Trabalho de Conclusão de Curso de Maria Paula Reschke, graduada em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Catarina, orientada por Marina Toneli Siqueira, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, e coorientada por Sirlândia Schappo, professora do Departamento de Serviço Social. Florianópolis, 2018.
O trabalho faz um apanhado da forma como o campo é historicamente invisibilizado em nome do desenvolvimentismo e da industrialização nacional e como isso se reflete nas estatísticas oficiais; as diferenças e reflexos do agronegócio e da agroecologia; insere no debate dados que mostram um rural maior e presente na dinâmica nacional; faz a crítica às atuais formas de atuação dos arquitetos-urbanistas no meio rural, incluindo as políticas públicas que lidam com a espacialidade do campo e de seu habitar; e lança possibilidades de atuação nesse território, desenvolvendo uma metodologia participativa de trabalho com linguagem acessível aos moradores de uma unidade rural em Turvo/SC, além de priorizar as condicionantes locais nas ações propostas. O trabalho completo pode ser lido abaixo:
A atuação arquitetônica-urbanística no campo, no âmbito de programas e políticas públicas, precisa compreender a habitação com algo que vai além do teto da casa, abrangendo também a área do entorno e a infraestrutura presente nas unidades rurais. Melhorias nas construções de suporte às plantações, preservação de rios e florestas, plantio de culturas diversificadas e criação de animais para subsistência (incluindo galinheiro, pocilga, açude, pasto) são também englobadas pela habitação rural.
Também é muito importante que tal atuação seja considerada como política de permanência da população camponesa no campo. Possuir uma casa de qualidade, construções que ofereçam suporte aos cultivos, estradas que possibilitem fácil locomoção, meios de possuir abastecimento de água, energia elétrica, coleta de resíduos e tratamento de esgoto garantidos, afetam a vida no campo e são meios de fortalecer a existência da vida nesse território.
Mapa da unidade rural com indicação dos cultivos realizados, rio e açudes, estradas e edificações. O retângulo tracejado indica o recorte realizado no núcleo de ocupação das unidades familiares, e os números indicam o local das ações desenvolvidas. Escala indicada.
Mapa de caracterização das seis unidades familiares presentes na unidade rural de trabalho. Todas as casas possuem abastecimento de água através de poço; os resíduos sólidos são queimados e/ou levados para a reciclagem em uma lixeira da prefeitura na área urbana; uma das unidades familiares possui açude com criação de peixes; a maior parte das unidades possuem criação de galinhas, porcos e/ou gado para consumo próprio, bem como hortas e cultivos para subsistência. Todas as casas possuem abastecimento de energia elétrica e a maioria possui tratamento de esgoto.
A partir das informações levantadas e analisadas, foram elencadas problemáticas da unidade rural e sistematizadas estratégias, de modo a criar um plano de ação com medidas a curto, médio e longo prazo. Tais ações envolvem a habitação rural, ou seja, infraestruturas necessárias para que se habite o lugar para além da casa, englobando rios e estradas, tratamento de resíduos, edificações de apoio aos cultivos, entre outras. Dessas ações, algumas foram desenvolvidas no presente trabalho.
As ações desenvolvidas no presente trabalho foram:
- Zoneamento permacultural: elaboração de leitura da unidade rural utilizando-se o método permacultural de classificação em zonas de acordo com a frequência de uso, de modo a compreender a ocupação do território; proposição de diretrizes gerais na escala da unidade rural para recomposição da mata ciliar nas margens do rio Turvo; proposição de ocupação territorial na escala da unidade familiar, localizando funções sob a lógica permacultural de integração entre seres humanos, animais e natureza, e de fechamento de ciclos completos;
- Plantações agroecológicas: elaboração de diretrizes gerais para circuito pela propriedade; auxílio em projeto de galpão de trabalho, onde se armazena, limpa, seleciona e carrega no caminhão os alimentos colhidos, através de sugestões para adaptações a estratégias bioclimáticas;
- Casa adaptada ao ciclo completo: desenvolvimento de projeto de casa adaptada ao ciclo completo de reaproveitamento de água, geração de energia e tratamento ecológico de esgoto, como forma de exemplificação do uso de saberes sobre sistemas ecológicos e estratégias bioclimáticas para edificações;
- Cartilha educacional: desenvolvimento de cartilha informativa sobre círculo de bananeiras e Bacia de Evapotranspiração, como forma de sistematização de saberes sobre estes tratamentos ecológicos de esgoto.
Na sequência serão apresentadas duas dessas ações, sendo elas a casa adaptada ao ciclo completo e a cartilha educacional.
Os ciclos completos são sequências de ações que se complementam, onde uma etapa fornece os recursos para a outra e onde não há desperdício (natural, material e energético). Um exemplo é a captação da água da chuva a ser utilizada na descarga do vaso sanitário, cujas águas serão tratadas na bacia de evapotranspiração, que alimentará as bananeiras e outras plantas com seus nutrientes, que gerarão alimento que será consumido pelos humanos, cujos dejetos serão liberados no vaso sanitário e empurrados à bacia através da água da chuva, reiniciando um ciclo.
Parte dos ciclos acontecem dentro da moradia, através do uso das águas e da forma de captação de energia para aquecimento delas, do tratamento que se dá aos resíduos, dos materiais utilizados na sua construção. Tais aspectos serão apresentados abaixo, através da elaboração de uma moradia cuja base é o respeito e a integração com a cultura e o ambiente locais.
Parte dos ciclos acontecem dentro da moradia, através do uso das águas e da forma de captação de energia para aquecimento delas, do tratamento que se dá aos resíduos, dos materiais utilizados na sua construção. Tais aspectos serão apresentados abaixo, através da elaboração de uma moradia cuja base é o respeito e a integração com a cultura e o ambiente locais.
O exercício de projeto realizado lança o olhar sobre os princípios da permacultura e pensa como pode ser uma arquitetura que considere a moradia integrada ao meio ambiente e à cultura da unidade rural em questão, considerando a sua localização, orientação solar e estratégias bioclimáticas; as técnicas construtivas utilizadas; a forma de captação e tratamento da água; a geração de energia para aquecimento da água; o tratamento dos efluentes; e a produção de alimentos.
A representação projetual busca a utilização de uma linguagem compreensível coletivamente, considerando também as pessoas que não atuam na profissão de arquitetura e urbanismo. Desenhar um modelo de utilização de tratamento ecológico de esgoto e reaproveitamento da água da chuva, por exemplo, de forma integrada ao local estudado, é uma maneira de conversar didaticamente com as pessoas que ali vivem sobre tais assuntos.
A representação projetual busca a utilização de uma linguagem compreensível coletivamente, considerando também as pessoas que não atuam na profissão de arquitetura e urbanismo. Desenhar um modelo de utilização de tratamento ecológico de esgoto e reaproveitamento da água da chuva, por exemplo, de forma integrada ao local estudado, é uma maneira de conversar didaticamente com as pessoas que ali vivem sobre tais assuntos.
O modo de habitar
Estratégias bioclimáticas
As estratégias bioclimáticas utilizadas foram inércia térmica para aquecimento (através da exposição das paredes ao sol do inverno e proteção ao sol do verão), ventilação cruzada (com o posicionamento das aberturas em zonas de pressão opostas) e sombreamento (através de beirais largos).
Técnicas construtivas
Abastecimento com água do poço
Reaproveitamento da água da chuva
Aquecimento com uso de placa solar e fogão a lenha
Tratamento ecológico de esgoto
De forma a contribuir na popularização do conhecimento em larga escala acerca de tratamentos ecológicos de esgoto, desenvolveu-se uma cartilha que sintetiza as informações básicas sobre a construção do círculo de bananeiras e da bacia de evapotranspiração, que pode ser visualizada abaixo:
