Thaiane Silveira's profile

Entrevista com Mayrton Bahia, ex-produtor da Legião

"Música está entretenimento demais", diz ex-produtor da Legião Urbana

Produtor musical e mestre em educação, Mayrton Bahia, foi o responsável por conduzir os sucessos da Legião Urbana. O ex-produtor da banda de rock brasiliense conta, em entrevista, sobre a época em que trabalhou com o grupo e revela outro lado de Renato Russo, pouco visto pelo público.

Mayrton produziu os cinco primeiros álbuns da Legião Urbana. "Um muito marcante foi o 'Dois', que concretizou e estabeleceu a Legião no mercado", diz o produtor. No entanto, o que mais marcou sua carreira foi o "As Quatro Estações". O quarto disco da banda "deu um trabalho imenso (...) o nome é 'Quatro Estações' porque durou um ano e foi uma verdadeira epopeia para fazer. O Renato Rocha, que era o baixista, saiu pela dificuldade de gravar o álbum", lembra ele.

"O primeiro disco já tinha algum material pronto. No segundo eles realmente entraram no estúdio e o disco foi feito do zero. Foi um disco muito elaborado. Trouxe um sucesso muito grande, então ficou aquele estigma: como vamos fazer um disco que supere o 'Dois'?", explica Mayrton. "Quando chegou o quarto não tinha jeito, tínhamos que fazer o disco tentar superar tudo. A Legião estava famosa, super reconhecida e ai o "As Quatro Estações" tinha que fazer esse trabalho novo".

Apesar de conseguirem superar o desafio de gravar o quarto disco e manter o sucesso em alta, o ex-produtor conta que foi difícil reunir todos os integrantes da banda para gravar.

"Foi um disco muito trabalhoso e que demorou um ano. Mas foi um disco que me marcou bastante. Foi um disco muito importante", ressalta ele ao lembrar que na época, trabalhando como freelancer, quase foi à falência por passar um ano inteiro produzindo um único álbum. "Mas eu acreditava no disco até o fim. Eu fali, mas o produtor não. Valeu a pena cada dia daquele".

Mesmo com tantos desafios, sobre a relação com o líder da Legião Urbana, Mayrton Bahia fala com carinho e diz que, diferente de como parecia para a mídia, Renato Russo "era super fácil de lidar. Eu conhecia o Renato muito bem. O Renato era uma pessoa com muito bom humor, era muito engraçado, as pessoas não conhecem esse lado dele", conta.

"Renato era muito sincero, então a maneira de você lidar bem com o Renato era jogar aberto. Ele gostava de ouvir as coisas sinceramente. Então eu sempre disse as coisas que precisava dizer para o Renato de uma forma também construtiva", conta ele explicando como conseguia manter a boa relação com o músico. "Teve poucos momentos que eu tive que confrontar o Renato, mas com argumentos. O Renato confrontado com argumento e percebendo que você estava jogando junto, que era uma coisa construtiva, que você estava no time dele, ele te ouvia", relembra.

Sobre o jeito durão de Renato Russo, Mayrton diz que tem a ver com a responsabilidade com sua própria imagem. "Um cara que diz o que ele dizia e vivia. Ele pensava muito naquilo em que acreditava, então ele sabia que tinha uma responsabilidade grande em relação as coisas que ele falava e ele bancava essa postura com muita coragem".

Mayrton falou ainda sobre o documentário "Rock Brasília - Era de Ouro", que traz depoimentos dos artistas da época e daqueles que acompanharam a trajetória das quatro maiores bandas de rock de Brasília nos anos 1980.

"Eu acho que é justamente o resgate de um momento em que o jovem começou a falar para o jovem. Antes disso você tinha grandes artistas que já tinham uma certa idade, mas a Ditadura segurou muito a boca dos universitários, dos mais novos, então nós ainda tínhamos uns ídolos formadores de opinião que já tinham passado uma certa idade e, a partir daí, a gente tem uma geração realmente jovem falando para o jovem e rompendo barreiras da própria ditadura", avalia ele. "Havia o que dizer e havia gente para dizer. E o interessante é que isso vem do centro do poder. O documentário mostra uma geração formadora de opinião que influencia até hoje e que veio de dentro de Brasília. Do coração de Brasília, então isso é super importante", acrescenta.

Para o professor e produtor, o documentário é um resgate desse momento e das raízes dessa geração "que eu sinto muita falta nos dias de hoje. Eu acho que hoje a música está entretenimento demais. Ela tá voltada demais para a mídia", afirma.

Questionado sobre a diferença dos grupos dos anos 1980 para as novas bandas de rock, Mayrton afirma que "ninguém está investindo nos formadores de opinião (...) As pessoas não estão muito a fim da verdade, as pessoas estão a fim do show. Falta esse tipo de artista, que enfrenta essas questões, que provoca, que mexe. (...) Eu sinto falta da garotada, das novas bandas, de pessoas que não fiquem só jogando para a mídia. Que realmente tenham essa fidelidade de cantar aquilo que elas vivem e não o que o público quer, o que o mercado está querendo. Eu sinto falta disso", finaliza.

Ele acredita ainda que fazer música atualmente é muito mais fácil que no passado, mas que na era da informação e com ao overdose de conteúdos, "as pessoas não estão tendo tempo ou se dispondo a transformar informação em conhecimento. Hoje, com a velocidade da comunicação, as pessoas estão simplesmente se apropriando de loopings prontos, levadas prontas, samples prontos. É muita gente fazendo a mesma coisa, muita gente parecida, muita gente igual trabalhando para a mídia.

"Qual o diferencial? É ser você mesmo", explica. "Mas hoje a sedução para você ser aquilo que todo mundo é, para você ser aquilo que já vem pronto é muito grande. Antes era muito mais difícil porque você não tinha tanto espaço. Você tinha censura, você tinha ditadura, você tinha um patrulhamento feroz. E essas músicas são ouvidas até hoje e reverenciadas porque essas músicas tinham identidade e tem uma identidade muito forte. Hoje nós estamos jogando para a mídia, para a fama", opina Mayrton. "Nós estamos
vivendo a era da farsa".

"Então é isso que é o grande problema. (...) Então cadê a juventude? Cadê os formadores de opinião? Cadê a indignação? A indignação é uma coisa que está internacional. Ela vai chegar. Em algum momento a coisa vai sacudir e está faltando as antenas. Os artistas são sempre os primeiros a perceber, a detectar, a falar sobre essas coisas. Cadê as pessoas? Eu estou esperando por elas",
finaliza.

Entrevista concedida ao portal SRZD.com, em agosto de 2015.
Entrevista com Mayrton Bahia, ex-produtor da Legião
Published:

Owner

Entrevista com Mayrton Bahia, ex-produtor da Legião

Published:

Creative Fields