“Eu proponho que a gente una as mãos para juntas plantar mais poesia..”
Reportagem produzida para a disciplina Redação Jornalística 1, ministrada pela Profa. Dra. Adriana Santana em 2017.1

O cordel, exemplo de manifestação da poesia popular, mostra-se como um importante ambiente para a discussão da temática de gênero. Através das produções, as mulheres reivindicam seus espaços dentro da cultura tradicional nordestina que, ainda hoje, tem a predominância masculina. 
E que, de forma geral, não é valorizada ou incentivada da devida forma.
Cordel?
O cordel, que é comumente associado ao nordeste brasileiro, chegou aqui por meio dos portugueses conhecido como folhas soltas. A produção poética do cordel, na verdade já era bastante conhecida por parte do Mediterrâneo. As quadras, as sextilhas, as septilhas e as décimas, que são caracterizadas pelas número estrofes, com certeza, já encantavam com sua sonoridade pelo mundo a fora, mas chegando ao Brasil elas encontraram uma parceira perfeita: a xilogravura.
As folhas soltas se tornaram folhetos ilustrados e produzidos inicialmente nas capitais. Uma destas foi Recife, a capital de Pernambuco, que acolheu o cordel e iniciou uma produção incansável. Isso lá pelos anos 1800, quando as prensas já eram utilizadas e as compras dos folhetins evoluíam. Ao longo do tempo, o interior de Pernambuco foi tomado por esta forma de produção, que atualmente é associada diretamente às cidades interioranas, encontrando uma base na cantoria, que fez com que esta arte se perpetuasse.

A maioria dos cordelistas tem uma ligação muito clara com os repentes e outras formas de cantar por meio de rimas, o que pode ser evidenciado nas apresentações. As declamações de cordel invocam uma sonoridade que chama muita atenção. O revisor da Editora Coqueiro (umas das únicas pernambucanas que publica cordel), Meca Moreno, destaca que “As brincadeiras pernambucanas trazem sonoridade desde cedo, o que se assemelha ao cordel”, o que poderia influenciar na forma como nossa atenção é capturada pelas apresentações.
Cordelistas
A cultura popular tradicional normalmente é relacionada ao imaginário de manifestações culturais folclóricas, intocadas e que precisam ser preservadas, apesar do mínimo incentivo cidadão e governamental a elas. O cordel, que faz parte das manifestações culturais citadas, tem várias referências quando os produtores são mencionados. Na verdade, a Academia Brasileira de Literatura de Cordel determina como “Grandes cordelistas” os seguintes autores: Apolônio Alves dos Santos, Arievaldo Viana Lima, Cego Aderaldo, Elias A. de Carvalho, Expedito Sebastião da Silva, Firmino Teixeira do Amaral, Francisco das Chagas Batista, Francisco Sales Arêda, Gonçalo Ferreira da Silva, João Ferreira de Lima, João Martins de Athayde, João Melchíades Ferreira, Joaquim Batista de Sena, José Camelo de Melo Resende, José Costa Leite, José Pacheco, Leandro Gomes de Barros, Manoel Camilo dos Santos, Manoel d’Almeida Filho, Manoel Monteiro, Mestre Azulão, Patativa do Assaré, Raimundo Santa Helena,  Severino Milanês, Silvino Pirauá, Zé da Luz e Zé Maria de Fortaleza.

Os mais de 20 artistas citados, apesar de nacionalmente conhecidos, fazem a problemática de gênero ser levantada. Historicamente, há o conhecimento de que mulheres durante o século XIX produziam cordel frequentemente, no entanto estes cordéis eram assinados com pseudônimos masculinos, ou mesmo assinados por homens. O que acabava por reproduzir nas relações artísticas um sistema que subjugava e subjuga as mulheres, reproduzindo, dessa forma, a narrativa do machismo nas manifestações culturais. Porém, há resistência e ela vem crescendo. O revisor da Editora Coqueiro, Meca Moreno, comentou que “Na poesia popular, no geral, o machismo é exacerbado, mas as mulheres têm conquistado cada vez mais espaço.”

A produção de cordel por parte das mulheres surge muitas vezes como um resgate das origens, e uma adaptação do espaço predominantemente masculino com temáticas relevantes para elas. Um exemplo disso são as cordelistas Anaíra Mahin e Luciana Rabelo, em busca de um resgate de suas origens do Sertão do Pajeú elas iniciaram a produção juntas. Luciana comentou que começar a produzir foi algo muito natural, após esse resgate, “Minha mãe é de São José do Egito, uma terra onde a poesia é muito forte né, e meu pai é do Sertão do Pajeú, então desde que eu nasci de alguma forma eu já tinha contato com a poesia popular.” A artista Anaíra pontuou também que “No sertão a gente já tem essa coisa da poesia muito forte, então a gente já conhece as sextilhas, as quartas… foi uma questão de praticar.” 
Anaíra Mahin (esquerda) e Lu Rabelo (direita) após apresentação no RECITATA de 2007. Reprodução/ Facebook
A formação da dupla das cumades, como são conhecidas Anaíra e Luciana, aconteceu em 2004, e a partir disso elas iniciaram a produção e encontraram suas identidades como cordelistas. Anaíra comentou que “Eu comecei a me assumir como cordelista a partir de um processo de parceria com Luciana. Na época fazia muito verso livre, quando a gente se encontrou começamos a resgatar a raiz da métrica.” Já Luciana disse “Em 2004, eu fui a São José do Egito e passei o dia entrevistando um cantador, então passei o dia todo escutando poesia. Quando eu fui dormir, meu sonho foi todo rimado e metrificado, a narrativa do sonho foi toda em poesia, aí acordei e escrevi meu primeiro poema popular e me apaixonei por essa coisa da forma.” 

Sobre o espaço das mulheres na produção de poesia popular, as artistas destacam a carga machista existe em grande parte das produções. “Minha mãe, que tem um histórico de militância, ela sempre tinha um pouco de abuso da cantoria e da poesia metrificada porque trazia um peso do machismo, que eu só fui compreender depois. Já eu sempre gostei, apesar de durante a infância não ter essa identidade dentro das poesias, é tanto que eu escrevia de uma forma mais livre, mas depois  fui me apaixonando pela métrica mesmo.”, disse Anaíra.

Ainda, é necessário destacar a representação feminina na produção, que fica restrita muitas vezes aos olhos dos homens. A respeito disso, Luciana comentou que a representação das mulheres nas produções se dá na maior parte pelo que elas escrevem: “Eu acho que a gente se representa nas várias personagens que existem nos cordéis.”. As duas artistas retratam, normalmente, a figura das mulheres em seus cordéis juntas, uma cumade que varia sempre de idade.  Ao longo dos anos elas participaram de algumas edições do concurso poético RECITATA, no Recife, alcançando em 2008 o primeiro lugar com o cordel Com ciência de cumade.
Publicação
Fanzine. Este é um tipo de publicação que pode ser associada à ideia de produções artesanais da literatura de cordel. De forma mais moderna, estas publicações são independentes e basicamente um gênero de diagramação, que consiste em organizar texto e figuras, e xerocá-los para a comercialização.  Fanzine é o nome contemporâneo dado para este tipo de publicação que é utilizada, há décadas, por cordelistas. Anaíra Mahin destacou que esse tipo de poesia visual pode ser vista como uma forma de contracultura, devido a seu caráter independente.

Há, ainda, a publicação de cordéis feita nas editoras, que não é tão comum devido a escassez de espaços que ofereçam tal serviço. Junto ao espaço restrito existente para as mulheres e às possibilidades escassas, existe uma limitação nas publicações de forma oficial. “Na publicação de cordel pela Editora Coqueiro, que é onde trabalho, nós não temos mulheres como a maioria. Hoje eu diria que o espaço das mulheres ainda é muito restrito, mas eu quero muito dizer um dia que pelo menos 10% dos cordéis publicados são de mulheres. Em Pernambuco hoje acho que 10% deve ser o quantitativo produzido por mulheres.” informou o revisor, Meca Moreno.

Por parte do Estado, há a proposta de publicação através dos editais lançados pelo Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura PE), que, no entanto, abrange diversas áreas da manifestações culturais. O que acaba por dificultar e criar uma espécie de competição entre os artistas pelos editais das linhas: geral, audiovisual e da música. Em 2015, Anaíra Mahin e Luciana Rabelo, as cumades, conseguiram por meio do Funcultura um incentivo de cerca de 13 mil reais para a publicação por meio da linha geral, foram feitos 2.000 exemplares de um box intitulado Cordéis d’as Cumades.​​​​​​​
Porém, ambas relatam a dificuldade existente na comercialização dos cordéis publicados. “A comercialização para mim ainda é um desafio, no mercado mesmo eu não me sinto inserida”, pontuou Lu Rabelo. Já Anaíra relatou a situação com as livrarias para a vendagem de suas publicações “Eu tenho muita dificuldade de comercializar, já que a editora fabrica os cordéis mas a gente pega de lá e vende. Então, existe uma dificuldade de comercializar nas grandes livrarias. Com o box dos Cordéis d’as Cumades, a gente fez o lançamento na Livraria Cultura, mas depois tivemos dificuldade de deixar para vender lá.”

As cumades ainda destacaram que as apresentações são os melhores ambientes para vender suas publicações, já que é gerado um maior engajamento. Porém, fica claro, dessa forma, que o processo de publicação dos cordéis nem sempre é rentável, o que faz com que muitos dos produtores recorram ao fanzine como modo de publicação devido a sua facilidade e à iniciativa de publicar de forma independente dentro do mercado pouco valorizado da cultura popular.
Mulheres do Cordel
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