Joaquim Cantanhêde's profile

Ouro Preto: o lado vivo da história


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Ouro Preto: o lado vivo da história
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Fotografias e relatos
Peguei o voo para Minas no dia sete de agosto, algo me dizia que o Joaquim que retornaria ao Maranhão dez dias depois não seria o mesmo. Dito e feito. O local escolhido como bem sabem, Ouro Preto- MG, lugar de morada da fotógrafa Ane Souz, que não se contentou em apenas me abrigar, caminhar comigo, tomar água de coco enquanto eu tomava cerveja, fez mais, retratou-me minúsculo diante daquele universo de detalhes da qual ela é parte.

Um dia antes de embarcar estava na estrada, voltando de Sigefredo Pacheco com destino a Teresina- PI, após momentos tão importantes para mim, para a juventude do campo e para o Humanismo Caboclo. Nas idas e vindas sempre colocamos alguma coisa para tocar, entretanto, o que sempre fica marcado são os dizeres de Luciano Melo, professor, amigo e pai nas vivências do projeto “O Campo É Nosso Presente”. Mas o que tem a ver a estrada percorrida no Piauí com os becos e morros de minha vivência em Ouro Preto? A resposta se acha em algo que Luciano me disse no caminho, “somos seres inacabados”. As ruas daquela cidade, a luzes, sua gente, sua fé, a soma de tantos detalhes e descobertas ampliou minha compreensão do que foi dito.

Nunca me senti tão pequeno, não num sentido de inferioridade, mas na ideia de compreender que beirando os trinta anos de idade não sei de quase nada e amigos, que sensação maravilhosa essa. Viajei com uma mala de mão, uma bagagem de 11kg, na volta trouxe bem mais. Vou picotar esse relato para não lhes cansar, é o primeiro de alguns onde falo dos lugares e principalmente de pessoas que me marcaram nesses dias em Minas. Aos que pretendem ir à Ouro Preto, peço que não percam tempo. 
Ela cria, restaura, entalha, esculpe, pinta, faz, desfaz... Em sua destra madeira não é somente madeira, é uma gama de possibilidades: arte, fé, abrigo para as imagens dos santos, de igual modo criados por ela. Não imaginei-me escrevendo esse texto até o primeiro riso, isso em meio a uma das muitas conversas que tive com Paula Alves, cujo talento tento simplificar na seguinte definição: artista plástica, e acrescento, de mão cheia.
A mesa era meu lugar preferido numa casa repleta de detalhes. Seja nos vidros antigos na porta da frente ou no quintal com uma vista incrível de parte da cidade. No cantinho das refeições dialogava com Paula sobre o mundo, sobre o humanos e suas vivências. Coloquei no canto conceitos e preconceitos para ouvi-la falar sobre numerologia, empreendimento, arte. O plano de fundo era a escolha de um novo nome para seu atelier, onde todos esses fatores estão relacionados. Sugestões não faltaram: divina madeira, peculiaridades da madeira e por aí vai. Na escolha a numerologia tem a última palavra, é quando o transcendente toca o palpável, um smartphone. Nada de 4, 7 e 9, por favor!

Nesta de viver fotografando aprendi a observar detalhes. Quando Ane Souz se fez abrigo dos meus dias em Minas não conhecia sua mãe e claro, ficava com aquele pé atrás. Hoje, após um mês de meu primeiro dia em sua casa, mesmo na correria dos dias, continuamos dialogando, Paula em Ouro Preto, eu em Teresina. “Acho que já tenho novidades”, exclama numa recente mensagem com um novo nome para o atelier, acredito que já tenha sido descartado pela numerologia ou por Paula.

Entendo a importância que ela dá para a escolha do nome. Não se trata apenas de uma nova identificação para o lugar onde comercializa suas criações. O nome, assim como ela, precisa ter alma, tem que sorrir, trazer para perto. Paula tem um bom tempo de vivência, lógica argumentativa admirável e fica bem de cachecol, exigido nos dias frio da cidade histórica. Busca um nome que traduza a capacidade de se renovar, aprender algo novo. Tolos são os que pensam que isso é coisa de adolescente. Não se trata de um mero nome, se trata de uma relação com a arte iniciada na infância, em meio ao labor paterno. Sinceramente, Paula Alves seria o melhor nome para o atelier, até Ane, sempre argumentativa concorda com isso.

Gratidão querida, pelo teto, os sabores, diálogos e lições. E ainda dizem que o melhor de Minas é o Pão de Queijo, discordo!
Os dias em Ouro Preto foram místicos. Hora pairava sobre mim a solidão das esquinas históricas, hora achava-me numa roda de samba tendo vivências com gente que nunca tinha visto na minha vida. Me aproximei bastante da sonoridade com influências africanas, foi incrível, simplesmente ecoa.

Depois de uma tarde sabática andarilha era hora de voltar para casa, mas o melhor estava adiante. Aos pés da Igreja de Nossa Senhora das Merces e Misericórdia conheci Mo Maiê e sua Flor, com ambas o grupo Wontanara Djembe. Não imaginava que no dia seguinte entraria no fusca de Mo para descer uma ladeira imensurável no caminho de volta para casa. Nunca me esquecerei daquele sábado, daquele domingo e daquela segunda. Lembro-me nitidamente do momento em que o sol se entregava para a escuridão e o som produzido por eles flertava com o badalar do sino. Memorável.

Um dia depois fui para Mariana, cidade mineira pertinho de Ouro Preto. Descobri durante todo o dia que no riso de Mo Maiê cabe muito mais que os dentes. Nele há saber, não somente o saber da academia que por vezes se rende a solidez da ciência, mas o saber que resulta das vivências, não menos cientifico que o outro. Me atrevo a dizer que Mo Maiê, é uma soma dos momentos, dos lugares, das pessoas, dos sons que ouviu, não por acaso nômade.

Para nosso passeio trouxe a mbira, instrumental tradicional africano. “Ponte entre o mundo material e o mundo espiritual”, diz ela. Lembrou-se de Lívia, sua vó e ao descrever sua história mostrou-me uma outra perspectiva sobre a morte, vista por ela como um “encanto”. Falou sobre ancestralidade, África, Brasil, história. Tudo isso impregnado no riso. Há riqueza no ouvir, guardo na alma.

Hoje celebro sua vida Mo Maiê, em gratidão por tê-la conhecido e lhe ouvido. Antes que o dia finde dançarei motivado pela luz que me partilhou. As árvores nos conectam. Espero ter outra vez o privilégio de dialogar contigo . Abrace Flor por mim.
Ubuntu.
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