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Lula at SciencesPo Paris

Foto tirada na Conferência "Quelle place pour le Brésil dans le monde de demain?" realizada na SciencesPo Paris em Novembro de 2020. Tive o prazer de participar da Conferência como imprensa, representando a Rádio Sorbonne Université, onde trabalhei como voluntária por um semestre. 

O Futuro do Brasil no Mundo de Amanhã
Paris, 18 de Novembro de 2021

    “Bem-vindo à sua casa”, assim foi recebido Lula para seu discurso na Sciences Po Paris, prestigiosa universidade francesa. O ex-presidente foi convidado para a conferência no dia 16 de novembro em comemoração aos 10 anos da atribuição de seu título de Doutor Honoris Causa. Ele foi o primeiro latino a ser agraciado com a honraria, portanto a data é simbólica. No entanto, mesmo que o convite tenha sido motivado por seu título, foi sem dúvidas o cenário politico propício que motivou a escolha do tema da conferência: “Qual o lugar do Brasil no mundo do futuro?” 
    É de interesse geral a resposta de Lula. Candidato praticamente confirmado nas eleições de 2022, ele enfrentará Bolsonaro nas urnas. Certamente, uma batalha de gigantes sem precedentes na história brasileira. 
    Apesar do tema, Lula falou muito do passado. Ele contou à plateia sobre o Brasil que ele viveu, desde sua origem humilde, no interior do estado de Pernambuco. Ele falou também do Brasil que ele conheceu — e construiu, ele frisou — como presidente. Falou de um Brasil grande, com emprego e educação para todos, e, pertinente à ocasião, falou de um Brasil com reputação internacional, fiável para investidores e elogiado por seus programas sociais. “Apesar da gravíssima situação, e de todos os retrocessos que foram impostos ao Brasil e ao povo brasileiro, quero dizer uma palavra de esperança”, declarou, logo antes de começar seu discurso. 
    Traçando sua linha do tempo, ele retomou questões relacionadas à colonização brasileira: “Transformações (aquelas, segundo ele, promovidas pelo seu governo) dessa magnitude parecem intoleráveis para elites forjadas num processo histórico marcado pela violenta apropriação das terras e das riquezas naturais, pelo genocídio dos indígenas e por mais de três séculos de escravização de povos africanos.” O ex-presidente informou aos presentes que o Brasil foi o último país da America Latina a abolir a escravidão; também o último a ter uma universidade, declarando: “Não se preocupava com a educação no Brasil até pouco tempo atrás”. 
    O ex-presidente não poupou uso de dados, e fez questão de reiterar, como é de costume em seus discursos, todas as soluções que seu governo trouxe aos problemas mais pertinentes do Brasil: investimentos em políticas sociais buscando o combate à pobreza e à fome, como o Bolsa Família, a criação de universidades públicas e programas de financiamento como o FIES,  o desenvolvimento econômico do país, que chegou a atingir a posição de sexta economia do mundo durante seu mandato. 
    Lula mencionou, em especial, a questão do tratamento dado à Amazônia: “Nossa credibilidade era lastreada na redução da taxa de desmatamento em 75%, o menor nível alcançado até então. Nosso governo foi responsável por 74% das unidades de conservação florestal e ambiental criadas no mundo naquele período”. Ele falou sobre a questão indígena, sobre as áreas de proteção florestal demarcadas em seu governo. Correlacionou essas políticas com o combate ao aquecimento global, e articulou sobre a influência que seu governo teve na criação do Acordo do Clima de Paris de 2015. 
    Aqui, chegamos a um ponto importante dessa conferência. É inegável que Lula tenha contribuído ao Brasil, mas por que retomar esse assunto dez anos depois de sua saída da presidência? A reposta, que não é segredo para ninguém, Lula deu na própria conferência: ele será candidato sim, e presidente, “caso o povo quiser.”
    Ainda seguindo a linha temporal, Lula também falou sobre o presente. Ele se diz ainda chocado que o Brasil tenha escolhido eleger Bolsonaro, após o histórico do Brasil com a ditadura militar. Opondo-se diretamente ao governo negacionista do atual presidente, Lula fez questão de abordar questões pelas quais Bolsonaro é conhecido por ter opiniões escandalosas. Não deixou de usar a máscara em momento algum, e negou-se a compartilhar o microfone com Gaspard Estrada, um dos mediadores da conferência, declarando estar preocupado com o coronavírus.
    Lula falou da falta de preocupação do atual governo com a educação. Dirigiu-se diretamente aos alunos brasileiros que o escutavam desde a plateia, ao lamentar a fuga de cérebros. “Vocês não vão ficar em Paris por muito tempo”, profetizou, demonstrando ânimo com o futuro. Agradeceu a Sciences Po e aos franceses por acolher alunos brasileiros durante esses tempos difíceis no Brasil. Falou da falha do governo em anistiar a dívida do FIES, citando a maneira benevolente que o Congresso anistia dívidas de grandes empresários.
    Lamentou o fim do Bolsa Família. Falou que, em seus 76 anos, nunca viu a fome “tão espalhada pelo Brasil”. Trouxe dados sobre a alta taxa de desemprego e de desalentados; falou sobre a insegurança alimentar. Ironicamente, disse que esse dados eram o resultado da tentativa de Bolsonaro de salvar o país da destruição causada pelo PT.
    Falando sobre a retirada da ex-presidente Dilma, ele citou o 160 pedidos de impeachments de Bolsonaro e se perguntou por que nenhum dele foi votado ainda. Atacou Guedes e Moro diretamente. “Este governo colocou o Brasil de costas para o mundo, e quem mais sofre com isso é o povo brasileiro”, disse. 
    Sobre politica internacional, Lula declarou: “É inevitável comparar a posição que o Brasil havia alcançado nas relações internacionais com o isolamento entre as nações em que o país se encontra hoje.” É importante para esta análise investigar a razão pela qual Lula chegou à essa conclusão. Assim, é pertinente relembrar a participação de Bolsonaro na última sessão da Assembleia Geral da ONU, em que o Brasil tem o discurso de abertura. Apesar de ter articulado sobre temas como o combate ao desmatamento, proteção aos povos indígenas, e melhoramento do cenário social brasileiro, a fala do presidente foi classificada por veículos de imprensa internacionais como discurso de fake news. 
    Muitos países hoje observam a política brasileira de perto. O Brasil, pelo segundo ano consecutivo, foi colocado por Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU, na lista de países que despertaram alerta internacional por ataques à democracia. Em seu relatório, a ex-presidente chilena descreve sua preocupação com o cenário político no Brasil, temendo uma ruptura. Ela também cita o quadro preocupante que se encontra os povos indígenas brasileiros, principalmente os Yanomami e os Mundukuru.  
    Bolsonaro, no momento, se encontra em viagem diplomática pelos Emirados Árabes. Na segunda-feira, dia 15 de novembro, o presidente fez o discurso de abertura do Dia Nacional do Brasil na Expo Dubai. Em seu pronunciamento, que durou cerca de quatro minutos, ele diz que o Emirados Árabes “mora no coração dos brasileiros” e que eles “nos ajudam e muito na economia brasileira”. À respeito de política, sua fala não vai muito além disso.
    Comparando os últimos pronunciamentos de Lula e Bolsonaro no exterior, fica claro que o ex-presidente está bastante empenhado em sua campanha internacional. Ainda em seu discurso na Sciences Po, Lula declarou ter se encontrado com Olaf Scholz, futuro chanceler da Alemanha, que tweetou estar “ansioso para continuar a dialogar com Lula”. De acordo com o ex-presidente, eles conversaram sobre a importância de fortalecer a cooperação Brasil e Alemanha. 
    Em Paris, além da conferência dada no Sciences Po, Lula se encontrou com Emmanuel Macron; além de ser presidente da França, Macron assumirá, temporariamente, a liderança da União Europeia, no lugar de Angela Merkel. Sobre o encontro, o líder francês o descreveu como “pertinente”. É importante lembrar que Bolsonaro e Macron têm relação conturbada, descritos por Gaspard Estrada para a France 24 como “opostos em todos os campos possíveis”.
    Lula, que foi aplaudido de pé durante seu discurso no Parlamento Europeu em Bruxelas, ainda disse que fará encontros com Pedro Sanchez, Primeiro-ministro espanhol, e que “quer conversar com outras pessoas.”
    É espantoso que líderes mundiais de calibre como Macron e Scholz conversem com um candidato à presidência, quase um ano antes das eleições, sobre diretrizes de política internacional. O fato evidencia a força de Lula, que disse conversar com líderes mundiais afim de “definir uma nova governança global justa e participativa”, que permitirá ao Brasil de negociar, face à face, com países europeus. A escolha desses líderes em falar diretamente com Lula, mesmo que Bolsonaro ainda seja o presidente brasileiro, demonstra o sucesso diplomático de sua campanha na Europa. 
    “Não somos predestinados a ser quintal dos outros”, disse Lula, finalmente respondendo à pergunta sobre o futuro do Brasil no mundo de amanhã.
Lula at SciencesPo Paris
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