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Missa do Vaqueiro 2009 - Serria/PE

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Missa do Vaqueiro: homenagem à vida do vaqueiro do Sertão Nordestino

Para reverenciar e homenagear a dura vida do vaqueiro Nordestino, todo mês de julho, na cidade de Serrita - no Sertão pernambucano, a 554 km da capital Recife - é realizada a tradicional Missa do Vaqueiro. O evento já é considerado um patrimônio Material e Cultural do Estado de Pernambuco e tem grande significado para o sertanejo da Região e para a economia do local e das cidades do entorno. Este ano, aconteceu a 39° edição com direito a shows, pega de boi, vaquejada, churrascos, artesanatos, debates, palestras, muita fé, resistência e um público de 50 mil pessoas.

N esta edição, a celebração da Missa foi conduzida pelo Padre Porfírio e o canto inicial foi entoando pelo popular cantor nordestino Santana. Ele cantou Jesus Sertanejo, de Luiz Gonzaga, onde destaca a identificação do vaqueiro nordestino com a fé e as dificuldades sofridas nessa terra seca. "De sol vou sofrer ou morrer/ E as pedras resplandem a dureza/ A pobreza deste chão/ João, um menino, um destino/ Ai nordestino de arribação/ Cenário de dor, de calvário/ Ai muda a face desta aprovação/ Do céu há de vir solução..." Todos os hinos são cantados com devoção pelos vaqueiros, que assistem tudo de cima dos seus cavalos, fazem comunhão com queijo e rapadura, pedem a benção das vestes típicas (gibão, perneiras, luvas, espora, chocalho, entre outros) e dividem os momentos de fé e homenagem com as centenas de turistas que anualmente vão até a cidade acompanhar o evento.  Além do aspecto religioso e da prova da fé, a Missa também tem um caráter político contestador, reivindicatório. É um espaço para o exercício consciente da cidadania. "Para os vaqueiros a Missa é o lugar onde eles podem interagir com vaqueiros de outras localidades, têm a chance de lutarem por seus direitos, serem vistos, respeitados e cobrarem dos governantes, mais atenção com a classe", explica o organizador Thiago Câncio.  A luta a qual Thiago se refere é o reconhecimento da atividade de vaqueiro como profissão, visto o desempenho de suas atividades nas fazendas Nordeste a fora.  O secretário de Turismo de Pernambuco, Sílvio Costa Filho, ressalta a importância desse evento cultural que é considerado o 2° maior do Estado. "A Missa do Vaqueiro une fé e tradição no interior de Pernambuco e destaca o Estado no cenário nacional", diz. "Além de aumentar significativamente a movimentação financeira nas cidades sertanejas o evento é um grande palco para que os artistas locais mostrem seu trabalho e, principalmente, para que a nossa cultura seja bem difundida e conhecida pela mídia e pelos turistas", explica Thiago Câncio da Fundação Padre João Câncio.  Hoje, a Fundação, com sede em Salgueiro, município do Sertão de Pernambuco, é responsável pela organização do evento, para isso recebe o apoio da Prefeitura de Serrita, da Associação dos Vaqueiros de Pega na Caatinga do Alto Sertão de Pernambuco (Apega) e do Governo do Estado. Thiago Câncio, filho do ex-padre João Câncio, junto com sua mãe, Helena Câncio, acompanham todos os detalhes da festa e divulgam a figura do vaqueiro nordestino: um lutador da caatinga. Segundo Thiago, a Fundação atuou este ano na luta pelo reconhecimento do Dia Nacional do Vaqueiro - todo terceiro domingo do mês de julho - e também está se articulando para que, em breve, possa ser comemorada a regulamentação pela Câmara Federal da profissão do vaqueiro.  Quanto à importância do evento junto aos vaqueiros, Thiago Câncio acrescenta: "Um, completa o outro, pois o vaqueiro é a principal estrela do evento e a Missa do Vaqueiro só existe hoje por causa desse homem corajoso e destemido". É em meio a esta vegetação endêmica, que existe unicamente no nordeste brasileiro, que esses vaqueiros lutam para sobreviver. A caatinga apresenta características peculiares como os rios temporários, o clima semi-árido, com irregularidade das chuvas, que são quase escassas durante todo o ano, provocando o fenômeno da seca. A vegetação xenófila, adaptada às condições de aridez, com raízes grandes - para armazenar muita água - e espinhos e folha pequenas - para não perder água por evaporação, aparenta estar morta, mas basta receber um pouco de água para ficar tudo verde outra vez. O solo, apesar de seco, também é bastante fértil devido a grande presença de minerais. Porém são as dificuldades do bioma que acabam definindo a bravura e a coragem dessa figura lendária do vaqueiro.  A Pega de Boi � O momento em que os 200 vaqueiros, todos com trajes típicos, (feitos em couro) se reúnem para correr atrás das novilhas no meio da caatinga é o ponto alto do evento, pois a marca a tradição e a intimidade que há anos esses homens mantêm com o Sertão árido. Os vaqueiros saem em disparada para pegar umas das dez vacas filhotes que são espalhadas pela manga - maneira coloquial como costumam chamar a caatinga - em busca do seu prêmio.  Cada animal encontrado vale uma recompensa para quem o capturou. Eles são enumerados, de um a dez, e a vaca apresenta maior dificuldade de ser capturada quanto maior for o número trazido pelo vaqueiro, o que significa também um prêmio mais alto.  O desafio é duro e exige perícia e habilidade dos vaqueiros, nem todos conseguem chegar ao fim com uma vitória em mãos. Este ano, o primeiro a sair da caatinga com um prêmio, a novilha n° 7, foi o vaqueiro João Bila. Ele saiu com marcas de sangue pelo rosto, mas com a felicidade e a satisfação do objetivo atingido. Já os vaqueiros da região vizinha de Exú, distante 64 km de Serrita, saíram da manga correndo como quem traz um prêmio dos bons, mas vieram de mãos vazias. Reclamaram: "Essa manga aí é muito grande". Aparentemente, os vaqueiros da região levavam vantagem por já conhecer bem o terreno e as dificuldades do local.  No passado, eles realizavam a pega de boi, para localizar e capturar na caatinga as novilhas que eram criadas soltas, quanto mais corajoso e habilidoso o vaqueiro, mais reverenciado ele era. Hoje, a Pega é escassa e figura mais como modalidade esportiva, no entanto ela ainda é corrida por vaqueiros tradicionais, que vivem da agricultura familiar, da criação de gado e dependem dessa natureza aparentemente morta.  Dessa corrida, por encontrar e capturar a rês no Sertão surgiu o esporte que se conhece por vaquejada, que é praticado por vaqueiros esportistas, em arenas adequadas. Como contam os vaqueiros tradicionais: é um exercício mais caro, geralmente, realizado com cavalos e gados de raças valorizadas.  Origem de um dos maiores eventos de fé e tradição do Brasil  A  Missa do Vaqueiro foi celebrada pela primeira vez no ano de 1970, em homenagem ao bravo vaqueiro Raimundo Jacó. Ele foi brutalmente assassinado na caatinga do Sítio Lages município de Serrita, em 1954, após sair em busca de uma rês desgarrada perdida entre a vegetação seca. Não se sabe ao certo o autor do crime, pois o julgado foi liberado por falta de provas. Mas reza a lenda de que ele teria sido morto por um companheiro de trabalho, da mesma fazenda para a qual ele prestava serviço, pois havia regatado a tal vaca quando o vaqueiro o encontrou sentado tranqüilo fumando seu cigarro e com o animal amarrado a um tronco. Então, por inveja, o vaqueiro o matou com uma pedrada na cabeça. E como diz a canção Raimundo Jacó, de Jorge Altinho:  Mas um dia o sol nasceu à tarde esmoreceu A lua não saiu a cantiga entristeceu O gado espalhado o vaqueiro não recolheu A noticia correu Raimundo Jacó morreu Sofreu cavalo, perneira, gibão, quichadeira A espora e minha viola ainda choram de fazer dó Se hoje o cachorro late e um velho chocalho bate E morrendo de saudade de Raimundo Jacó  A iniciativa da Missa foi do Padre João Câncio e contou com a colaboração do famoso cantor e primo do vaqueiro Jacó, Luiz Gonzaga, e do poeta, cordelista e repentista do Cariri - município do Sertão do Ceará - Pedro Bandeira.  Jacó era um grande vaqueiro, um dos melhores na profissão, e quando entoava seus aboios � tradicional canto sem letra para conduzir o gado pelo Sertão � era capaz de atrair o rebanho onde quer que ele estivesse. Dizem que o gado conhecia a sua voz. Desde pequeno, demonstrou interesse nessa vida e hoje é reverenciado por sua luta e coragem diária. Foi um excelente montador e amansador de animais bravos e ficou famoso pelas suas façanhas na hora de pegar o boi, fosse a pé, ou montado. "Raimundo levava uma vida de desapego total, mas era um homem de muita fé e capaz de grandes gestos", foi como o descreveu o seu primo, Luiz Gonzaga, Rei do Baião.   Gustavo Penteado e Nathalia Teixeira
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