FLORESTAS PRÍSTINAS's profileSteve Stoer's profile

BIALOWIEZA_ POLÓNIA


BIALOWIEZA - O ESPÍRITO DO LUGAR 

 
Seria um lugar húmido, de um cheiro intenso, adocicado, quase fétido a humos, que em vez de repudiar, se entranhava pelo nariz e nos ligava à Terra numa profunda inspiração contemplativa. Solos fortes, castanhos-escuros, quase pretos debaixo das copas das árvores ou, quando fora destas, de num pleno e absoluto verdejante que nos entrava pelos olhos indo directo à alma. Não havia meio-termo. Destes solos (grados), irrompiam elevadamente as mais esplêndidas árvores alguma vez vistas. A boca escancarava-se perante a envergadura. Era esmagadora a dimensão que nos superava. Por entre as altas copas, os raios solares tentavam penetrar sem sucesso. O arvoredo era imenso e massivo. Bloqueava a luz à sua passagem, não deixando escapar mais claridade que aquela que fica de um postigo irritantemente mal fechado ao primeiro raiar da manhã. Eram sombras de luz obliqua, que trespassavam por entres o verde espeço quando erguidos os olhos. Eram raios perfilados e intermitentes. Pareciam chover. Embriagadas numa luz residual, sobrante, estendiam-se pelos solos longas heras rastejantes e tapetes infindáveis de musgo vivo. Numa busca incessante, os lenhos estendiam-se (em floresta) pelo espaço. Desmultiplicavam-se numa trama sequencial de ramos e varetas distantes, amanhando sempre forma de se revestirem com singular folha em lugar determinado… Um raio de Luz. Debruçadas no vazio, com o único propósito de os capturar, estendia-se tridimensionalmente um tapete de folhas rogando aos céus. Eram palmas estendidas. Pétalas de natureza obscura. Biliões delas entrelaçadas… A morte de uma árvore era um prenúncio de vida. Começava por um lento mastigar de escaravelhos, lagartas e bichos. Revestia-se gradualmente, a madeira tombada, de húmidos musgos, fungos e líquenes. O cheiro resultante é inconfundível. Acorda uma certa fome em nós. No lugar agora vago, vagas de luz rasgavam a penumbra e iluminavam o solo. A fecundidade florescia. Ao seu calor, novas árvores brotavam da terra, irrompendo pelo espaço, almejando o céu em duelos de conquista. Uma perfeita dança entre a vida e a morte, entre o céu e a terra, num ecossistema simbiótico, fechado e de pleno equilíbrio. Assim se renovava a floresta de Bialowieza em toda a sua Eternidade. Era uma natureza alta e lúgubre. De meandros infindáveis de troncos, por entre os quais caminhávamos à deriva. O horizonte era de uma profundidade obscura e imperceptível, quase medonha. Um ocaso permanente. Estendíamo-nos pelo chão e contemplávamos o alto. Desta perspectiva, tudo eram pontos de fuga imensos. Quanto mais altas as árvores, mais profundo era o sentir. Lá em cima, balançavam uníssonas as majestosas copas à vontade do vento. Encaixavam-se umas noutras, numa perfeita simetria matemática. Entre elas, sobravam apenas reles nesgas de céu, deixando entrever um recorte mínimo das suas silhuetas, constituindo assim, um género de fronteira intocável. Os troncos rangiam. Pareciam soluçar. Nos seus bramidos, intuíamos uma ancestralidade da comunicação. Parecia falar entre si. Ou falariam elas para nós? Havia um respeito imenso. Uma sacralidade arbórea. A experiencia era humilde e de reverência. O que fomos, somos e seremos, não cabia na intemporalidade destes pinhos e carvalhos titânicos. Estávamos perante o Reino Vegetal. Talvez mais fascinante que a própria floresta, fossem as clareiras e as orlas dos bosques. Um género de oásis inverso, onde pelo excesso, se valoriza o pouco. Desembocávamos em pastos verdejantes de bisontes lendários, recreios de lebres e raposas veladas. Um céu imenso abria-se sobre nós contrastando o obscuro. O sol irradiava alto e desejado. Parecia abraçar. O seu calor absorvia-se em aconchego, retemperando as carnes rijas do frio anterior e os olhos cerravam-se defendendo-se da luminosidade. Fascinava-nos o recorte da floresta, a árvore no seu todo. Havia uma harmonia entre espécies vegetais. Uma essência planetária. Lembro-me em particular, de um tronco pousado na sombra de uma nogueira isolada assimetricamente na clareira. Seria um mero banco, um trono, um altar… era sem dúvida um espaço contemplativo. Tínhamos vindo distantes para conhecer o Espirito do Lugar. Ele ali estava, vivo e acordado em nós. E o Steve a fotografar tudo isto… 

Texto de Tiago Castanheira Lourenço (produtor de Azeite Biológico, Egitânia, Idanha-a-Velha, Portugal)
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