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Pinturas Queimadas

Pinturas Queimadas 
 
 
O céu renova o seu azul límpido, deixando para trás a embriaguez de nuvens de fumo… O vento fez jus à sua presença e levou consigo as cores cremadas da pintura serrana de São Brás de Alportel. Na nossa tela apenas permanece o preto e o cinzento, que fazem promessas de abandono tardio, perante uma cicatrização duradoura.           
A pequena vila Algarvia, intrínseca entre a serra e o mar, foi surpreendida pelas labaredas de um incêndio que atacou velozmente a sua costela "serrenha", consumindo desenfreadamente o quadro paisagista e os retratos de uma vida de trabalho, que principia a sua subsistência em função do que a terra concede. O incêndio chegou a galope e, nele albergou a natureza e todo o sustento dos habitantes, que instintivamente voaram contra as chamas para proteger as suas casas, animais e bens. O tempo escasseava, evaporava em comunhão com a água lançada contra as chamas e com a presença de fantasmas vestidos de fato vermelho. Dentro deste vulcão surge a coragem de defender o que é nosso e muitos se impuseram à ideia de evacuação - decretada pela autoridade local. Digladiando-se contra Héstia - Deusa do fogo e do lar na mitologia grega -, os cidadãos ganham o título de heróis, diante da má coordenação dos bombeiros que, embora contrariados, foram impedidos de atuar em algumas situações extremas devido a ordens superiores, onde reina a ignorância e a carência de altruísmo.
Estes “orgulhosos” feitos e a intensidade do vento, cooperaram mutuamente para o rápido contágio do incêndio por grande parte da serra; alastrando-se a áreas próximas da vila são-brasense, que esteve à beira de ser cremada, em prol de uma proteção civil que apenas cultivou a abstinência de proteger.
Ainda em brasa, nas memórias dos habitantes impera a tristeza da perda de anéis, que deixaram os seus dedos desnudos e vazios, bem como a visão de um mundo rural em cinzas, destruído e estéril. Como esperança fica o sonho da restauração de um quadro novamente pintado a multicolor e da reconstrução pedra a pedra de tesouros pessoais.
Diante desta “calamidade pública”, fica a ténue expetativa de justiça e retidão, aos olhos dos “cegos” que não querem compreender o significado de "Estado de Calamidade". No entanto, é de realçar a humilde colaboração dos habitantes, que religiosamente auxiliaram os bombeiros com bens alimentares, não descorando o auxílio que corajosamente prestaram aos mais carecidos. De confronte para um todo de pinturas carbonizadas, a entreajuda populacional é um dos donativos necessários para o restaurar deste quadro que, a passo de caracol, a natureza ajudará a regenerar.
 
 
 
 
Ana Margarida  Sousa
 
 
 
Pinturas Queimadas
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Pinturas Queimadas

Artigo de Opinião para o Jornal "Notícias de São Brás" sobre o Incêndio de 2012 na Serra do Caldeirão, em São Brás de Alportel.

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