EX–VOTO
Francisco Brandão

           O Museu de Arte Murilo Mendes incorpora à mostra MEMORABILIA URBIS a intervenção Ex-Voto do artista Francisco Brandão, recentemente apresentada à rua Halfeld, em Juiz de Fora, que teve abreviado tempo de vida devido à limitação da sensibilidade e à formação cultural das autoridades municipais, que imaginaram na criação uma ato de conspurcação do espaço coletivo, deplorável julgamento acossado de repressão.

           Mesmo diante de poucas horas de exposição, a intervenção atingiu o desejo do criador, obtendo, entre os passantes que cruzaram a Halfeld, aceitação e deslumbre pela coragem e destemor do artista de ver na rua um lugar de manifestação das ideias plásticas, a exemplo das manifestações políticas. Ex-Voto, do latim “voto realizado”, conceitua ser uma lembrança de cunho religioso do fiel ao santo de devoção, um agradecimento por graça obtida ou por expressão de renovação de promessa.

           A gênese desta admirável e original intervenção orienta-se nos resquícios do contexto religioso familiar do criador que, inteligentemente, pelo uso arquétipo das penas, nos induz, alegoricamente, às penitências, à purgação da vida.
Sentenciado da própria ideia, Francisco Brandão, agraciado de profunda reverência, impõe-se devoto a fabricar 20 mil penas seriadas de gesso, objetos que, dispostos singularmente na rua Halfeld, garantiram à sua criação imprevisibilidade, maior originalidade, despertando a curiosidade dos passantes, além da conferir variação à rotina do espaço.
   
          O acatamento da subversão da ordem habitual do espaço causou tanto impacto entre os passantes que os impulsionou à defesa do criador e da sua criação em redes de sociabilidade e os levou a colher as semeadas penas como um suvenir de memória, outrora de Brandão, e, por magnetismo, de todos.
  
         Brandão teceu um manto de penas, testemunho da força miraculosa da vida e de vivência à cidade.

          A princípio, o criador que tinha na romântica chuva, aos pés do sopé do morro do Imperador, o adversário cruel da ideia acabou nos revelando rara oportunidade de diagnosticar sobre o ridículo das instituições que nos rodeiam. Assim, Ex-voto cumpre o papel da arte que, mesmo sendo mentira, nos remete à verdade. A arte é, com eficácia, um espelho do mundo, uma representação do saber e consciência, onde cada homem, como ensina Chesne, se deseja ver a si mesmo, se deseja contemplar a grandeza de sua alma, deve dirigir o olhar sobre esse espelho do mundo.

Pinho Neves, 2016
EX VOTO
Published:

EX VOTO

Published: