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Sticker Art [fotoetnografia] [exposição]

Fotoetnografia: Sticker Art - combos e rolês
Os stickers podem passar despercebidos por muitas pessoas. Mas é só observar São Paulo de perto, olhar para as lixeiras, as costas das placas de sinalização de transito, os postes de ponto de ônibus nas grandes vias e, especialmente, na região central da cidade, que vemos adesivos de diversas cores e tamanhos, com os mais variados desenhos. Os coladores de sticker, assim como pichadores, grafiteiros, os praticantes de parkour, são jovens que percebem e utilizam a cidade de uma maneira nova, se apropriando do espaço público para a realização de suas atividades sociais.
Essa pesquisa foi realizada no Combo, o encontro mensal dos coladores de sticker – os stickeiros. Primeiramente serão apresentadas algumas definições sobre stickers e sobre o Combo. Nos outros dois capítulos, são trabalhados os dois problemas iniciais de pesquisa. Respectivamente, são comparadas as relações dos stickeiros quanto grupo a outros grupos de artistas de rua e, em seguida, analisada a identidade de stickeiro para relacionar a cultura Sticker com as demais culturas urbanas juvenis.
A pesquisa foi realizada utilizando técnicas qualitativas. Através de observação participante nos três Combos (07/09, 05/10 e 02/11/08) que ocorreram no período da pesquisa e em um rolê que ocorreu após o evento de outubro, os dados obtidos por observação participante foram anotados no caderno de campo, juntamente com as conversas informais com os stickeiros. Após cada encontro, foi escrito um relatório mais detalhado sobre a visita a campo.
 
Algumas definições
Os stickers são adesivos contendo palavras ou, na maioria das vazes, figuras criadas por indivíduos ou pequenos grupos, que são geralmente colados em postes, lixeiras, placas de sinalização de transito entre outros instrumentos urbanos feitos de metal ou plástico. As pessoas que fazem e colam stickers não costumam usar nenhuma palavra para se identificar como praticantes destas atividades, mas reconhecem o termo stickeiro como tendo este significado.
Segundo Thiago Hara Dias “apesar de haverem registros anteriores do uso de adesivos como meio de expressão política ou idearia”, “o Sticker como movimento começou a ter mais adeptos, projeção e força em meados da década de 1990 com a ‘campanha OBEY’ promovida pelo então estudante de Design Shepard Fairley”. Fairley começou a fazer stickers porque “queria colocar algo no mundo anonimamente, mas que pudesse chamar de ‘seu’”. O mesmo ocorreu no Brasil nos primeiros anos da década seguinte, onde “os vanguardistas do sticker se utilizavam das técnicas aprendidas em sua formação universitária para intervir no meio urbano”. Um exemplo, segundo entrevista realizada pelo grupo NB7, é o Projeto Chã, que começou em 2003, durante as pesquisas para a realização de um trabalho de conclusão de curso de um grupo de estudantes do curso de graduação em Design.
O Vão Livre do MASP, na Avenida Paulista, por ser um amplo espaço de acesso público em uma das avenidas mais movimentadas e acessíveis da cidade de São Paulo, segundo próprio site do MASP, é “é palco das maiores manifestações cívicas da cidade”. Por essas características, também é o lugar ideal para grupos que fazem contato pela internet, se reunirem. Esse é o caso do Combo, onde, a cerca de dois anos, todo primeiro domingo de cada mês, a partir das 14 horas, dezenas de stickeiros se reúnem. O encontro tem esse nome, pois o termo combo é usado para designar concentrações de vários stickers colados no mesmo lugar, funcionando como uma espécie de mural de stickers. O Combo divide espaço com a feira de antiguidades que ocorre aos domingos no Vão Livre e com outros eventos esporádicos, como, por exemplo, a Zombie Walk, uma caminhada de pessoas fantasiadas de zumbis, que é realizada no dia de Finados, que coincidiu com a data do último Combo que observei para esta pesquisa.
 
Sticker e pichação
 
Uma dos problemas iniciais da pesquisa era sobre as semelhanças entre os grupos dos pichadores e do grupo dos stickeiros. Durante a pesquisa, pareceu interessante ampliar essa proposta para pensar sobre a relação do Sticker com as demais artes de rua, assim, incluindo também na analise, a relação com o Grafite.
As artes de rua (Pichação, Grafite e Sticker) são intervenções urbanas, realizadas através de apropriação e resignificação do espaço por meio de expressões visuais, alterando a paisagem urbana. Essas atividades são, a princípio, ilegais, portanto transgressoras. E são realizadas predominantemente por jovens.
Como referência dos pichadores utilizada é a etnografia “Pichando a cidade: apropriações ‘impróprias’ do espaço urbano”, de Alexandre Barbosa Pereira. Comparando o encontro de pichadores – o point – descritos por Alexandre com o Combo, verificam-se que, em ambos, cada pessoa que chega ao encontro cumprimenta todos os presentes e realiza uma troca com cada um deles. No caso dos pichadores, são feitas trocas de folhinas com a assinatura própria de cada pichador – a tag – e, no Combo, trocam-se stickers. Os pichadores trocam as folhinas para guardarem em suas pastas, os stickeiros fazem as trocas para guardarem os stickers alheios em seus books, que podem ser pastas, cadernos, livros didáticos, ou seja, qualquer superfície onde for possível colar os adesivos. A maior diferença, neste caso, é que os stickers trocados, além do que serem guardados no book, normalmente são usado para fazer prezas – colar stickers de outras pessoas pelas ruas.
Para os pichadores, a atividade principal para sociabilização, além do encontro, é o rolê – caminhada pelas ruas para a realização das intervenções urbanas. No caso dos stickeiros é mais comum combinarem prezas do que rolês como símbolo de amizade, manutenção da rede social do grupo e fortalecimento da arte de rua. Como o ato de colar o sticker não necessita da presença do seu criador, o Sticker possibilita formas de integração impossíveis na Pichação e no Grafite. Além da troca pessoal de stickers, também são comuns os packs – envio de stickers pelo correio. Assim, tornam-se possíveis, inclusive trocas internacionais de stickers. Cheguei a observar um book de um stickeiro que faz packs internacionais com stickers norte americanos, europeus e asiáticos. Recentemente surgiu um sistema de trocas por correio chamado Stickerstock, onde o stickeiro envia seus stickers para um determinado endereço e depois recebe o mesmo número de stickers de outros stickeiros.
Alexandre mostra, em sua etnografia, que é possível observar um estilo de vestuário comum, nos pichadores. Já nos stickeiros, percebi uma grande diversidade. Assim, percebo que a identidade de grupo dos pichadores é mais clara do que nos stickeiros.
Enquanto as relações entre os pichadores são marcadas pelo conflito – entre grifes e por causa dos atropelos. Ao contrário, nos stickeiros as relações são harmônicas. O único caso de conflito de qual tive conhecimento, foi uma discussão rápida resolução devido a um stickeiro ter colado o seu sticker em cima do sticker do outro, ou seja, a um atropelamento, que é uma falta grave em uma relação entre pichadores. A relação com a polícia acontece de maneira semelhante. Pichadores são agressivamente repreendidos e stickeiros, nas poucas vezes em que isso ocorre, são repreendidos com sermões, as vezes, apreensão dos stickers e, só conheci um caso, fichando o stickeiro como vândalo. Provavelmente por isso que pichadores costumam pichar durante a noite e stickeiros agem em qualquer horário (a maioria prefere colar de dia). A repressão policial representa a opinião comum, por quem, geralmente, a Pichação é repudiada com uma ênfase bem maior do que o Sticker.
Pichadores procuram deixar sua marca em locais de difícil acesso, para aumentar seu ibope – status interno no grupo. Muitos stickeiros se preocupam somente com a visibilidade de seus adesivos, para que o maior número possível de pessoas possam vê-los; outros, além disso, se preocupam com a dificuldade de acesso do local escolhido, mesmo não havendo nenhum ibope entre stickeiros. 
A produção dos stickers é domicilial, sendo que na rua somente é colado, o que torna essa atividade prática e rápida. Além disso, o material para se fazer stickers é barato e existem técnicas simples para se fazer stickers. 
Uma diferença significativa é que as relações entre os stickeiros ocorrem predominantemente pela internet.
 
Diversidade
O outro problema elaborado no início da pesquisa era sobre a possível existência de dois tipos específicos e antagônicos de stickeiros. A impressão que tive no início da pesquisa, observando stickeiros pela internet, em sites de relacionamento como Orkut, Flickr e Fotologs, foi que haviam pessoas que faziam stickers com o objetivo de criar e expor artes visuais e, os demais, que colavam stickers somente para fazer parte de um grupo, utilizando o sticker como instrumento de sociabilização. Problema que foi descartado logo na primeira visita a campo, que revelou a grande diversidade dos participantes do Combo e de suas motivações.
O campo mostrou que existem variados motivos pelo qual pessoas fazem e colam stickers e que cada uma delas pode fazê-lo por múltiplos motivo. A maioria dos stickeiros afirmou que fazem sues stickers para passar uma mensagem, geralmente manifestações contra a ordem política e econômica. Também em defesa do meio ambiente, dos animais (ideal vegan), entre outros. Outra motivação comumente citada, com a qual o Sticker é considerado uma arte visual, é a manifestação estética. Também existem stickeiros , inspirados pela afetividade, que tem o objetivo de mostras representações daquilo que gostam, como personagens de desenhos animados, revistas em quadrinhos ou jogos de vídeo-game. Apesar de ter descartado como motivação única, ainda considero relevante pensar o Sticker como meio de sociabilização.
O Combo é freqüentado por jovens vindos desde o centro da cidade de São Paulo, até de outras cidades da Grande São Paulo. Portanto, este evento tem abrangência metropolitana. Fora do evento as relações entre os stickeiros indendem de distâncias geográficas. Isso porque, o Combo funciona como um facilitador e um estímulo para as relações entre os stickeiros, que normalmente, conversam pela internet e trocam stickers pelo correio – pack. Uma característica que exemplifica a dualidade físico/virtual do Sticker é que assim que os stickers são colados, eles são fotografados para serem postados em Fotologs, Flickrs e álbuns do Orkut. Assim, a efemeridade do adesivo, que pode ser arrancado a qualquer momento ou então se desgastar, é compensada pelo seu registro virtual.
As técnicas mais utilizadas para produção dos stickers são, respectivamente, a serigrafia, que consiste em aplicar a tinta no adesivo (vinil adesivo, chamado somente de vinil) com a tela contendo a figura desejada. A serigrafia permite a produção de stickers em quantidade com praticidade e baixo investimento. O vinil é vendido na galeria do rock, onde tembém são feitas as telas a partir de desenhos feitos pelos stickeiros. O freehand consiste em desenhar no vinil, utilizando canetas com tinta para plásticos, que podem ser encontradas em qualquer papelaria. Essa é a técnica mais econômica, com um metro quadrado de vinil, que custa R$ 2,00 e uma caneta para plásticos (a caneta de escrever em CDs), que também custa em torno de R$ 2,00 é possível fazer várias dezenas de stickers. Essas duas técnicas, geralmente, produzem stickers monocromáticos. Na técnica de impressão em vinil, a figura é desenhada no computador e impressa colorida e em alta qualidade. Por isso, permite maior possibilidade de elaboração estética, porém, também é a mais cara, pois exige equipamentos de informática profissionais. Um stickeiro, freqüentador do Combo, que trabalha com artes gráficas em uma empresa de publicidade, aproveita os equipamentos da empresa e os restos de vinil para imprimir seus stickers. Segundo ele, o custo para impressão do metro quadrado de vinil é R$ 30,00. Com essa variedade de técnicas e custos, a produção de stickers é acessível as diversas classes econômicas.
Michel Maffesoli, em “O Tempo das Tribos”, afirma que “cada pessoa poderá viver sua pluralidade intrínseca, ordenando suas diferentes ‘máscaras’ de maneira mais ou menos conflitual e ajustando-se com as outras ‘máscaras’ que a circundam”. Pensando no termo máscaras, utilizado por Maffesoli, como identidades culturais, percebe-se uma característica que simboliza a relação do Sticker com outras culturas. Os stickeiros não se definem como stickeiros, mas como coladores de stickers. Não tem um estilo musical ou de se vestir característicos. A identidade de colador de sticker se limita a atividade de produzir e colar stickers. Sendo assim, é fácil observar outras culturas jovens ao quais os stickeiros fazem parte. O Combo, a primeira vista, parece um encontro de skatistas, pois boa parte deles de fato levam seus skates e aproveitam para andar com eles pela Paulista. Observando um pouco mais, observam-se várias pessoas com roupas típicas da cultura Hip-Hop. Prestando mais atenção em cada participante do encontro, vê-se jovens do Hardcore, adeptos a Body Art. Conversando com eles, além de todas essas culturas, percebemos pichadores, grafiteiros, straight-edges, vegans, otakus, etc. 
Para fazer parte do Movimento Sticker, não é preciso ter um determinado posicionamento político, fazer parte de uma classe socioeconômica específica, usar certo tipo de roupa ou ouvir certas músicas. Não precisa nem mesmo freqüentar o Combo ou conhecer alguém do “meio”. Basta fazer e colar stickers. Quem faz isso já é um artista de rua, está se apropriando do espaço público, intervindo no espaço urbano, seja o objetivo a transgressão ou a construção de uma nova forma de ver e viver a cidade, “atuam na cidade resignificando formas e conteúdos.” (Rita de Cássia Alves de Oliveira).
 
Bibliografia
DIAS, Thiago Hara. O Sticker e seu papel na arte de rua na cidade de São Paulo: stickers na Rua Augusta, Avenida Paulista, Vila Madalena e Centro. Dissertação (Mestrado em Educação. Arte e história da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.
 
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987.
 
OLIVEIRA, Rita de Cássia Alves. Estéticas juvenis: intervenções nos corpos e na metrópole. São Paulo. 2007
 
PEREIRA, Alexandre Barbosa – “Pichando a cidade: apropriações ‘impróprias’ do espaço urbano” in: Jovens na Metrópole. São Paulo, Terceiro Nome, 2007.
 
TURMA NB7. Design e Arte urbana: A Cibercultura como diferencial na produção e disseminação dos stickers. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Design Digital) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2008.
 
Exposição coletiva
Exposição realizada na Hocus Pocus em São José dos Campos em 2009, com fotos de Caio Buni e colagens de Aline Badari.
Sticker Art [fotoetnografia] [exposição]
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