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Nova geração de estudantes


Com mais opções de acesso, jovens da classe C estudam mais do que as gerações anteriores

Mais informação, educação e poder de consumo. Nos últimos anos, a classe C brasileira se viu cada vez mais inserida nas diversas áreas sociais, conquistando espaços nos quais era excluída. O levantamento realizado pelo Instituto Data Popular, em 2013, aponta que 54% da população do País, faz parte da classe média, um total de 108 milhões de pessoas.
Quando fala-se em educação, as mudanças percebidas entre diferentes gerações apontam para um salto, especialmente no acesso ao ensino superior: 71% dos jovens integrantes da classe C estudaram mais do que seus pais, enquanto o número cai para 21% nas classes altas.  Porém, se o ingresso é facilitado, a permanência continua sendo um desafio para aqueles que precisam conciliar estudos e trabalho devido à necessidade de contribuir com os gastos familiares, como aponta o presidente do Data Popular, Renato Meirelles:
- A cada R$ 100 que o pai da classe C colabora em casa, o jovem coloca R$ 96. Já na classe A, essa proporção fica de R$ 100 (pai) para R$ 57 (do jovem) - exemplifica.
Além de programas como bolsas, financiamentos e cotas, outras possibilidades surgiram para auxiliar pessoas de diversas idades a irem além do ensino básico, dentre as quais, os cursos pré-vestibulares populares. Em Porto Alegre, o pioneiro dessa nova opção de estudo foi o Zumbi dos Palmares, idealizado por integrantes do Movimento Negro do Rio de Janeiro que vieram ao Estado. Após anos instalado na capital, ele foi transferido para Viamão.
Bernardo de Carli, professor de História e coordenador do Resgate Popular, um dos mais de dez pré-vestibulares populares da capital, conta que o número de aprovações teve amplo crescimento devido à democratização do ensino, com a criação de programas como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), Programa Universidade Para Todos (Prouni) e o sistema de cotas.
- Antes se a gente aprovasse um aluno era uma vitória, hoje é um fracasso. Hoje aprovamos mais de 50% dos alunos, principalmente nas federais – relata.
Porém, a necessidade de possuir renda própria continua dificultando a permanência de estudantes das classes média e baixa na universidade. De Carli aponta, dentre outros motivos, para o fato de que alguns cursos ainda não são realizados à noite, impossibilitando aqueles que têm emprego durante o dia.
- A democratização do acesso é real, apesar de a universidade ainda ser muito branca e elitista, mas já é muito mais relevante do que há alguns anos, aponta.

A predominância de brancos nas universidades, mencionada pelo professor, é detectada nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Do total de alunos entre 18 e 24 anos que estão na graduação, mestrado e doutorado no Brasil, 66,6% são brancos e 37,4% pretos ou pardos. Na primeira década dos anos 2000, o número de matrículas em cursos superiores de instituições particulares e públicas mais do que dobrou, de 2.694.245 no primeiro ano para 5.449.120 em 2010. Porém, de acordo com o estudo “Evolução do acesso de jovens ä educação superior no Brasil”, publicado em 2014 pelo Instituto de Pesquisa econômica Aplicada (IPEA) aponta que o índice de frequência possui diferença relacionada ä renda, o que pode ser explicado pela necessidade da grande maioria em manter o foco no trabalho, deixando os estudos em segundo plano, para garantir o sustento da família ou o auxílio ä mesma.

No Brasil, 85% dos jovens entre 18 e 24 anos possuem renda per capita de até dois salários mínimos e tais diferenças são ainda mais relevantes em algumas áreas do país, já conhecidas pelos baixos índices de renda. Norte e Nordeste possuem os menores índices de frequência entre as menores rendas consideradas (1/2 salário mínimo per capita), ao mesmo tempo em que o Norte ocupa também o último lugar do ranking entre os jovens com renda mais elevada (5 salários mínimos per capita). De acordo com a pesquisa, os números da região Norte podem ser atribuídos ä escassez de oportunidades nas regiões interioranas, as quais concentram quase 70% da população desta faixa etária.
Frequência acadêmica e renda familiar estão diretamente ligados um ao outro, como observa a pedagoga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Juliana Freitas, segundo a qual, dos 60 alunos que ingressam no curso de pedagogia, apenas 40 concluem o curso a cada semestre.
- Muitos precisam trabalhar e vão diminuindo as cadeiras em função disso. O público dessa faculdade (pedagogia) não tem tempo de tarde pra estudar porque precisam trabalhar. Só tem (o curso) de manhã e muitos precisam largar por um tempo porque encontram emprego em período integral – relata.
A pedagoga ainda aponta para outras características que dificultam a permanência dos alunos, como o caso de mães solteiras e dicentes vindos de outros estados. Por outro lado, há um motivo comum pela busca do curso, como o público que fez magistério e vai em busca de maior qualificação para elevar a renda e ainda mulheres casadas que procuram contribuir com os gastos familiares.
De Carli corrobora com as percepções quanto à dificuldade encontrada pelos alunos ao integrarem o ensino superior. Além da necessidade em continuar trabalhando, os horários de alguns cursos, principalmente em universidades federais, faz com que alguns precisem abandonar á área escolhida e optar por aulas em horários conciliáveis com a rotina profissional. Custos com livros, cópias e alimentação são outras variáveis que permanecem como percalços para alguns alunos, especialmente aos que recebem bolsas, as quais para o professor, não insuficientes para que os beneficiários possam abandonar fontes de renda extra.
- A gente está democratizando o acesso, mas a democratização vai muito além do acesso, é na permanência do aluno. O aluno está entrando na universidade e já encontra problema porque, por exemplo, alguns cursos não têm noturno e pros alunos trabalhadores é quase impossível conciliar – critica.
Ao analisar a situação de alunos relacionando renda domiciliar e cor/etnia, a desigualdade é ainda maior. A proporção de brancos com renda per capita de até um salário mínimo é de 48%, frente a 72% 73% entre pretos e pardos, respectivamente. A diferença é detectada também na taxa de frequência na educação: quanto menor a renda, maior a diferença entre brancos e negros, com média de cerca de 20% em todo o espectro de renda entre meio e cinco salários mínimos per capita.

Continuar estudando após o ensino médio trouxe mudanças à vida do potiguar Jackielyson André. Aos 20 anos, o morador da cidade de Mossoró venceu a World Skills, maior competição de educação profissional do mundo, na categoria soldagem. Realizada pela primeira vez na América Latina em 65 anos, a edição sediada em São Paulo reuniu mais de 1000 participantes de cerca de 60 países e terminou com a equipe brasileira no topo do ranking, com 27 medalhas (11 de ouro, 10 de prata e seis de bronze). A vitória trouxe novas expectativas ao jovem estudante do SENAI, que após concluir o ensino técnico, pretende ingressar na faculdade.
As mudanças na educação, seja no ensino superior ou técnico, apresentaram melhorias no acesso e aumento no número de vagas, mas ainda esbarram em dificuldades na permanência e na diferença entre classes e raças.
- Nosso principal objetivo é transformação social. A educação tradicional, com esse ensino superior elitizado, pensa no mercado de trabalho pra manter o status quo e, na minha opinião, manter o status quo é manter uma sociedade completamente desigual, preconceituosa. O pré-vestibular popular, do ponto de vista social, tem como objetivo deixar de existir. A gente quer que o vestibular deixe de existir e o acesso seja universal e quem queira fazer universidade possa fazer – conclui De Carli.
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Reportagem produzida para a disciplina de Projeto Online - 2015

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