A RÉSTIA DAS MEMÓRIAS: UM DIA NA VIDA DE UM CASAL QUE SE PERDE NO TEMPO
Reportagem fotográfica que procura espelhar o dia a dia de um casal, cuja relação é, atualmente, pautada por duas doenças neurodegenerativas, progressivas e sem cura. Casados há 51 anos, ambos com 76 anos de idade, Natália da Liberdade tem princípios de Alzheimer e João Almeida tem Parkinson. Apesar da casa, onde habitam há 26 anos, ser composta por três quartos, uma sala e três varandas, a vida de Natália da Liberdade e João Almeida passa-se entre o quarto, a sala e os corredores que ligam os espaços e a porta da rua. No entanto, com a chegada da pandemia, raras são as vezes que vão ao exterior. Desta forma, os seus sofás assumem múltiplas funções - assentos para sessões de telenovelas, cadeiras de jantar e camas, que provocam constantes torcicolos.
Se, por um lado, Natália da Liberdade se perde nas horas. Por outro lado, João Almeida prefere o incómodo dos sofás à dificuldade de locomoção. Fora destes, por entre o tremor dos músculos em repouso, a rigidez muscular, a lentidão dos movimentos voluntários, a dificuldade em manter o equilíbrio e um conjunto de reações involuntárias, Joãozinho, como era outrora conhecido, vê-se obrigado a deambular entre o andarilho e a cadeira de rodas. Da independência chega a dependência.
Longe da vida a que estava habituada, Natália da Liberdade preenche os seus dias a recordar o passado, nomeadamente as suas experiências com a religião. Nascida num seio familiar ateu, Natália foi a única dos irmãos que escolheu o Catolicismo. Ao longo dos anos, colecionou um número imenso de presépios, dos mais tradicionais aos mais incomuns. Hoje, afirma que a sua "alegria é ter esses presépios". Juntos, recordam as capacidades que se foram perdendo com o tempo, em específico as suas aptidões artísticas. João Almeida era conhecido pelos suas críticas e crónicas publicadas nos jornais bracarenses. Nos tempos livres, deliciava os seus colegas com caricaturas. Natália da Liberdade chegou a ver algum dos seus artigos publicados. No entanto, como há assuntos que não interessam, "deixaram de publicar o que mandava para o jornal depois de falar mal do Mesquita Machado".