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Hereditariedade dos Quilombolas

RESISTIR PARA EXISTIR
A Comunidade Rural Paiol de Telha luta pelas terras, memórias e tradições, mantendo a ligação com as gerações antigas para as futuras 
 
Comunidade e povos são duas palavras que possuem o significado de coletividade, pelo fato de grupos de pessoas conviverem no mesmo espaço geográfico, desfrutarem de uma similaridade na vivência sociocultural, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas que são mantidas durante o passar das gerações. O Brasil possui uma vasta diversificação de sociedades, sendo a dos quilombolas uma das mais conhecidas.  
 
O termo quilombo significa “local de descanso e acampamento”. A palavra, de origem Bantu, foi criada pela população negra escravizada no Brasil, que resistia ao sistema escravista desde o início da colonização. Esses lugares se transformaram em centros de resistência, onde os quilombolas, sendo a maioria negros, mas também composto de pessoas brancas e indígenas, tinham a possibilidade de resgatar as tradições dos seus antecessores.  
 
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileito de Geografia e Estatística), a população quilombola é de 1,32 milhão de pessoas, ou 0,65% do total de habitantes do país. Apenas 4,3% desses povos residem em territórios já titulados no processo de organização agrária. No Estado do Paraná, segundo pesquisas realizadas pelos integrantes do GT Clóvis Moura (Grupo de Trabalho Clóvis Moura), foram mapeados cerca de cem comunidades quilombolas, sendo que 38 delas são certificadas pela Fundação Cultural Palmares e estão em andamento para a regularização do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). 
 
Segundo a cartilha feita pelo Deputado Estadual Goura Nataraj do PDT (Partido Democrático Trabalhista), a Invernada Paiol de Telha foi a primeira comunidade quilombola da região paranaense a receber a certificação da Fundação Cultural Palmares, reconhecendo as famílias como descendentes diretas de trabalhadores escravizados e de grupo remanescente de quilombos. No ano de 2021, após cinquenta anos de lutas e mais de um século de resistência, tornou-se o primeiro e, ainda, único quilombo titulado do Paraná. 
 
Os quilombolas da região paranaense, que eram ex-escravos, residiram por um tempo na fazenda Capão Grande, que foi lhes deixada em testamento, pela antiga moradora do local, Dona Balbina Francisca de Siqueira Cortes. No início, a comunidade era agrupada em um único território, no entanto, ocorreram percalços ao longo do tempo. A comunidade perdeu a posse das terras por conta das invasões inapropriadas de grileiros e colonos e em virtude da proibição, pelo Governo do Estado do Paraná, de permanência dos quilombolas no local, já que planejava destinar o espaço para acomodar a imigração suábia na região de Guarapuava.
 
Consequentemente, houve uma separação do grupo e muitos passaram a viver em condições rurais consideradas precárias. Assim, o Paiol de Telha foi dividido em quatro núcleos que permanecem até hoje. A área conhecida como Fundão está localizada na cidade de Reserva do Iguaçu, no Centro-Sul do Paraná, e é considerada a terra de origem. O segundo núcleo fica no município de Pinhão. O outro está situado na estrada que liga a Reserva do Iguaçu a Pinhão, denominada como Barranco. Por último, o assentamento, estabelecido no ano de 1998, fica em Entre Rios, a trinta quilômetros de Guarapuava. Contemplando os quatros núcleos, ao todo são seiscentas famílias que fazem parte da Comunidade Paiol de Telha. Especificamente no assentamento de Entre Rios moram oitenta famílias. 
 
Vanessa de Lima Marques, conhecida também como Vanessa Nayan, 36, faz parte da Coordenação da Comunidade do Núcleo do Assentamento, e Djankaw Kilombola, 29, atua no Coletivo Cultural e Artístico Paiol das Artes. As quilombolas se consideram irmãs. Djankaw explicou do porque houve o crescimento da população no quilombo. “O número não só aumentou por conta das famílias crescerem, mas também pela questão da autodeclaração e autoconhecimento quanto ser um quilombola. E também temos em vista que vai aumentar, não só pela questão do crescimento da comunidade, como também, pela questão de conseguir titular a totalidade dos quatro núcleos”, detalhou Djankaw.  
 
O Quilombo Paiol de Telha tem o objetivo de ser a manutenção e a construção das vidas quilombolas em relação com a terra e a natureza. “A gente tem que resistir para existir. Então quando falamos dessa resistência, não só a questão do território, mas a gente lutar pelas políticas públicas, para sermos emancipados aqui no nosso espaço. Brigamos constantemente para termos as coisas mais básicas dentro da Comunidade. Para podermos construir a partir das nossas crianças, o que é ser quilombola e construir junto com eles, essa ancestralidade, manter os costumes para não ser esquecido no decorrer das gerações. Isso é o que faz a gente existir”, incluiu Vanessa 
 
A preservação da conexão entre o povo e a terra foi o que manteve o quilombo vivo até os dias de hoje. “Aqui no Paiol, nós temos várias formas de produção, inclusive a monocultura. Temos a agrofloresta, a bioconstrução, agricultura orgânica quilombola. Estamos tentando continuar praticando esses saberes para a preservação do território, que engloba os rios, as fontes, florestas e reservas, um fator que está relacionado com a ancestralidade africana”, citou Kilombola. 
 
Não é apenas a agricultura orgânica que gera renda para os moradores do quilombo. Existe também a produção artesanal, que são as bonecas negras, mais conhecidas como Abayomi. A palavra tem origem iorubá e significa, aquele que traz felicidade ou alegria. Este produto possui muito significado para os quilombolas, já que eram fabricados por retalhos de roupas das mulheres africanas, enquanto eram transportadas pelos navios negreiros, sendo uma atividade que fazia as crianças e moças suportarem o sofrimento da escravidão. Como também realizarem a panificação e geléias, artefatos e produtos que são vendidos e comercializados na Colônia e em Guarapuava. “Foi uma forma de levar a produção daqui para dentro da cidade, fazer essa troca, que acabou tornando-se uma das gerações de renda que tem aqui, além da venda de hortaliças para merenda escolar”, informou Nayan. Outra renda financeira para o quilombo, é o roteiro turístico organizado pelo Coletivo Cultural e Artístico Paiol das Artes, chamado Um Dia no Quilombo, criado desde 2015. O passeio estimula a vivência, sensibilização, troca de saberes e fazeres, além dos aprendizados filosóficos, culturais, espirituais e agroecológicos. 
 
Quem visita a comunidade pode aproveitar para se hospedar na casa dos moradores do quilombo ou optar por acampar. O itinerário também inclui café da manhã, almoço e jantar. 
 
Não é apenas a terra que faz parte do processo do pertencer e permanecer cultivando e mantendo ligações com os ancestrais. Djankaw e Nayan contaram que muitas tradições foram perdidas pelas gerações passadas, que não conservaram o costume de perpetuar a oralidade, deixando de recontar as histórias, como mitos, rezas e cantigas. Elas, portanto, buscam resgatar essas práticas e fazem com que os seus sucessores do quilombo, conheçam sua cultura e a repassem para as futuras gerações. “A gente tem resgatado pelo Coletivo Cultural Artístico Paiol das Artes, que deu início lá em 2005. Começamos a pesquisar dentro da própria comunidade e fora também, em outros quilombos e terreiros, livros, literatura negra africana, para entendermos quais são esses valores tradicionais. Então é a música, a dança, a literatura negra, contação de histórias, lendas, a religiosidade também”, comentou as irmãs. 
 
A importância de manter viva as memórias das tradições de seus ancestrais, faz com que exista uma ligação de suas raízes e histórias das gerações antigas para as futuras. Reconhecer ser quilombola traz ao Município de Guarapuava uma pluralidade de etnias e conexões entre as duas populações. Atualmente, as vendas de artesanato e geleias são uma das formas de se ter uma ligação com as pessoas do quilombo e os guarapuavanos. Da mesma maneira, abre-se outras portas para entender e conhecer culturalmente mais sobre esse povo, preservando a descendência negra e africana em quaisquer aspectos, seja na literatura, música, dança, celebração religiosa e oralidade. “Somos um grupo que para além da resistência contra o racismo, temos produzido formas de saber. Os nossos sentidos são comunitários, não individualistas, excludentes. Se colocar como quilombola, enquanto uma sujeita quilombola e quilombo, é trazer outras narrativas e outros projetos para essa sociedade como um todo”, concluiu Vanessa. 
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