Gabriel Henrique's profile

Crônica - O banco em frente

O banco em frente

 Ando pela estrada de pedrinhas.
 Decido parar e me sento em um banco logo ao lado de uma pequena árvore.
 As minhas costas tem um grande lago.
 Nele há dois chafarizes, das águas que jorram vem um  constante som terapêutico.
 A minha frente estão duas grandes e belas árvores, uma a direita, outra a esquerda.
 Dentre elas, do outro lado da estradinha quase paralelamente a mim eu vejo outro banco.
 Neste tem um homem.
 Não parece ser muito velho, provavelmente entre vinte e trinta anos.
 Ele encara fixamente o chão de pedrinhas, com os braços levemente cruzados e a cabeça baixa.
 A pouco estava fumando um cigarro que agora se acabou.
 Pensativo e inquieto.
 Os olhos cheios de melancolia.
 Minha atenção é roubada por uma pomba ao meu pé.
 Olha para mim, bica um galho e vai embora.
 Em pequenos passos caminha para longe, em direção ao homem.
 Que como eu tem sua atenção tomada, o tirando de seu transe pensativo por alguns segundos.
 Antes de voltar a como estava ele observa a sua direita.
 A alguns metros dali tem outro banco.
 Neste há um senhor de mais idade, lendo o que aparenta ser a bíblia. Por nada desvia sua atenção.
 Por não possuir nada de interessante, deixo de o observar.
 Volto a mesma, observando o banco em frente.
 O homem está em seu transe novamente.
 Não passado muito tempo, outro vem pelo caminho.
 Caminha rápido com sua bicicleta ao lado, usa capacete e uma camisa fluorescente cor de marca-texto atraindo o olhar de todos. Até o senhor que lia sua Bíblia parou para observar.
 Anda mais um pouco e se senta ao banco a minha esquerda, passa a falar no telefone.
 Sinto a vontade de espirrar, e o faço, quebrando subitamente o silêncio.
 O homem se assusta e nossos olhares se encontram por alguns segundos.
 Ele parece mais inquieto. Recorre a outro cigarro.
 Por algum tempo nada acontece, e o belo silêncio toma conta.
 Tomo então uns segundos para olhar ao meu redor.
 A minha direita tem outro banco.
 Desde antes de eu chegar há um jovem nele.
 Só me dei a real ciência de sua existência quando começou a cantarolar em voz alta alguma melodia que sou incapaz de identificar.
 Depois de uma pequena pausa, ele volta a cantar. Isso se repete, várias vezes.
 Procuro algum outro ponto de interesse, sem sucesso.
 Ao voltar ao banco da cantoria, o jovem já não está mais lá.
 Me resta então, retornar a observar meu companheiro a frente.
 Nesses poucos minutos que me distrai já se está acabando o que, na minha perspectiva, era seu segundo cigarro.
 Outra vez, belo silêncio.
 Observo o ambiente, que pela presença das figuras a minha volta não havia me dado o tempo de analisar.
 O céu está em um azul claro e limpo, sem nuvens.
 O sol irradia através das árvores.
 Suas luzes atravessam as folhas criando, como mosaicos projetados ao chão, belos desenhos de sombras incompletas.
 Permeia um constante sopro de vento.
 As folhas caem sequencialmente, uma chuva de tons verdes.
 Duas pessoas passam ao meio, o homem as olha diretamente, me permitindo ter um vislumbre de frente de seu rosto.
 Está bem mais melancólico do que me parecia. Uma expressão de quase choro.
 Descontento e angústia.
 Me pergunto o que ele está pensando?
 Pega folhas do chão, e as despedaça.
 Faz isso duas vezes.
 Tira de seu bolso um saco plástico e um pedaço de papel.
 Já tinha feito isso outra vez, mas não cheguei a dar muita atenção.
 Olhando mais atentamente a sua sequência de movimentos percebi.
 O que fumava na verdade era tabaco. Talvez eu não estivesse perto o bastante para sentir o cheiro.
 E enquanto terminava de preparar seu fumo, eu me levantava.
 Já está na hora de ir.
 Provavelmente o homem nem se importou com minha presença, que para si naquele momento, nenhuma diferença fazia. Estava muito preocupado com  o que quer que estivesse acontecendo com sua vida para se importar.
 Esses momentos não passavam de uma tentativa, talvez falha, de escapar da realidade.
 Nunca vou saber de fato o que acontecia com ele, mas sinto alguma empatia.
 Nosso momento compartilhado, mesmo que apenas de minha perspectiva, foi ótimo.
 Agora volto a minha chata rotina.
 Espero que agora ele esteja bem.



*
Crônica - O banco em frente
Published:

Crônica - O banco em frente

Published:

Creative Fields