O contrário do burguês não é o proletário, é o boêmio
(Oswald de Andrade)
 
 
Sob o contexto da ação disciplinadora do Estado varguista, especialmente nas décadas de 1930 e 1940, surge, contraposta à ideologia do trabalho, a figura do malandro carioca – logo nacionalizado. 
 
“Meu chapéu do lado / Tamanco arrastando / Lenço no pescoço / Navalha no bolso / Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho / Em ser tão vadio. / Sei que eles falam / Deste meu proceder / Eu vejo quem trabalha / Andar no miserê / Eu sou vadio / Porque tive inclinação / Eu me lembro, era criança / Tirava samba-canção“ - “Lenço no pescoço”, de Wilson Batista,
 
O estereótipo do típico malandro brasileiro surgiu na primeira metade do século XX. O malandro era carregado de um romantismo, principalmente descrito nas letras de samba. De acordo com este estereótipo, o malandro é carioca e habita os guetos; usa chapéu-palheta ou panamá e calça sapatos de cores branco e preta. Veste camisa preta com listras brancas, detalhes vermelhos ou regata listrada, calças brancas e leva sempre uma navalha no bolso do paletó. É boêmio, vive de pequenos golpes, aprecia rodas de samba e não acredita no trabalho como um modo de vida confiável; no entanto, é sensível e sentimental, além de galante, cavalheiro e um amante invejável.
 
A imagem do malandro se formou junto com o “projeto de nação” que estava em formação, dentre críticas e elogios ao caráter mestiço do povo brasileiro, este construído pela originalidade cultural preenchida pela pluralidade étnica e pelo implemento do espírito, na época moderno, de trabalho. 
 
O malandro convive com duas questões essenciais para explicar o “porquê sou malandro”. Ele lida com a afirmação de sua marginalidade e com a pressão do Estado para obter saudável relação com a ordem. O verdadeiro malandro traz enraizado o passado do povo brasileiro, e ele sabe encarar o seu desprestígio social do trabalho que ocorre em função desta forte marca de um passado escravocrata. 
 
O malandro passou a ser malandro, porque esta foi a forma que encontrou de defesa. A questão é que a palavra já nos remete a algo negativo, sem romance. Hoje, o malandro é uma palavra que exerce certo fascínio, ele é sentimental, tem os seus cuidados, ele é herói. Depois de um tempo, a diferença entre o malandro e o vagabundo, passou a ser clara.
 
Assim, o “ethos” malandro, por definição, habita a fronteira. Se por um lado “quem trabalha é que tem razão” e, por outro, “eu vejo quem trabalha andar no miserê”, fica a pergunta: o que é ser malandro?
 
O brasileiro se identifica com a figura do malandro, porque somos descontraídos, gostamos e sentimos falta da proximidade com quem está ao lado, e o malandro demonstra ser essa pessoa. 
 
Ser malandro é obter um conjunto de artimanhas utilizadas para obter vantagens em determinada situação. Para conquistar o que deseja, o malandro precisa ter lábia, carisma. Ele quer o melhor, mas da maneira mais fácil possível.
 
Junto ao famoso jeitinho brasileiro, a malandragem é considerado outro modo social tipicamente brasileiro. A malandragem bem-sucedida pressupõe que se obtenham vantagens sem que sua ação se faça perceber. Em termos mais populares, o “malandro” “engana” o “otário” (vítima) sem que este perceba ter sido enganado.
Somos tão carismáticos, porque na nossa história - desde a vinda da colonização portuguesa para o Brasil - fomos dependentes da boa e fácil relação. Ainda estamos conquistando a nossa voz, o nosso espaço. 
 
Por este motivo, a malandragem é descrita no imaginário popular brasileiro como uma ferramenta de justiça individual. Tal como o jeitinho brasileiro, a malandragem passou a ser um recurso brasileiro de esperteza, não só usado por indivíduos de pouca influência social como muitos pensam.
 
texto por Lorena Tinoco
Malandragem
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