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antonio conselheiro


Projetar algo é sempre um ato pessoal. Por mais que o designer tente ser neutro, tudo o que ele faz (ou deixa de fazer) é consequência do seu repertório, sua história e suas limitações.
     O que muda, a cada projeto, é a medida: quanto o designer fala de si no trabalho. E essa medida não serve para atestar a qualidade ou a personalidade do trabalho. A dose é o processo.

A editora É Realizações me convidou para projetar uma caixa e as capas de dois volumes inseridos dentro dela. O miolo dos volumes seria responsabilidade do designer interno da casa.
     A obra é sobre Antonio Conselheiro, líder religioso brasileiro, muito carismático, que adquiriu enorme popularidade ao liderar o Arraial de Canudos e foi figura central na história da Guerra de Canudos.
     O primeiro volume é um fac-símile de cartas inéditas, encontradas pelo pesquisador Pedro Lima Vasconcellos. Trata-se de uma coletânea de reflexões sobre temas variados, escrita durante a época em que Antonio Conselheiro era o líder do vilarejo que ele batizou como Belo Monte. E tem um longo título: Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Salvação dos Homens.
     O segundo volume é um estudo do pesquisador a respeito do primeiro livro. Também com um longo título: Arqueologia de um Monumento – Os Apontamentos de Antonio Conselheiro.

A editora fez dois pedidos: 
1. que o trabalho dialogasse com o universo da xilogravura, que é muito característico na época.
2. que fosse explorado um caminho com imagem e outro apenas tipográfico.

Prazo: 8 dias (!!!!).

Como atender essas demandas de maneira contemporânea em 8 dias? É na busca de respostas que está o lado pessoal do designer. O prazo fala muito sobre o processo. Em 8 dias era necessário recorrer a uma imagem pronta.
     Para resolver essa questão, foram feitas pesquisas direto no acervo do artista J. Borges e felizmente encontrei uma xilogravura do Antonio Conselheiro na Guerra de Canudos.  A imagem foi rapidamente aprovada pela editora. Enquanto o acerto dos direitos era acertada com o artista, o projeto foi tomando forma. 
     Devido ao tamanho dos títulos a imagem não teria espaço para aparecer como merecia nos volumes internos, então foi resolvido usá-la prioritariamente para a caixa. Nos volumes, a solução foi tirar proveito do tamanho dos títulos, tornando a tipografia um elemento bastante presente, integrando tudo e trabalhando, também, como imagem. 
     A fonte escolhida para essa tarefa foi a Granz, da type foundry brasileira Pintassilgo Prints, que tem um desenho bastante informal, parecido com letras talhadas em madeira e com recursos OpenType que permitem variações de desenho de uma mesma letra dentro de uma palavra ou uma sentença.
     ​​​​​​​Como os livros ficam protegidos pela caixa, foram escolhidos tons claros, como os usados em capas de cordel. As capas foram impressas no verso do papel cartão, que tem uma textura áspera e não receberam laminação, apenas o verniz de máquina. Em contraste, a caixa recebeu cores vibrantes, mais escuras e recebeu laminação fosca.

Trabalhar com nomes tão emblemáticos como Antonio Conselheiro é sempre um privilégio, mas também um grande desafio. 

Abaixo, as versões apenas com lettering, que não seguiram adiante:



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