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Filhos da Maré, Reféns da Memória

Vivo sob reflexos de memórias, de tempos que jamais voltarão a existir. Aqueles que eu um dia conheci se foram, mas suas almas permanecem acorrentadas à minha mente, vivas através de momentoslembranças. Quando partir, levarei comigo uma parte do que foram, aos poucos dando espaço ao oblívio de cada um.
Eu ainda te vejo caminhar. Observo a brisa bater nos teus cabelos. Teus pequenos olhos se fechando devido aos grãos de areia que flutuavam com os fortes ventos que varriam a praia naquele dia. Teu sorriso estava em harmonia com teu olhar, encantado pela força da maré. Tua risada continua ecoando em meus ouvidos. Eras parte de mim, parte do que fui, ainda do que sou. Mesmo que eu morra e logo em seguida renasça, sei que permanecerás comigo. Fruto do meu ventre, do meu amor.
Mãe, quando voltaremos a ter o que um dia foi nosso lar? Quando sentirei calor novamente? Anseio pelo aroma da tua comida, pela segurança do teu colo, pela tua preocupação que exala amor. Careço do conforto da tua presença. Tu fizestes tudo por mim, e agora é tarde demais para que eu possa fazer por ti.
É como um demônio que me segue, uma maldição. Estive preso durante anos a um calor que já não existe mais no meu peito. Quando ele se foi? Talvez quando te deixei, quando finalmente decidi ser eu. Abandonei o teu colo para dar espaço ao meu verdadeiro eu. Desejava flores, mas elas nasceram cheias de espinhos. Sinto a dor da tua falta, do teu toque, dos teus lábios. Não me refiro a alguém, mas a algo, àquilo que um dia chamei de lar.
Aos poucos teus defeitos viram . Os motivos que um dia te impeliram a me abandonar agora se dissipam como poeira, carregada pela brisa da maré.
Mesmo quando tento fugir, tua presença persiste, envolvendo-me. Disseste que me amavas, mas onde estava esse amor quando fui assombrado pelos meus piores fantasmas?
Sempre tive dúvidas
Sempre tive medo
Mas tu permanecestes imponente sob a tua verdade
Sufocado em meio às incertezas
Por fim, entreguei-me àquilo que sempre me consumiu
                                                                                                                      a morte.
Eu preciso sentir
Quando a poeira das lembranças se misturou à areia da praia, eles finalmente adentraram a maré. Seus corpos se desfizeram, suas almas se desnudaram. Feito um canto de baleia, suas vozes finalmente ecoaram.

Enfim, estavam livres
Filhos da Maré, Reféns da Memória
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