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Livro-reportagem A criança do porta-retrato

A CRIANÇA NO PORTA-RETRATO

Um livro-reportagem sobre a busca da identidade e o reconhecimento de crianças e adolescentes transgêneros

***A produção digital é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso, da graduação em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná. Pode ser acessado na íntegra aqui: https://www.flipsnack.com/acriancadoportaretrato/a-crian-a-no-porta-retrato.html 

Nas infinitas palavras da Língua Portuguesa, é por trás do “mas” que se escondem os questionamentos e até preconceitos. Sobre pessoas transgêneras permeiam frases como: “respeito, mas não consigo entender porque um homem quer se vestir de mulher”. Já sobre crianças e adolescentes transgêneros é comum ouvir: “eu não sou contra, mas como uma criança, tão nova, pode entender que não quer ser menina e sim menino?”
Palavras se traduzem em atitudes que, por sua vez, revelam a falta de conhecimento sobre o conceito de gênero, que é socialmente estabelecido sobre o patamar binário do masculino e feminino.  
Por coincidência ou por alguma razão maior, quando iniciei a pesquisa para este livro, em 2017, temas relacionados aos transgêneros começaram a surgir com frequência no círculo de notícias e até em uma novela brasileira. Além da televisão, as redes sociais e, principalmente, o Youtube, dão espaço para personalidades transgêneras – como Mandy Candy, Thiessa Woinbackk e Lucca Najar – que discutem o tema trans com um público mais amplo. Acompanhada de um vazio de dados, a transgeneridade é apresentada quase sempre como um fenômeno novo e exclusivamente adulto. Sobre a infância e adolescência, a ausência de informações parece fazer parte de uma recusa social. Isso motivou a produção deste livro, que tem por objetivo voltar o olhar para as histórias e vivências singulares de crianças e adolescentes transgêneros, e suas famílias.
Nas palavras da jornalista Eliane Brum: reportagem é a arte da escuta. No processo de afinamento de laços com o tema e exercício de alteridade com as fontes, o que se destaca é o anseio de pessoas transgêneras em serem ouvidas. Anseio que, muitas vezes, é calado pela violência, pela discriminação e pelos julgamentos – tanto com as crianças e adolescentes, quanto com seus pais e familiares. O senso comum parte de pressupostos de que a identidade de gênero é uma escolha, o que determina a forma com que indivíduos transgêneros são retratados.
O livro A criança do porta-retrato começa e termina com depoimentos de Daniel, Brenda, Claudete e Ariel. Esses textos são relatos contados na voz dos próprios entrevistados. Permeiam toda a obra e podem ser lidos separadamente, dando ao leitor a chancela de construir a leitura da forma que desejar.
Se fotos são um registro para toda a vida, para famílias de crianças e adolescentes transgêneros as imagens ganham um significado maior: um misto de saudade do passado, aceitação do presente e expectativas de um futuro melhor para as pessoas transgêneras – diante de um Brasil que ainda se mostra intolerante com a comunidade LGBTQ+. Frente a frente com os entrevistados, o título deste livro busca representar a relação respeitosa da família com a transição da criança ou do adolescente para o gênero que se identifica. Isso porque, as imagens nos álbuns de fotografia imprimem uma criança diferente da que é atualmente.
Falar sobre a infância e a adolescência em um livro-reportagem – no país que registra altos índices de violência contra pessoas transgêneras e que camufla discursos conservadores em manifestações pela moral – é um processo de resistência, não por mim como autora, mas por essas pessoas. Representa um mergulho nas histórias das famílias retratadas, não somente para fazer um retrato de suas vivências e experiências, mas para mostrar como as questões sociais que envolvem a transgeneridade podem ser melhor compreendidas. O que importa contar aqui é a vida de crianças e adolescentes que querem existir como meninos e meninas. As palavras ser e querer, para elas, não estão no mesmo dicionário.
Além disso, o livro considera as famílias que adotam outras formas de convívio e apoio para suas filhas, filhos, irmãos e netos transgêneros. Nas composições familiares atuais, as reorganizações estruturais partem, normalmente, pelos pais. Mães solo criam laços de afinidade diferentes com seus filhos. Famílias de casais homoafetivos criam, por vezes, misturas de relações que ultrapassam a barreira das ligações sanguíneas. Já em famílias de crianças ou adolescentes transgêneros, a reorganização parte pelos menores.
É a família a primeira forma da criança obter reconhecimento do gênero a que se identifica. As histórias aqui contadas passeiam pelos momentos de descoberta sobre as identidades – numa terra nunca antes habitada pelas famílias –, de impasses e dúvidas dos pais e responsáveis – sobre as novas fronteiras que se impõem diante dos menores –, e de desafios – em quebrar barreiras sociais que se impõem sobre pessoas que fogem à norma do masculino e feminino.
O capítulo “Transparecer” é dedicado ao conceito da transgeneridade. Reflete como o tema se impõe na atualidade e a forma com que dialoga com as famílias de crianças e adolescentes transgêneros. No capítulo “Transbordar”, o reconhecimento da pessoa transgênera nos espaços sociais – como na família e na escola – é o ponto central. Nesta parte, desafios e enfrentamentos dos personagens do livro dão o tom da reportagem. Por fim, em “Transformar”, a transição, bloqueio hormonal e debates que cercam o reconhecimento de crianças e adolescentes transgêneros são o fio condutor do capítulo.
A criança do porta-retrato é uma leitura para quem quer ampliar suas percepções do mundo, encantar-se com o apoio dos familiares no reconhecimento da identidade de gênero de crianças e adolescentes transgêneros, e conhecer as aflições, medos e esperanças que sentem as famílias envolvidas. O trabalho passeia pelo tema com a sobriedade de quem deseja contar as histórias de pessoas que, mesmo ao ter sua existência negada no mundo de diversas formas, continuam a existir e questionar os estereótipos de gênero que atingem a todos as pessoas.
Livro-reportagem A criança do porta-retrato
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