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Ensaio-Fotoilustrativo-Exposição: Fala, Santa Maria

Ensaio-Fotoilustrativo-Exposição: Fala, Santa Maria
RODRIGUES, Thayane Cristine
A palavra “abandono” é um substantivo que pode ser utilizado para expressar sentimentos como a falta de amparo ou de assistência. Abandono é um estado ou condição do que é ou se encontra abandonado; desleixado, negligenciado, desamparado.

O presente trabalho de Projeto Experimental em Jornalismo se propõe a trabalhar a situação de abandono na qual se encontra a cidade de Santa Maria em função da precariedade de sua estrutura física urbana, e os problemas que acarreta na rotina dos moradores e suas vidas privadas. 

Essa proposta tem como objetivo alertar para uma situação que faz parte do cotidiano do cidadão, através de fotografias posadas, em locais estratégicos, juntamente de relatos dos próprios moradores das áreas e locais considerados por eles como grandes causadores de problemas na região em função do abandono e ou do descaso do poder público. 

Portanto, o trabalho organizado nesta disposição, dá um rosto e uma voz ativa para essas manifestações feitas por moradores descontentes e que, até então, não encontrando representatividade na imprensa tradicional, encontraram nas redes sociais e na comunicação alternativa, um meio de expor e tornar público o seu descontentamento. O ensaio foto-ilustrativo-exposição utiliza as fotografias como uma ferramenta ilustrativa de protesto contra o descaso com que convivem os moradores.
Kamila Barrachini, 35, convive com a sanga próxima à residência, Bairro Noal, Vila Lídia, região Oeste de Santa Maria.

Moradora da localidade há pelo menos três anos, Kamila precisou reconstruir a sua casa para fugir das constantes enchentes que atingiam a sua moradia, por conta da sanga que fica em frente à sua residência. Ela considera que uma solução para o problema seria a colocação de canos maiores, já que não há vazão o suficiente para a quantidade de água que o local recebe. Por conta disso, em dias de chuvas mais fortes, é quase impossível sair de casa, ou até mesmo colocar o carro na garagem, por conta do nível da água.

Izoni Maria Steindorff precisou reformar a cozinha por conta das enchentes no bairro onde mora, na região Oeste da cidade.

Moradora do Bairro Camobi, na Rua Itaipu, há pelo menos três anos, após casar com seu marido Ivo Nunes da Silva, no último ano, Izoni teve sua rotina invadida por uma visita indesejada: a água da chuva. Buscando fugir disso, ao longo dos últimos meses a moradora está fazendo modificações na sua casa para evitar que a água entre: como a construção de muros do lado de fora, e a colocação de placas de piso nas paredes, para que a água não se infiltre. Izoni reformou toda a sua cozinha após a última enchente, mas o seu quarto ainda apresenta os sinais do estrago causado pela água.
Moradores da rua Itaipu, em Camobi, convivem com o medo das enchentes que insistem em invadir as suas casas.

Na foto: João Rocha, Valério Fernandes, Jair Rissi, Izoni Maria Steindorff, Ivonete Fernandes Rissi e André Fernandes. 

Estes são alguns dos moradores da rua Itaipu, que convivem há cerca de um ano com as enchentes causadas por conta de uma construção que aumentou a vazão da sanga da região, tornando-a incapaz de dar conta de tal volume de água. Eles relatam que durante as enchentes, um dos moradores perdeu uma máquina de lavar, que saiu pela janela. Um dos cachorros da vizinhança chora toda vez que a chuva começa, com medo. Além das perdas materiais, que se acumulam a cada chuva mais forte, também já foram perdidos documentos, fraldas e até mesmo comida. O bairro é considerado por todos um lugar tranquilo e bom de viver, a única reclamação a ser feita é quanto à questão da água. Assim que o tempo dá sinais de chuva, eles alegam não mais dormir, se preparando para a água que insiste em entrar em suas casas.
Eva Rodrigues, 64, e Gumercindo da Silva, 65. Bairro Presidente João Goulart, região Nordeste da cidade de Santa Maria.


O casal de recicladores mora em uma casa simples de madeira que fica de costas para os trilhos que cortam a cidade de Santa Maria. Eles tiram o seu sustento diário recolhendo materiais recicláveis no entorno da região há pelo menos quatro anos, e moram na localidade beira trilho há cerca de 10 anos. Dentro da casa simples ondem vivem, há apenas uma cama, um armário que armazena roupas e utensílios de cozinha, e uma mesa com duas cadeiras, frutos de doações. Do lado de fora da casa fica um pequeno fogão à lenha, feito pelo próprio Gumercindo. O casal convive diariamente com o medo de perder a casa onde vivem, justamente por ela estar a menos de 15 metros de distância dos trilhos – exigência de segurança feita pela empresa RUMO.
Rosicler Rubenich e filhos, Bairro Presidente João Goulart, região Nordeste da cidade de Santa Maria.

Na casa de Rosicler moram cerca de seis pessoas, uma porca e seus filhotes, além de galinhas e as bonecas da filha pequena. A moradora reside na casa há 40 anos com seu marido e filhos, e há cerca de um ano convive com a incerteza de não saber se sua casa permanecerá sendo sua, já que esta é localizada há menos de 15 metros de distância dos trilhos – uma exigência de segurança feita pela empresa RUMO. Rosicler faz parte das centenas de moradores que recebeu a intimação da empresa alegando reintegração do terreno, já que a casa fica no barranco próximo aos trilhos que divide os bairros Itararé e Presidente João Goulart.
Pablo Elizandro Rocha, presidente da Associação de Moradores Próximos à Ferrovia de Santa Maria e região.

A frente da AMPF há um ano, Pablo mora em um bairro que costeia os trilhos, e em questão de metragem, não reforça a noção de perigo que é reivindicada pela empresa RUMO e o judiciário, que está largando intimações judiciais que avisam aos moradores que estes poderão perder as suas casas por se encontrarem em terreno próximo à beira trilho. A metragem considerada como de risco, em principio, é de 15 metros. A casa de Pablo está há mais de 100 metros, e ainda sim, ele recebeu a intimação. Estima-se que, na cidade, o número de famílias afetadas por essa ordem de reintegração de posse da empresa RUMO, a maior operadora ferroviária do país, passam de três mil.
Luiz Nereu Leal, 52, e Sueli Soares Braga. Bairro Itararé, retirados de suas casas e realocados para um lar de incertezas.

Na tarde do dia 10 de junho foi executada a ordem de reintegração na Rua Armando Cecchin, local onde por cerca de 20 anos, Sueli e Luiz Nereu constituíram família. Eles receberam, cerca de um mês antes, um aviso que lhes dava 30 dias para a retirada dos materiais e móveis do local, que assim que fora esvaziado, foi derrubado. A casa, quando Sueli mudou-se, era apenas um pequeno cômodo de madeira que ao longo dos anos foi sendo reformado para acolher a família, que foi crescendo, e agora fora alocada para a Vila Brenner, que fica na região norte da cidade. A ordem foi cumprida por conta da localidade ter sido classificada como uma área de risco, por ficar no barranco próximo aos trilhos do trem que delimitam os bairros Itararé e Presidente João Goulart.
Leonardo Oliveira Vargas, 18, morador do bairro Tomazetti, é impedido de estudar quando chove e sua rua fica alagada.

Leonardo mora na rua Lídio Desconzi, no bairro Tomazzeti, a vida toda, fazendo com que ele tenha se acostumado a conviver com as enchentes que são frequentes no bairro. Até os 13 anos de idade, ele via a água entrando em sua casa toda vez que chovia, foi então, que em uma ocasião onde perdeu tudo, ele e sua família mudaram-se. A sua rua de chão batido possui bocas de lobo em cada esquina, e em dia de chuva, a água acaba subindo e entrando nas casas. Muitas vezes essa água já impediu o estudante de chegar até a escola, e seus pais de irem até o trabalho. Ele alega ter aceitado participar do projeto pela motivação de explicitar a situação que afeta o seu bairro desde sempre.
Fátima dos Anjos, 56, e Roger Leonam Rangel da Silva, 56, moradores do bairro Tomazzetti, vizinhos das enchentes.

A enfermeira Fátima alega que não consegue dormir e nem trabalhar direito sempre que a chuva fica mais forte lá fora. A moradora que vive em uma casa simples de madeira vive no bairro há cerca de 40 anos, e alega que o problema dos alagamentos surgiu após a construção de condomínios na região, o que causou com que a água desça com toda força para a sua rua. Para tentar evitar a água que entra na sua garagem, Fátima e Roger colocaram placas de metal no portão, mas com a passagem dos ônibus na rua, a água acaba entrando. A água da chuva mistura-se com as dos esgotos a céu aberto, e invade a sua garagem. Os moradores tiram os carros para que não sejam afetados pela água, e estes ficam ilhados dentro de casa. Dentre as perdas por conta dos alagamentos estão sofás, camas, roupeiros e móveis da sala. A rua onde moram foi calçada como fruto da reunião dos moradores, que se reuniram e pagaram pela melhoria na localidade para, pelo menos, se verem livres do barro.
Allysson Marafiga, 21, estudante e utilizador assíduo do transporte público, convive diariamente com a falta de iluminação nas ruas.

O estudante de jornalismo mora a sua vida toda na rua Sílvio Romero, no bairro Chácara das Flores, que fica localizado na região Norte da cidade. Atualmente estudando na região central da cidade no período da noite, ele costuma pegar o ônibus de volta para a sua casa no “paradão” da Rio Branco, local mais próximo da sua Instituição de Ensino. Allysson sai de sua casa cedo da manhã, e volta tarde da noite, e no caminho em direção à parada, ele considera a falta de iluminação pública como um de seus maiores medos. Em função dessa sensação de insegurança, ele busca frequentar as paradas mais movimentadas e melhor iluminadas. Já em seu bairro, há várias paradas que não são iluminadas, o que já fez com que o ônibus passasse do seu ponto e o largasse mais adiante, com receio de assaltos. Em uma ocasião, o ônibus lhe deixou no meio do caminho e ele teve que fazer o restante do caminho a pé e a noite, e só não foi assaltado porque o autor da tentativa de crime o conhecia.
Myrna Lena Floresta, presidente da Associação de Moradores Ferroviários da Vila Belga, patrimônio histórico da cidade.

Em seu quarto ano à frente da presidência da Associação de moradores, Myrna revela que sempre teve o desejo de morar em uma casinha antiga, e foi quando, há 8 anos atrás, ela e o marido mudaram-se para a Vila Belga, localizada no bairro centro da cidade, e tombada como patrimônio histórico em 2007. A moradora destaca que, entre os problemas enfrentados pelos moradores, está a necessidade de melhorias no calçamento das ruas, e também das calçadas, tendo em vista que a sede da Associação fica localizada ao lado da Associação de Cegos e Deficientes Visuais (ACDV) e está com buracos e desníveis que dificultam a locomoção dos que frequentam o espaço. Além disso, Myrna também reclama da falta de iluminação, já que os postes menores são constantemente roubados ou depredados, e por conta disso, os moradores juntaram-se para adquirir um sistema de monitoramento por câmeras que é compartilhado com a Brigada Militar e a Guarda Municipal, visando estabelecer a segurança no bairro, que no ano passado foi cenário de um roubo foi filmado pelos repórteres da RBS durante a gravação de uma reportagem.
Quélen Nunes, 30, vizinha da Sede da Defesa Civil da cidade de Santa Maria, e visitada frequentemente pela água da chuva.

Na época em que buscava por imóveis para comprar, há cerca de 5 anos atrás, Quélen encantou-se por uma casa amarela localizada na Rua Boa Vista, no bairro Parque Pinheiro Machado, que fica na região oeste da cidade. Ela optou pelo terreno grande, e pela calmaria que o bairro oferecia. No ano passado a sua casa foi invadida pela água da chuva, que ultrapassou a altura dos joelhos, deixando sua cama à deriva dentro do quarto. Era inverno, e cerca de 5h da manhã, quando Quélen acordou com o som de seu ganso de estimação batendo as asas na água, foi quando ela olhou para o pátio e viu que a água não parava de subir. Estima-se que a água tenha atingido a altura de 1 metro, resultando na perda de móveis e um dia de limpeza para recuperar o estrago causado durante a madrugada. Quélen é vizinha de uma sanga que não possui vazão suficiente. E como resultado disso, já sofreu um prejuízo de cerca de 6 mil reais com a perda do motor de um carro. À espera de um filho, a moradora relata não conseguir dormir sempre que começa a chover, por conta do medo da cena se repetir.
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