

Eu tive a liberdade e o prazer de fazer pequenas sugestões sobre o conteúdo, e também ajudei com que chegássemos juntos a esse belo título: Dependência Doméstica: O Espaço da Empregada na Arquitetura.

Considero um bom título por aproveitar da ambigüidade contida na palavra "dependência", que pode significar tanto o quarto destinado à empregada quanto a questão da sociedade brasileira de classe média e alta realmente depender dessa forma de trabalho doméstico remunerado. Sobre o subtítulo determinar o gênero, no caso feminino, dessas empregadas domésticas também foi motivo de reflexão, mas que foi resolvido simplesmente pela constatação de que, em toda a sua pesquisa, mulheres exercendo este trabalho constituem a imensa maioria.
R E T Í C U L A


As imagens utilizadas como “abre”, que ilustram os inícios de capítulos, receberam dois tratamentos específicos: o da retícula, e da monocromia em vermelho, sendo que o primeiro recurso foi de natureza técnica, e o segundo, estética.

A opção pela retícula surgiu da limitação imposta pela resolução das imagens do fotógrafo paulista André Penteado — mais especificamente seu trabalho Domésticas — que não possibilitavam a impressão em alta resolução no formato que queríamos. Ao usar o recurso da retícula, o Photoshop cria novos pontos de composição da imagem, que nada mais são que círculos que aumentam e diminuem de tamanho e frequência, baseados nos claros e escuros da imagem. Esse recurso funciona muito bem, principalmente quando aplicado em imagens monocromáticas.

Acompanhada do fato de que a retícula funciona melhor com monocromia, a escolha pelo vermelho foi feita por dois motivos: para uniformizar todos os abres no decorrer do livro, e para dar à imagem um teor mais de ilustração do que de representação, funcionando mais como um respiro à massa de texto do que como um acréscimo de informação.
F O N T E


A única fonte utilizada no projeto foi a Archer, do escritório novaiorquino Hoefler & Co, autor de outras fontes fundamentais, como a Mercury, a Verlag e a quase indefectível Gotham.

As notas aparecem em duas cores: em preto quando se referem à legendas e comentários, textos com conteúdos relevantes para a compreensão imediata do leitor; e em vermelho quando notas bibliográficas, cuja indicação no corpo do texto (o número sobrescrito) também aparece em vermelho, assim como os números de legenda nas plantas e nos cortes.

Outra variação nos algarismos é uma solução que tomamos emprestada da revista piauí, na qual o número das páginas que iniciam os capítulos, e, conseqüentemente, as que aparecem no índice, possuem o dobro do tamanho do número comum, o que serve para auxiliar a consulta a capítulos específicos — e que no final das contas é também um charme.
D I A G R A M A


Abaixo apresento o diagrama utilizado no livro. Cada página possui duas colunas assimétricas — a da esquerda com 40,5mm e a da direita com 90mm —, sendo que em ambas as páginas da dupla as colunas aparecem na mesma disposição, e não espelhadas, isto é, com a coluna menor sempre para dentro ou para fora da página, o que seria outra solução também muito usual. As colunas possuem a distância de 9mm entre si. O baseline que aparece abaixo — 2,25mm — é na verdade a metade da distância entre a base das linhas de texto utilizadas, e explico a seguir o motivo dessa forma de diagramar.
Após muitas tentativas, chegamos ao módulo de medidas de 4,5mm, que chamarei de x. Daí tiramos a coluna menor de 9x; a maior, 20x; o entrecolunas, 2x; a margem superior e a interior, 5x (22,5mm); a margem inferior, 7x (31,5mm); e a exterior, 4x (18mm).

Ainda que essa preocupação com a modulação possa parecer preciosismo, a modulação absoluta possui a qualidade de que todos os elementos inseridos nas páginas que estiverem acomodados nas guias do projeto terão uma medida redonda, com no máximo duas casas decimais. Essa qualidade aparentemente elementar se prova bastante útil quando você precisa conferir se o desenho está na escala correta, se a imagem que você vai utilizar possui resolução de impressão, entre outras seguranças sobre o projeto que agilizam muito o processo de diagramação.

Voltando à questão da metade do baseline, isto é, ½x. Um projeto longo e com várias hierarquias de informação demanda uma grande variedade de tamanhos das fontes, dos desenhos, das imagens etc., e ao se trabalhar com um grid pela metade você automaticamente passa a trabalhar com o dobro de distâncias sem que tenha que fugir do baseline.

Essa é uma forma de diagrama que eu tenho utilizado bastante e tem sempre me ajudado a organizar meus processos e, conseqüentemente, meus projetos.
J A N E L A


Nesta parte do livro aparece uma solução que também pensamos juntos, e que considero de uma sutileza e narrativa notável. Aqui a arquiteta Ana Teresa apresenta de forma bastante completa o projeto de cinco casas modernistas com o intuito principal de dar destaque às dependências de empregadas que os arquitetos projetaram em suas pranchetas.

A primeira solução que nos surgiu foi a de pintar os cômodos com a cor de destaque do livro, o vermelho, solução que já vinha sendo utilizada sempre que um desenho técnico — corte ou planta — era citado no texto ou usado como ilustração de uma ideia. Mas acredito que aqui existia a vontade de dar um novo nível de destaque a estes microquartos que, afinal de contas, são o objeto da pesquisa, e dessa vontade surgiram as “janelas”.

A solução consiste em abrir lacunas na página imediatamente anterior à que contém a planta baixa da casa apresentada, para que logo na primeira dupla referente ao projeto o objeto da pesquisa já apareça, deslocando-o assim de seu contexto e colocando-o em evidência, operando assim de forma inversa à usual, em que o quarto de empregada aparece sempre escondido, esquecido, como um apêndice indesejado porém necessário às grandes salas, quartos e jardins — que para se manterem lindos e limpos demandam do serviço de pessoas que, pelo menos para os arquitetos e proprietários dessas casas, não precisam de espaços tão amplos e nem janelas tão generosas em seus quartos de dormir.

Acredito que essa solução joga luz, literal e figurativamente, nas representações desses espaços reduzidos e muitas vezes desumanos. Talvez como uma forma de desejar que eles também possuíssem janelas, destaque, atenção. Isto é, que se olhasse para eles efetivamente.
C O M E N T Á R I O


Poder contribuir com este trabalho foi um imenso prazer. O tema do trabalho doméstico me é especialmente importante, e contribuir, ainda que de forma muito pequena, com essa pesquisa, que certamente amplia muito o entendimento sobre esta reminiscência clara da longa e vergonhosa escravidão brasileira, para mim é motivo de imensa satisfação pessoal.

Poder conversar com a Ana Teresa sobre este aspecto da sociedade brasileira tão sintomático do cisma social, econômico e racial que esse objeto tão caseiro — com o perdão do trocadilho — explicita e materializa cotidianamente foi definitivamente uma experiência esclarecedora e angustiante, por perceber que o formato de casa grande e senzala se mantém muito pouco alterado, ideologica e espacialmente.

Pouco tempo após a entrega da pesquisa, a historiadora Lorena Telles lançou o livro Libertas Entre Sobrados, e concedeu um pequena entrevista sobre o tema que é bastante interessante e, ao mesmo tempo, desoladora.

Poder conversar sobre filmes como o La Nana, sobre Dom Casmurro, sobre nossas próprias rotinas de limpeza com e sem empregadas domésticas, sobre o projeto incrível Habitaciones de Servicio da artista peruana Daniela Ortiz, e também do seu melancólico 97 House Maids (que, por conter uma denúncia tão clara e incômoda, acabou sendo retirado do ar mas, que nessa entrevista com a artista, aparece de forma muito reduzida — somente 3 das 97). Falar sobre Berlim, Zurique e Campinas.

Enfim, poder fazer parte deste trabalho incrível da minha grande amiga Ana Teresa, por quem eu tenho uma grande admiração e um profundo carinho.
F I C H A  T É C N I C A


PESQUISA E TEXTO ANA TERESA S. DE CARVALHO   PROJETO GRÁFICO PEDRO BOTTON   FOTOS DOS ABRES ANDRÉ PENTEADO   FONTE ARCHER   FORMATO FECHADO 180x225MM   IMPRESSÃO FORMA CERTA   MÉTODO DIGITAL HP INDIGO 4x4 CORES   PAPEL PÓLEN BOLD 90G/M²   PÁGINAS 104   ANO 2014
Dependência Doméstica
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