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O QUE A VENTANA TEM A VER COM O MOVIMENTO PUNK?

O QUE A VENTANA TEM A VER COM O MOVIMENTO PUNK?
Texto originalmente publicado no Blog da marca Ventana
Ruptura estética e questionamento sobre a forma de consumir princípios do punk que fazem parte do DNA da Ventana 
O movimento Punk foi muito além da música tendo referências culturais na área da moda e artes de forma geral. Ainda hoje é possível ver alguns elementos da estética Punk nas roupas, mas para além dos simbolismos que marcam um visual Punk, o movimento trouxe também uma linguagem de ruptura e questionamento em relação ao que a maioria vestia, ouvia e produzia naquela época. Assim como a Ventana, marca Pelotense de upcycling, que desde 2012 também se propõe a romper estética e logisticamente com a forma de fazer moda hegemônica. 

A seguir falaremos sobre:

* Movimento Punk e suas origens
* Moda Punk
* A Ventana com o Punk contemporâneo


Movimento Punk e suas origens

Surgindo primeiro como uma forma de protesto político devido à falta de empregos em Londres na década de 1970, o Punk se tornou em seguida um visual de protesto em relação a essas condições. Primeiro um visual de cunho político seguido de uma atitude agressiva e de uma nova forma de fazer moda e música que segue como uma referência ainda hoje.

Os punks se rebelavam especialmente em relação à indústria da moda, que estava crescendo naquela época, e em relação à qual estavam à margem, excluídos. Seu visual era algo que pode ser dito como um anti-moda com peças destruídas e sujas que simbolizavam o espaço do qual esses jovens haviam vindo: periferias onde havia miséria, crime, drogas, abusos, violência policial e familiar e conflitos étnicos. É nesse contexto que vem toda a agressividade e luta dos punks. Eles protestavam/ questionavam o capitalismo, a sociedade de consumo, os hippies e sua filosofia paz e amor, a estratificação da sociedade inglesa e a monarquia. 

Moda Punk

Quando a estética Punk se uniu a manifestações culturais como a música, esta que era vinda das ruas adentrou o mundo da moda. Tal momento se deu com a parceria da designer Vivienne Westwood e da banda Sex Pistols, a designer fez os figurinos da banda em sua turnê que foi responsável por propagar a estética e a ideologia Punk. Westwood trouxe para o figurino elementos que representavam a agressividade das suas como formas pontiagudas, acessórios metalizados, cabelos espetados para cima, muito couro e jeans rasgados, tais elementos se tornaram após esse momento um “uniforme do rock”. 

A música dos Sex Pistols, seu visual e o contexto em que os membros da banda estavam inseridos produziu conteúdo que afrontava a sociedade. De acordo com Worley (2018), o Punk forneceu uma configuração cultural de inovação criativa e abriu espaço para expressão e liberdade social, além de oferecer bases para estilos de vida alternativos.  Muito disso aparece na máxima do Punk de que não existem regras e em ações como a customização e personalização de peças de roupa. Miskolci (2008), complementa dizendo que o movimento é um exemplo de subcultura urbana jovem que compartilhava estilos de vida particulares, modos de vestir e de lidar com o corpo e que se portavam de uma forma independente e transgressora em relação ao vigente e pregado pela sociedade de consumo.

A partir dos anos 80 o Punk se disseminou, influenciou a alta costura e se estabeleceu como um subgênero do rock, o Punk Rock, altamente marcado por bandas como Ramones.  Nesse contexto, a ideia do faça você mesmo, um dos lemas do Punk, se mostrou na forma de produzir música independentemente.  Artistas e bandas produziam de forma autônoma desde suas próprias roupas até seus discos, se posicionando contra o sistema e utilizando a música estética do Punk como uma forma de manifestação contra o capitalismo e o consumismo. 

Tal atuação independente deu origem ao cinema independente e ao estilo musical indie e underground popularizados na década seguinte e ainda hoje um segmento muito presente na indústria. Frequentemente, a agressividade e a ruptura com o sistema proposta pelos punks reaparece em produções culturais e na moda, como em desfiles de alta costura de grifes como Alexander McQueen nos anos noventa. 

Desde seu surgimento enquanto movimento contracultural e estética marcante como transgressora o Punk enquanto música e forma de expressão é usado como referência/ inspiração para criadores que busca progresso ou inovação e que por isso provocam um estranhamento, rejeição, se tornando tendências que massificam grupos ou que os separam. Para Walter Benjamin, a moda pode ser compreendida como uma experiência limiar por inscrever as coisas, os homens, e a cultura, numa ordem de transição e de mudança” (ADVERSE, 2012, p.15). Sendo de acordo com Benjamin uma manifestação cultural que por si só já propõe a mudança e a inovação.

A expressão do Punk na moda propõe o uso de  peças de roupas de segunda mão, paletós, calças, camisas, gravatas, roupas de cama e demais peças encontradas com um retoque pessoal, retirando de um lugar e colocando em outro, acrescentando manchas, mensagens e símbolos, colocando alfinetes e correntes e até mesmo rasgando as peças mostrando um efeito de que foram resgatadas de uma ‘guerra’. 

Esse manuseio das roupas surgiu com o Punk, foi seguido por processos de customização e personalização que não ficam restritos somente à estética do Punk e aparece de uma forma atualizada no processo de upcycling. Seguindo a ideia Punk de rejeição a sociedade de consumo e ao capitalismo temos o upcycling como uma ferramenta de produção de moda. 

Upcycling significa reciclagem e faz parte de um processo de extensão da vida útil das roupas por meio de algumas modificações ou mesmo de seu uso como matéria prima para a criação de outras roupas. Essa tem sido uma tendência muito ligada às questões ambientais e ao processo de descarte das roupas, mas que se encaixa como um modo de fazer seguindo a ideologia e estética Punk.

Ventana faz uma releitura da estética Punk 

A própria designer Punk, como é conhecida Vivienne Westwood, é uma das porta-vozes de movimentos na moda em prol do não consumo em excesso e da preservação das peças já compradas. Temos como uma versão atualizada e local a marca catarinense Ventana que produz suas peças usando o processo de upcycling e cuja diretora criativa usa como referência o Rock e o Punk na concepção das roupas. Abaixo temos algumas peças em que há interseção entre moda, música, upcycling e Punk se mostra mais explicitamente: 
As peças em questão foram feitas a partir de um item clássico do guarda roupa de rock, as camisetas de banda. E seguindo com a lógica da intervenção/ manipulação que os punks faziam nas roupas elas são cortadas, remodeladas, são adicionados novos tecidos, viram outras peças como blazer e vestido. São acrescentados aviamentos como correntes, tecidos brilhantes e assimétricos e a camiseta passa a ter outra proposta visual.

Essas roupas foram feitas pela Ventana, marca autoral de upcycling nascida em 2012. Todas as peças são produzidas a partir de materiais que seriam descartados e peças de segunda mão. O foco é estender o ciclo de vida de materiais e de peças que iriam para descarte. O lema do trabalho desenvolvido pela diretora criativa Gabrielle Pilotto é: “Não existe destino final, faça ser cíclico.”

Em meio a uma sociedade de consumo, em que não só as criações de moda, mas tudo que se refere a produção de arte é feito de forma a ser rapidamente consumido e descartado, uma marca com tal lema se porta de maneira visionária e até inspiradora para outras pequenas marcas autorais.  

Essa produção se dá de maneira tão pouco convencional que a criadora diz que não existe padrão de modelagem, ou uma tabela. Tudo isso é definido no processo de produção  e a peça é testada no corpo para ver se ela se encaixa na ergonomia e no conceito de conforto da designer. Pilotto entende que faz um trabalho de contar e recontar histórias, montar e remontar peças, estender seu ciclo. Todo o processo é feito de forma manual em um ateliê em Santa Catarina. 

Não só em seu processo de produção e uso de matérias primas, a Ventana se destaca de outras marcas, inclusive de marcas que têm como referência o rock e o Punk em suas criações. Podemos pensar que a silhueta e a estética dessas peças sofreram uma atualização em relação a aquela imagem já presente no imaginário social associada ao Punk. Há uma suavização das formas, em especial nas escolhidas, a sensualidade e a pele a mostra não são deixadas de lado em algumas peças, e os tecidos e as camadas ganham um protagonismo. Pode-se pensar na roupa recontando sua história, por isso ela aparece como protagonista e não o corpo que a veste. 

Punk contemporâneo 

A moda é uma forma de contar a história daquele tempo, sendo não só o tempo presente mas um reflexo do passado e uma aspiração para o futuro. Dessa maneira, é interessante pensar na moda para além do vestuário e nos símbolos que ela suscita, nas reflexões que possibilita, nos uniformes que traz e que representam grupos em emergência no presente momento social. Como é o caso do jeans rasgado e couro sendo um uniforme Punk nos anos 70 e atualmente sendo interpretados como um visual ‘clássico’ do uniforme rock n’ roll. 

Criadores como Vivienne Westwood, desde os anos 70, e Gabrielle Pilotto da Ventana atualmente incorporam a rebeldia, transgressão e estética Punk em suas criações. A ideologia Punk também é disseminada em suas peças e no DNA de suas marcas que levam às passarelas questionamentos políticos e em relação a sociedade de consumo, fast fashion e o capitalismo em si. 

Não é preciso usar couro, roupas rasgadas e cabelos espetados para se identificar com a ideologia Punk e trazer alguns de seus questionamentos para a produção e consumo de moda nos dias atuais. Sendo essa uma das principais industrias do mundo, uma das que mais emprega pessoas, gera resíduos, polui o ambiente, tem trabalhadores em situação análoga a escravidão e dita tendências de vestuário e comportamento que são seguidas em maior e menor escala ao redor do mundo cabe aos consumidores e criadores adotar o questionamento, a ireverência e a inventividade Punk para pensar em novas formas da moda existir e ser feita no cenário da pós-modernidade.

Referências eletrônicas:

https://useventana.com/  https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/ventana-a-potencia-do-upcycling-sem-medo/  http://www.textilia.net/materias/ler/moda/moda-hit-da-estacao/marca_brasileira_de_upcycling_apresenta_colecao_em_sao_paulo https://www.instagram.com/ventana____/ 

Referências: 

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