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Críticas de Cinema

Guerra Civil: O jornalista como voyeur do cotidiano
Há cerca de 8 anos eu ingressava na faculdade de jornalismo, não era minha principal  escolha de curso, nem tinha uma grande paixão pelo tema. Com o passar dos meses, fui fazendo as matérias, consegui um estágio no impresso de cultura aqui do estado, o finado Caderno 2 de a Gazeta, que foi algo que me motivou a seguir na formação por mais tempo, pois conseguia escrever sobre cultura em geral. Entretanto a obra que me fez olhar para o jornalismo com outros olhos foi o livro-reportagem “Holocausto Brasileiro” de Daniela Arbex. 

Lançado em 2013, a obra  denuncia os maus-tratos ocorridos no maior hospício do Brasil, o Hospital Colônia de Barbacena tendo como base depoimentos de sobreviventes, ex-funcionários e pessoas diretamente envolvidas na rotina do local. Esse livro me fez ver o impacto do jornalismo ao contar histórias reais, em expor fatos, e mostrar realidades às vezes mais próximas de nós do que imaginamos.Com muita felicidade, e angústia (por também tratar de temas pesados), que o novo filme de Alex Garland, “Guerra Civil” me remeteu ao mesmo sentimento que eu tive quando li o livro de Arbex lá em 2018.

Situado em um futuro próximo em que os Estados Unidos vivenciam uma guerra civil, o filme acompanha uma equipe de jornalistas de guerra, que viajam até a capital estadunidense para entrevistar o presidente sobre a atual situação em o país se encontra. 

O filme segue quatro jornalistas em diferentes fases da carreira, Lee (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura) são profissionais de meia idade que estão em seu auge já possuindo até certo renome. Eles são acompanhados pela iniciante Jessie (Cailee Spaeny) e pelo veterano no fim de carreira Sammy (Stephen McKinley Henderson). Ao apresentar esses três estágios de carreira o filme através de seu texto falado e visual espelha os personagens e os constrói como versões da mesma pessoa em diferentes estados de sua profissão, dando uma visão cíclica para a vida e na maneira que os mesmos encaram a realidade.

Isso tudo é realçado pelas excelentes atuações que dizem mais pelo olhar do que pelo texto falado, são interpretações que representam o ofício daqueles que possuem o trabalho de observar, de serem voyeurs do cotidiano. 

Voyeurismo do cotidiano

Voyeur é um termo em francês que significa "aquele que vê", descrevendo assim uma pessoa que gosta de observar os outros sem participar da ação presente. Tendo isso como base, Garland trabalha o cenário e história frequentemente observando seus personagens com uma câmera traseira em constante movimento, transformando assim o espectador em uma testemunha das ações de seus protagonistas. Assim, a câmera nunca toma uma uma posição ativa na ação, trazendo um paralelo com a forma que os jornalistas do filme acompanham os acontecimentos. Os protagonistas, durante a duração da obra, sempre documentam, sem nunca se tornarem agentes ativos do contexto apresentado. Desta forma, ao mimetizar o papel destes profissionais na maneira que conta a história, o diretor nos coloca em uma posição de observador dos observadores, ou, utilizando o termo proposto, voyeur dos voyeurs.

Como é descrito no livro “O Sujeito na Tela” de Arlindo Machado, “o ponto de vista está inscrito na tela através do afunilamento dos planos em direção ao ponto de fuga", dessa maneira a direção nos faz, através do texto visual, ver através dos olhos dos personagens, seus anseios e  o que motiva seu ponto de vista, dessa forma se cria um olhar através do olhar.

Partindo de um cenário ao qual os jornalistas são personificados como observadores do cotidiano, ao apresentar protagonistas como jornalistas de guerra o autor trabalha a motivação do olhar, dos personagens e por consequência do espectador, como uma força movida pela importância da documentação de um fato ou no termo jornalístico (o valor notícia). Isso é exposto visualmente ao colocar seus protagonistas próximos à violência, mas sem nunca tomar parte dela, como testemunhas deste cotidiano. Entretanto é abordado como estar em constante contato com esses cenários gera consequências psicológicas, expondo assim que é mais importante retratar e documentar o contexto da violência do que nossa própria repulsa a mesma.

A obra também parte de uma argumentação que o contexto, o cenário, a notícia é maior que o indivíduo, expondo que o máximo de atenção que sofrimento individual desses que vivem e morrem por uma matéria, reportagem ou uma foto irá receber será um grito silenciado, pois é um choro que nunca será ouvido. Entretanto o filme deixa claro que a verdadeira voz dos jornalistas está em seus documentos, em suas observações da realidade, suas obras e que estes são os verdadeiros gritos que irão ecoar pela sociedade que anseia por observar uma realidade não tão distante da sua.
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