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REPORTAGEM VENCEDORA | Jornalismo Esportivo

MULHERES DRIBLAM MACHISMO PARA CONQUISTAR O SEU ESPAÇO NO JORNALISMO ESPORTIVO

Reportagem de Diandra Tavares, Guilherme Estulano, Liliane Franco e Mariana Machado​​​​​​​
No dia três de abril de 2019, a jornalista Laura Gross cobria uma partida de futebol entre Internacional e River Plate pela Rádio Guaíba no estádio Beira Rio, em Porto Alegre. Durante a transmissão, um torcedor se propôs a dar entrevista para a jornalista e, em seguida, a assediou, constrangeu-a e tentou beijá-la, por duas vezes. O caso recente da repórter integra a estatística da Associação Brasileira de Jornalistas, a Abraji, de 2017. Dados do levantamento demonstram que 70,4% das profissionais do jornalismo nacional já foram vítimas de algum tipo de assédio.
Estatísticas
O relatório reuniu os depoimentos de 477 jornalistas, de 271 veículos nacionais, e apontou que colegas, superiores, fontes ou desconhecidos já tentaram beijar, sem consentimento, 12,2% das profissionais. Também foi constatado que 32,5% das mulheres que responderam ao questionário já tiveram partes do corpo tocadas sem permissão. Em 2018, entretanto, uma importante campanha deu voz às jornalistas esportivas no país: o movimento #DeixaElaTrabalhar denunciou o desrespeito com a mulher como profissional, principalmente as jovens mulheres do meio televisivo. Durante a campanha, foram reunidos os depoimentos de mais de 50 jornalistas esportivas.
#DeixaElaTrabalhar
Além disso, a pesquisa da Abraji mostra que 92,3% das entrevistadas já ouviram piadas que reforçam estereótipos de gênero e banalizam a violência contra a mulher no ambiente profissional. O levantamento também mostrou que 83,6% das mulheres relataram já ter sofrido algum tipo de violência psicológica nas redações e que 73% das profissionais afirmaram ter escutado comentários ou piadas de natureza sexual sobre outras mulheres enquanto trabalhavam.
Os órgãos oficiais
Ao analisar os relatos da campanha #DeixaElaTrabalhar, a integrante da diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul (Sindjors), Vera Daisy Barcellos, avalia que houve um grande número de assédios durante coberturas televisivas ao vivo e que, nesses casos, fica ainda mais difícil para a repórter demonstrar alguma reação.

“Se você está em um trabalho em que a câmera está em cima de ti, você recebe essa carga forte de assédio e ainda tem que ter o comportamento de não reagir”, afirma Barcellos .

Segundo o Relatório de Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, organizado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), apenas cinco casos referentes à violência de gênero foram denunciados no estado do Rio Grande do Sul em 2018. O número de denúncias, porém, é ilustrativo, pois, na grande maioria dos casos, a denúncia não é formalizada.

Dirigente do Sindjors, Vera Barcellos. Créditos: Ramiro Furquim
A dirigente do Sindjors afirma que, embora o movimento sindicalista coloque seu setor jurídico à disposição e se manifeste diante de casos de agressão a profissionais, ainda não existe muita procura pelo apoio da instituição por parte das vítimas.

“Nós fazemos denúncias, publicamos notas de repúdio à violência em nosso site. Mas, geralmente não temos reciprocidade. A categoria ultimamente acha que está protegida na redação pelo patronato e não vê no sindicato do jornalista a sua representatividade”, afirma Vera Barcellos.

A jornalista Quetelin Rodrigues relata que os Canais de Éticas, que funcionam como ouvidorias dentro das redações, onde as jornalistas podem denunciar posturas desrespeitosas dentro das empresas do ramo, são muito importantes. Para ela, o protagonismo das mulheres em falar sobre situações de discriminação de gênero está contribuindo com o trabalho de futuras jornalistas esportivas.
“Essa geração de mulheres no jornalismo esportivo é fundamental para que as próximas se sintam confortáveis para trabalhar”, afirma Rodrigues.
Quem sonha em vencer o machismo e conquistar espaço na profissão
A jornalista Quetelin Rodrigues sonha alto com a representatividade feminina em espaços como o da narração de partidas de futebol, que é a posição mais importante em uma cobertura esportiva.
O preconceito de mulheres nas redações esportivas também já foi objeto de estudo de projetos acadêmicos como o da jornalista Suelem Mari Krüger Storck, formada pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).

O machismo existe
Storck entrevistou, em 2014, Rafael Cechin e Cléber Grabauska, da Rádio Gaúcha, que à época foram unânimes em dizer que as mulheres não tem “memória esportiva” para ocupar uma posição de destaque no jornalismo esportivo.
Cechin também declarou que jornalistas mulheres têm mais dificuldade para entender questões como treinamento e as mudanças na escalação de um time de futebol. “A mulher, no geral, tem um pouco mais de dificuldade para assimilar as coisas”. Esse tipo de declaração é tido como senso comum e ilustra o tipo de comentários que as mulheres ouvem todos os dias dentro das redações.
E persiste dentro das redações
Hoje, Rafael Cechin é editor chefe de esportes da Gaúcha ZH. Cechin comenta que neste momento vivemos em uma nova realidade nas discussões de gênero e que as expectativas para o futuro são de que ocorram grandes reduções dos casos de assédio contra jornalistas esportivas. O jornalista também afirma que, em 18 anos atuando na redação, nunca diferenciou mulheres e homens.

“Sempre qualifiquei pela competência, ética, pelo companheirismo e profissionalismo. Trouxe esse conceito para quando assumi cargo de gestão. Faço seleções para vagas ou distribuo tarefas na minha equipe sem fazer diferenciações. O obstáculo que encontrei até mais ou menos 2015, no entanto, foi o conhecimento das mulheres sobre esporte e futebol. Na seleção de candidatos para vagas, a distância era grande entre os gêneros. Felizmente, pude notar que melhorou muito nos últimos anos”, afirma Cechin.

Cotidiano
A jornalista da Gaúcha ZH, Renata Medeiros, relata que cotidianamente as profissionais no jornalismo esportivo sofrem diferentes formas de discriminações por causa do seu gênero.
Embora as mulheres venham conseguindo ocupar mais espaço nas coberturas esportivas, ainda assim, estão em menor número e sofrem com o desrespeito. Segundo o relatório “Mulheres no Jornalismo”, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), entre 477 jornalistas entrevistadas, apenas 20 atuavam nas editorias de esporte.
A presença de mulheres em cargos diretivos também vem sendo questionada, uma vez que a pesquisa “Perfil da Liderança em Comunicação no Brasil”, divulgada em 2017, pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), mostrou que apesar das mulheres fazerem parte de 69% dos cargos de liderança na comunicação corporativa no Brasil, apenas 45% atuam na direção ou vice-presidência dos setores das empresas onde trabalham. A jornalista Renata Medeiros acredita que a mudança que inclui as mulheres dentro de posições de destaque por merecimento dentro do jornalismo esportivo é lenta e gradual, como toda e qualquer mudança dentro desta área de atuação.
Ainda estudante de jornalismo, mas já atuante no meio, Júlia Goulart é outro exemplo de profissional que enfrenta no dia a dia o preconceito e pretende seguir em campo. No vídeo abaixo, Goulart explica como é para uma repórter participar de uma coletiva.
Um dos espaços onde as jornalistas encontraram o seu próprio mercado foi a internet
Uma das alternativas à falta de espaço feminino dentro das mídias tradicionais é a produção de conteúdo independente para a internet. Um projeto pioneiro neste sentido foi o Dibradoras, projeto que se iniciou como um podcast e hoje já se estende pela internet como canal no Youtube, Blog e Twitter, alcançando mais de 50 mil seguidores.
Percebendo essa audiência, as mídias tradicionais começam a engatinhar em iniciativas parecidas e femininas. Exemplo disso é o lançamento do “ESPN Extra” no Brasil, canal da emissora que dá destaque às modalidades femininas no futebol e a WNBA, além de o “Olhar ESPNW”, programa de debate esportivo feito exclusivamente por mulheres no estúdio.

Outra iniciativa inédita vem do SportTV, que decidiu transmitir todas as partidas da Copa do Mundo de Futebol Feminino. Na televisão aberta a Globo e Band também abriram espaços transmitindo os jogos do Brasil.
Essa abertura trouxe impactos para a presença feminina nas coberturas, ainda que de forma quantitativamente acanhada, nomes como Ana Thaís Matos, Nadja Mauad e Carol Barcelos conquistaram seu espaço nas transmissões dos jogos do Brasil. Ana Thaís Matos, inclusive, faz parte da bancada fixa do Troca de Passes, um dos programas mais tradicionais da SporTV.
Equipe do site Dibradoras. Crédito: Avener Prado/ Folhapress
Percebendo essa audiência, as mídias tradicionais começam a engatinhar em iniciativas parecidas e femininas. Exemplo disso é o lançamento do “ESPN Extra” no Brasil, canal da emissora que dá destaque às modalidades femininas no futebol e a WNBA, além de o “Olhar ESPNW”, programa de debate esportivo feito exclusivamente por mulheres no estúdio.

Outra iniciativa inédita vem do SportTV, que decidiu transmitir todas as partidas da Copa do Mundo de Futebol Feminino. Na televisão aberta a Globo e Band também abriram espaços transmitindo os jogos do Brasil.
Essa abertura trouxe impactos para a presença feminina nas coberturas, ainda que de forma quantitativamente acanhada, nomes como Ana Thaís Matos, Nadja Mauad e Carol Barcelos conquistaram seu espaço nas transmissões dos jogos do Brasil. Ana Thaís Matos, inclusive, faz parte da bancada fixa do Troca de Passes, um dos programas mais tradicionais da Sportv.

Ana Thaís Matos tem sido uma das jornalistas mais importantes nesse movimento de ocupação feminina no jornalismo esportivo das grandes emissoras. Crédito: divulgação Globo.
E foi por conta dessa bagagem que ela foi protagonista de um dia histórico para a representatividade jornalística no país. No dia 8 de setembro de 2019, Ana Thaís foi escalada para comentar a transmissão de Santos x Athletico Paranaense na Rede Globo, partida válida pela 18ª rodada do Campeonato Brasileiro. A jornalista foi a primeira mulher a comentar uma partida de Série A do campeonato brasileiro em tv aberta, além de ser apenas a terceira a comentar uma partida de futebol na história da televisão brasileira (em 2003 a jornalista Mariah Moraes que comentou o campeonato paulista pelo SBT e em 2007 Milly Lacombe que transmitiu a Champions League pela Record).

Rádio Grenal faz transmissão histórica de grenal
Quando o assunto é representatividade no jornalismo gaúcho, um dos grandes acontecimentos foi a transmissão do grenal, válido pelo Campeonato Gaúcho de Futebol Feminino, no dia 21 de setembro de 2019, com transmissão inteiramente feminina.
A equipe foi composta pela narradora Valéria Possamai, pela repórter Bárbara Assman, pela comentarista Ana Aguiar e pela diretora Marjana Vargas, que acompanharam o clássico que terminou com a vitória da equipe colorada por 4–0 em cima das rivais tricolores.
A equipe foi composta pela narradora Valéria Possamai, pela repórter Bárbara Assman, pela comentarista Ana Aguiar e pela diretora Marjana Vargas

Ainda no Rio Grande do Sul, iniciativas parecidas também estão se popularizando. O “Saia de Redação”, programa de entrevistas descontraídas com personalidades esportivas do estado, veiculado pela GaúchaZH, já está na sua terceira temporada e é comandado pelas jornalistas Kelly Mattos, Amanda Munhoz, Renata de Medeiros e Ohana Constante. Outro exemplo é o “Mina a Mina”, novo quadro sobre futebol feminino do tradicional programa Sábado Esporte. Na Rádio Guaíba, apesar de ser pauta livre, o programa inteiramente feminino Elas Por Elas está no ar há mais de dois anos.
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