Pode ainda não ser engenheiro mas não se senta à frente da televisão enquanto o tempo passa e o mundo avança. Pedro Rodrigues escreve crónicas e conseguiu a proeza de por a ler jovens que nunca tinham pegado num livro. Já publicou um romance e o segundo livro já vai ganhando formas embora reconheça que o futuro da literatura é pouco auspicioso. Tem com a Engenharia Civil uma relação séria e de obrigações mas os momentos de luxúria são passados com a literatura.
A segunda pessoa do singular foi escolhida, pelo jovem escritor, como forma de tratamento devido aos poucos anos que nos distanciam
És estudante da Licenciatura em Engenharia Civil. Em que momento da tua vida as ciências se encontram com as letras?
Eu sempre achei que tinha algo de poético dentro de mim. Desde muito novo, que tenho esse gosto pela literatura. Mas em certo ponto da minha vida eu tive que optar entre as letras e as engenharias e como sempre fui uma pessoa bastante versátil decidi optar por aquilo que achei que me ia dar mais futuro em termos monetários. Foi uma conversa que também tive com os meus pais e realmente eles também acharam que eu deveria optar por aquilo que me daria mais futuro em termos financeiros.
De onde vem a tua vontade de escrever?
Eu já escrevo há muitos anos. Acontece que a minha avó faleceu, quando eu estava no primeiro ano de faculdade, e acho que isso despertou em mim uma vontade ainda maior de escrever. Portanto comecei a escrever mais. Comecei a escrever, como eu digo, “para as gavetas” porque não mostrava a ninguém até que um primo meu acabou por ver os textos que eu tinha escondidos. E na altura ele disse-me “tens realmente talento, mostra às pessoas”. E foi assim que começou esta odisseia.
Ao criares o blog - Os Filhos do Mondego - qual era o teu principal objetivo?
Ao início não era nenhum a não ser partilhar o que tinha, deixar de escrever apenas para mim e mostrar às outras pessoas. Mas nunca foi com o objetivo de ser conhecido. Foi algo que eu fiz para dar a conhecer aquilo que eu escrevia. E tem sido assim até agora.
A internet é um mundo imenso onde todos os dias surgem novos projetos, novas pessoas a quererem mostrar o seu trabalho. Qual o teu trunfo para te distinguires?
Eu não me sinto melhor nem pior que ninguém. Sou eu mesmo. Escrevo aquilo que vejo, aquilo que me rodeia, as histórias que eu tenho. Não posso dizer que as histórias ou as crónicas que escrevo são melhores que as de outro blog ou de outra pessoa. Mas acho que realmente tenho algum talento caso contrário não teria sido convidado para fazer o que tenho vindo a fazer. Tenho sido convidado para escrever em algumas revistas, também já fui convidado para o TEDxCoimbra. E isso é uma prova de que realmente há alguma coisa em mim, o que não quer dizer que eu seja melhor ou pior do que alguém. Não podemos por as pessoas todas a competir, não acredito que seja assim.
Tens uma relação de rotina com a escrita em que te obrigas a escrever?
Eu tenho uma meta mas se não a atingir não fico chateado. Basicamente a minha meta são quatro crónicas por mês para o blog, uma crónica para as revistas se nesse mês estiver a escrever para alguma. E escrever para o meu próximo livro, já comecei o segundo. E aí obrigo-me a escrever todos os dias um bocado.
Disseste, no TEDxCoimbra, em 2012, que deixavas no blog tudo o que trazias dentro de ti. A tua escrita é maioritariamente autobiográfica ou ficcional?
É maioritariamente autobiográfico. Aliás eu acho que todos os escritores fazem uma autobiografia em todos os textos que escrevem porque nós não podemos inventar coisas que não vivemos. O cerne da questão está sempre lá, o núcleo é sempre verdadeiro. Os sentimentos passaram realmente por nós. E depois todas as pessoas tomam as suas liberdades. Eu também tomo as minhas liberdades artísticas.
Quando escreves pensas nos leitores ou escreves para ti?
A escrita é a minha terapia. É mais para mim do que para os leitores. Mas claro que gosto que as pessoas se identifiquem com o que escrevo e adoro quando me dizem que realmente se identificam com as minhas palavras. É sinal que transmiti bem o que queria dizer.
Sendo que a maioria das pessoas que acompanha o teu blog se encontra na faixa etária que vai dos vinte aos trinta anos pensas que essas pessoas são assíduas consumidoras de literatura?
Eu não posso dizer que sim nem que não. Há pessoas que realmente me parecem bastante cultas quando vêm falar comigo ou me mandam mensagens. Vejo que há algum nível de cultura para além de ler só uma crónica para dizer que se gostou muito. Mas há, claro, o reverso da medalha. Há pessoas que só me leem por ser fácil de ler textos curtos.
António Lobo Antunes é uma das tuas grandes inspirações. No Diário de Notícias, em 2003, Lobo Antunes dizia “quem lê é a classe média”. Qual é a tua opinião?
Eu acho que cada vez mais a cultura é combatida neste país, cada vez mais as pessoas são levadas a não ler. Aqui em Coimbra, no meio em que estou inserido, as pessoas não leem. Por outro lado há pessoas que leem bastante mas eu continuo a achar que a cultura é combatida e as pessoas são levadas a não ler. E há a Internet onde as pessoas leem alguma coisa porque são textos curtos, funcionam muito por coisas pequenas e por tudo o que é fácil de ler.
Mas achas que isso acontece porque a Internet é mais fácil de aceder ou por simples preguiça?
Claro que é preguiça. As pessoas acabaram por também se acomodar um bocado. Estamos formatados para a televisão e para os computadores. Não há aquela necessidade de pegar num livro para ler e tentar descobrir mais. Não temos o hábito de ir a uma biblioteca. Ou mesmo a uma Bertrand que até têm sofás e uma pessoa, mesmo que não compre o livro, pode ler. É que eu compreendo que seja caro comprar um livro. Há livros que têm preços exorbitantes. Nem toda a gente tem quinze ou vinte euros para dar por um livro. Mas se as pessoas realmente tivessem vontade de ler chegavam a uma biblioteca, sentavam-se e liam um bocadinho porque ler duas páginas por dia fazia bastante bem. Deixar um bocado a televisão e ler para abrir novos horizontes.
Como leitor o que procuras ler?
Posso dizer os meus autores favoritos. Gosto bastante de António Lobo Antunes e de Bukowski. Também o Henry Miller. E há os escritores mais novos como o José Luís Peixoto de que gosto bastante ou Valter Hugo-Mãe, gostei muito d’A Máquina de Fazer Espanhóis, foi um livro que me tocou bastante. Agora comecei a ler, por exemplo, Ricardo Adolfo. Gostei bastante, achei bastante pertinente o livro dele Maria dos Canos Serrados. Há tantos autores que eu não posso enumerar ou dizer que só leio um género. Eu leio um bocado de tudo, vou à descoberta.
Estavas a falar dos escritores mais novos. Parece que não somos um país onde se lê muito mas somos um país onde se escreve muito.
Sim. Temos muito bons autores da nova geração a que os autores mais antigos começam a dar bastante crédito. É bom que assim seja. Apesar de os portugueses não lerem, o mundo é tão grande
Em que medida é que o que lês te influencia?
O que eu escrevo é, visualmente, muito do António Lobo Antunes. Eu sempre gostei das crónicas dele e da maneira como ele escreve. As pessoas acham estranho e eu compreendo que seja difícil ler Lobo Antunes mas se perdermos algum tempo com ele pode ser um labirinto mas é interessantíssimo. Ele é um poço de sabedoria.
“Sou o produto de uma geração que vive muito depressa – demasiado depressa”, estas palavras são tuas. O que queres dizer com “geração que vive muito depressa”?
Eu acho que a nossa geração vive muito desta forma: hoje conheço uma pessoa, amanhã já a amo e no dia seguinte já quero casar. E por andarmos muito depressa que nós tropeçamos. Se andarmos devagar, se fizermos as coisas com calma também podemos tropeçar mas temos menos menor probabilidade. E eu acho que esta geração vive assim. É por isso que também é tão deprimida, porque há muitos tropeções. Viver depressa é isso.
Já recebeste uma crítica do escritor José Luís Peixoto. Foi a crítica mais importante que recebeste?
Sem querer menosprezar o José Luís Peixoto, as melhores críticas que recebo são das pessoas mais chegadas. Mas, claro, isso deu-me um novo alento para escrever. E também é devido a isso que eu vejo que há alguma coisa em mim que me faz querer chegar mais longe. Eu não comecei a escrever para ser o melhor escritor do mundo. Mas se gostava de o ser? Gostava.
A crítica mais importante é das pessoas mais importantes mas esta, vindo do profissional que é, foi a mais relevante?
Exatamente. Vem de alguém que realmente está dentro do assunto. E como ele houve, não tão conhecida, outra escritora, e também editora de algumas revistas, a Paula Martín que me veio dizer que gostava do meu trabalho e disse-me que gostava, um dia, de lançar algo meu.
Dizias há pouco que os escritores mais novos estão a receber crédito dado por escritores mais experientes. Nesse seguimento tu já estás a receber crédito desses ditos mais novos.
Sim, exatamente. E é bom que a nossa escrita se vá renovando. O ciclo vai-se renovando. Mesmo que não haja quem leia aqui em Portugal, no mundo vai haver quem leia. É bom que nos metam no mapa numa altura em que acho que estamos é a desaparecer do mapa.
Já escreveste o teu primeiro livro – Eu hei-de amar uma puta. Fala-me um pouco desse romance.
O meu livro é um ensaio sobre a solidão. É sobre um Pedro e uma Alice, são essas as únicas personagens de relevo. O Pedro perde tudo o que há para perder e tem que descobrir o que é que o fará continuar. O livro vem muito no seguimento da morte da minha avó. Eu nunca tinha perdido ninguém e isso influenciou-me bastante porque a minha avó sempre esteve comigo. Tentei imaginar o que é que seria de mim se eu perdesse todas as pessoas de que gosto. Para além disso o livro também tem uma história de amor um bocado sádica mas não vou estar a contar para não revelar tudo. O livro não é muito grande, há muitas pessoas que me dizem que o leram num dia. Sei perfeitamente que o livro não é uma obra de arte.
Então o teu livro é uma homenagem à tua avó? Essa Alice é a tua avó?
Não. A minha avó é o silêncio que o livro tem. Se as pessoas tiverem atenção o livro tem bastantes silêncios e a minha avó está nesses silêncios. Mas eu falo dela. E o nome Alice é da minha avó que ainda está comigo. Quis, de certa forma, homenagear as pessoas que estão próximas.
Estamos, então, mais uma vez perante um texto que tem muito de autobiografia.
É bastante autobiográfico. O Pedro tem todas as minhas paranoias e as minhas confusões. Tem bastante do Pedro que está aqui à tua frente.
Numa reportagem publicada na revista SÁBADO, em agosto deste ano, podia ler-se que “alguns indicadores mostram que o uso de asneiras nos títulos é eficaz”. A escolha para o título do teu primeiro romance é, de algum modo, uma estratégia de marketing?
Posso dizer-te que muita gente leu o livro por causa do título mas quando dei o título não foi a pensar nisso. Este título já andava comigo há bastante tempo, vinha de uma fase de revolta, e achei pertinente usa-lo.
Mas mais uma vez, somos remetidos para a obra de António Lobo Antunes ao olhar para o título do teu livro.
Exatamente. Há um paralelismo e está explicado no livro.
Publicaste este romance apenas em formato digital. Foi uma opção ou uma alternativa?
Eu nem contactei nenhuma editora. O mesmo primo que me disse para criar o blog foi a mesma pessoa que me disse “tu és a tua própria editora”. E eu confio bastante nele. Então eu decidi ser a minha própria editora e há quem já me tenha dito que é um ato presunçoso mas eu não vejo assim as coisas. Até porque, como já disse, eu não acho que o livro seja uma obra de arte. Gostei da ideia do digital, e embora gostasse muito de o ver em formato físico, avancei e acho que tem dado frutos. Claro que não ganho dinheiro nenhum e nem era o meu intuito. É o meu primeiro livro e eu estou a gostar das reações.
João Batista é CEO de uma editora e escreve frequentemente para o P3. Ele escreveu este ano uma lista intitulada 10 dicas (in)falíveis para se ser publicado. Um dos pontos dessa lista falava na importância de ter uma “comunidade de seguidores”. Tu já tens esse caminho delineado.
Eu tenho noção disso. Tenho bastantes seguidores quer na página do Facebook quer no blog. E eu também noto que as pessoas me vão conhecendo na rua. E isso, se calhar, é já meio caminho andado para ter sucesso.
Ainda não ganhas dinheiro com o que fazes mas estás a trabalhar nesse sentido.
A ideia era exatamente essa, apesar de muitas vezes me dizerem que sou preguiçoso. As pessoas não sabem é que no meio da preguiça se está a gerar alguma coisa. Eu para escrever tenho que estar em casa, sentado e sossegado. Não tenho uma vida social muito ativa.
Colaboras com a revista Algarve Mais. Como surgiu essa oportunidade?
Tenho uma amiga que trabalha na Algarve Mais, mostrou o meu blog ao editor e chefe da revista e ele gostou. Entrou em contacto comigo, perguntou se eu gostaria de escrever para a revista e eu aceitei, é uma oportunidade bastante boa.
Num momento de crise num país onde, como dizes, não se apoia a cultura, quais são os maiores desafios para um escritor?
No meio disto tudo a nossa maior crise é uma crise social e nós estamos a perder valores. Os nossos políticos combatem a cultura e nós não reagimos. Um povo com cultura não é fácil de ser combatido mas as pessoas neste país são muito formatadas. Vêm o Big Brother e isso faz-me confusão. Não sei realmente o que é que se passa com as pessoas.
O governo combate a cultura mas não proíbe ninguém de se instruir. O problema começa nas próprias pessoas?
Há uma atitude bastante passiva, sim. Se as coisas caírem aos nossos pés nós vamos absorver caso contrário também não vamos procurar. Cada vez vejo mais isso nos jovens de hoje em dia.
Somos um “país de doutores”, muitas pessoas têm um diploma de curso. Mas para além disso, o que é que sabem sobre o mundo?
Eu farto-me de dizer que nós somos o país dos iletrados com canudo. Porque, especialmente aqui, as pessoas vêm para a faculdade com uma visão romântica disto. Se falares em Coimbra vão dizer-te logo “Coimbra é bebedeira” mas se calhar nem sabem o quão Coimbra é bonita.
Coimbra dos amores, Coimbra dos doutores: obrigada - foi o texto que te tornou popular. Tens noção disso?
Sem dúvida, foi o texto que me deu mais visibilidade. A maior parte das pessoas foi-me agradecendo por eu por em palavras aquilo que elas não conseguiam. E eu sinto-me orgulhoso de escrever, para além daquilo que eu sinto, aquilo que milhares de pessoas sentem. Esses milhares de pessoas sentem por Coimbra aquilo que eu escrevi no papel. Porque as noções de amor que eu tenho nem toda a gente partilha ou nem toda a gente concorda com o que eu digo sobre o governo. Mas acho que toda a gente que está aqui em Coimbra, neste meio, sentiu aquele texto.
Consideras-te um escritor?
Sim, considero-me um escritor. É o sonho que comanda a vida, não é? E realmente o meu sonho é escrever e neste momento já o faço. Gostava que a escrita fosse a minha vida e dedicar-me exclusivamente a escrever. Mas neste momento já escrevo para mim, para os outros e tenho um público fiel. Quem caminha comigo dá-me alento para pensar “sim, sou escritor”.