José Pedro Gomes's profile

White Avenue Christmas Tale

 
Ao escrever este conto quis criar uma rede de analogias entre droga e prenda e carência e compensação, prazeres substitutos do tacto inexistente numa criança que seja educada em contexto de frieza ou distanciamento familiar. Incidi sobre a hipótese mais problemática, nas famílias mais pobres, não deixando de aludir ao mesmo sintoma nas classes mais elevadas quer no substituto prenda literal, quer no também existente substituto droga.
Desenhei estas ilustrações enquanto frequentava o café do CCB, rabiscando inspirando-me no conto que havia escrito. Foi um trabalho universitário de análise de imagem.
Conto de Natal Avenida Branca
Com trechos de um texto de um autor desconhecido
1996(?) (original) / revisto a 26 Setembro 2010
autor e desenhador: José Pedro Gomes

A troca foi feita.
Desatou a correr, abrindo caminho pela neve com todas as suas forças, desbastando teias e matos imagináveis, selvas de mundos escondidos, à procura dum pequeno nicho onde pudesse esconder e desembrulhar a rica prenda secretamente e sem que ninguém o visse; nem precisou da rançosa esbranquiçada nesses instantes em que o couro da sua face fria e maltratada esboçava um sorriso e os olhos se enchiam de rugas.
Como os brinquedos, a droga conquistada perde toda a sua piada depois de consumida. O que se gosta é de olhar para os vidros das lojas e observar, observar e esperar impacientemente por se ter a mesma sensação de euforia para depois se ficar desiludido novamente.
Mas parecia-lhe correr e vislumbrar montras há uma eternidade...

Subitamente sentiu uma picada quente que lhe percorreu a perna ao peito queimando-o.
A alva fome foi saciada. Ingeriu-a numa só vez, pelos poucos canais que restavam ainda não tão profanados.
Só que desta vez não foi fome, foi gula.

A última coisa que viu antes de esborrachar as trombas no asfalto foi luz. Não soube se da morte de overdose, se reflexos de toda aquela brancura tonta que o rodeava. 

Quando voltou a si, desta vez, estava deitado numa cama. Os lençóis eram limpos e macios, a sua pele sentia-se aconchegada e tinha sido lavado, havia cheiros agradáveis a sabonete no quarto, estava quente. Voltara a ser uma criança a quem se esfrega a cabeça à medida que se embala pela chuva que cai lá fora e que embate no vidro da janela onde se encostava.
Calhou naquele instantinho de luz passear por lá, na avenida branca, um querido pai Natal pessoa.
Talvez na Páscoa continue com a perna agarrada ao corpo, ensanguentada e gangrenada, num qualquer beco infestado de nojo e pestilência humanas, com um mesmo brilho infantil nos olhos, e uma demência que não pára,
à espera, sempre à espera, até que os olhos se fechem, a dor alivie e o sofrimento acabe, espapaçado numa acolhedora pocilga, possivelmente ainda e para sempre recheada e coberta de neves; luzentes que ferem, condenam e consomem as almas cansadas dos meninos sem toque.
Era Inverno... e os carros impotentes e encalhados até faziam repousar os ouvidos...
 
White Avenue Christmas Tale
Published: