Jorge Pedra's profile

O Concerto de Colónia

Novel - portuguese written

Esta é uma história dosnossos tempos.
Sérgio é um homem improvavelmentefeliz. Mas é um dia fintado pelavida. A uma “injustiça divina” reage num deixar-se levar, em desviveremocional, numa série de relações inconsequentes e superficiais, de facto nãomais que uma vertigem de estreitamentos não mais que físicos.
Até encontrar umamulher que não vê - mas sente plenamente - em palavras tecladas num computador.Uma viagem por palavras assim, acaba por se tornar para Sérgio uma revelaçãointerior.
Não seráeste o poder do amor?

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 Primeiro Capítulo


"Quando era quase uma da manhã, Sérgio levou aos lábios umcopo com Cutty Sark e gelo, enrolou o whisky na língua e depois atravessou asala até ao sofá; afundou-se aí com um portátil no colo. Antes tinha aberto ajanela para deixar entrar o ar fresco na sala cheia do fumo de tabaco e cheiroa homem sozinho; no céu vira de relance uma estrela cadente que não lheprenunciou nenhum desejo.
Os seus olhos também não se detiveram na lua.
Não era só o luar que lhe passava despercebido: Sérgio nãoreparava muito na sua vida – nem na dos outros. Vivia em distracção, numencolher de ombros e “que se lixe”. A vida apenas ia passando por ele.
Pareceu-lhe ouvir um som em tilintar, como se alguémtentasse meter uma chave do lado de fora da porta. Mas não seria mais que umzumbido dentro da sua cabeça; ninguém partilhava com Sérgio o enormeapartamento.
A sala agora às escuras, servia-lhe essencialmente parabeber, fumar, ligar-se à net, enterrando estupidamente o tempo, e ver filmes emdvd, projetados num ecrã gigante. O plasma deixava-o ligado para olhar atelevisão, muito de vez em quando.
O sofá no meio da sala era em pele, com botões no braçodireito que faziam reclinar as costas e estender as pernas, com o bzzz dummotor eléctrico. Nessa espécie decasulo, o homem recolhia-se para teclar um computador, driblando mulheres em salas de chat, durante meia hora ou váriashoras seguidas, conforme o seu tédio, um maço de cigarros e um copo sempre àmão.
Através da rede, Sérgio deixava palavras pretensamenteternas, em frases ridículas, que alguém que nunca tinha visto leria num outrocomputador, em qualquer lugar, longe ou perto de si.
  - Em ternura, te deixo um beijo nestas palavrasque escrevo...
Depois, as palavras iam crescendo em sensualidade. Comfrases em forma de carícia, despia e possuía quem lhe respondesse.
Seriam provavelmente mulheres que o liam e lhe respondiammas obviamente poderiam não ser: talvez velhos, adolescentes ou tarados. Sérgioestava-se borrifando.
Estar ligado à net, num programa de chat, onde seencontram pessoas perdidas no espaço e na sua solidão, era para Sérgio umvício, uma forma de ser perversamente voyeur, mas também uma forma de se sentirele próprio acompanhado na travessia da noite, sem a obrigação de um sorriso,duma inflexão especial na voz, sem uma efectiva carícia que não lhe apetecia,assim abrigado no conforto da sua sala e no seu anonimato.
Fora da net, outras mulheres, bem palpáveis, havia na vidade Sérgio; a estas nunca deixava palavras de ternura – ou apenas as mínimasnecessárias, tão costumeiras como insinceras. Eram as amigas muito ligeiras, com quem efectivamente tinha sexo sem fazeramor. Muitas mulheres mas não umamulher.
Estas mulheres, engatava-as ele por aí, em festas a que iae onde elas estavam sozinhas, em discotecas da moda, sítios onde dançavamtristes e sós e ele começava a noite acompanhado apenas por um copo. Depoisdeixava-as ou elas desapareciam. Sérgio dava-lhes o seu corpo, não a alma, comoelas faziam também. De resto não sabiam nada dele – para além de que era umtrintão atraente, vestia caríssimo e guiava um BM Z3 verde escuro; Sérgio nunca as levava a sua casa.
Sabiam-lhe era a totalidade do corpo, sentindo-lhe, com ocheiro e com os lábios, o suor perfumado. Eram as boazonas, as mulheres vestidas de forma pornográfica. E dadas.
Umas pegas.
Luís costumava bater no ombro de Sérgio e chamar-lhe“sacana” com um sorriso de amigo de sempre.
Na net, pessoas com nicknames femininos como Serena29, BelaDiscreta, Gira31, melavam-senas palavras adocicadas que Sérgio escrevia, inventando um amor frustre,despido de cheiro ou de toque. Pelo menos, Sérgio sentia um agradável frémitona idealização e na invenção de palavras de encanto e tinha ali uma companhiadescomprometida, alguém que poderia deixar sempre, com um desligar dum botão,sem mais explicações.
Até aos vinte e sete anos escrevera outras coisas, ensaiossobre edifícios e espaços. Agora tinha trinta e quatro anos e sacudia-se davida.
Nessa noite decalor, já às quatro da manhã, uma mulher com o nick EuMesma ansiava por saber mais sobre Sérgio:
- Diz-me quem és... As tuas palavras deixam-mefora de mim...
Aflorou um sorriso nos lábios de Sérgio; inspirou o fumode um cigarro enchendo o peito e escreveu:
- Hmmm... Nunca seremos, um para o outro mais queeste fascinante mistério de não saber...
Depois desligou porque estava farto da gaja. Levantou-se ereparou que a televisão emudecida – a sala enchia-se com o trompete de MilesDavis - continuava a debitar as imagens do atentado desse dia nas Torres Gémeasde Nova Iorque. Sérgio mordeu os lábios, detestou-se mais um pouco quando seapercebeu que a tragédia pouco lhe importava.
Por outro lado, recordou obviamente o fim de tarde, noutrotempo e quando ele próprio era outro, em que tinha estado aí, no terraço doalto do mundo, antes de jantar no restaurante Windows on the World, olhando Nova Iorque; no seu abraço estavaentão a mulher certa.
Estendeu-se no sofá de pele, desligou a televisão,ouviu uma balada triste e belíssima de Nina Simone. Ainda ouviu os “Improvisos”de Schubert que acompanhou com um último whisky e adormeceu amarrotado no sofáquando era já madrugada."
 Jorge Pedra nasceu no Porto, em 1960.
No início da actividadeprofissional foi médico. Atraiçoou aMedicina com a licenciatura em Arquitetura, em 1995, profissão que exerce desdeentão.
Dedica-se também àFotografia e à Pintura- tendo participado em múltiplas exposições coletivas erealizado algumas individuais.
Escreveu alguns contos,entre os quais uma série de textos infantis, ainda não publicados.
“OConcerto de Colónia” é o seu primeiro romance.
O Concerto de Colónia
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O Concerto de Colónia

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