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As muitas máscaras de um herói

As muitas máscaras de um herói
Spoilers de The Boys e Boku no Hero
Há quanto tempo ouvimos sobre grandes contos sobre seres com capacidades super-humanas? Quantos desses contos, resistiram ao tempo, qual a razão de nos interessamos tanto por esses seres ficcionais e seus feitos? Essa fixação por grandes atos realizados por esses seres, não começam com Batman ou Mulher-Maravilha, vem de muito antes na história da humanidade.
Na Grécia antiga já tínhamos sinais desse comportamento, mesmo que no caso dos gregos, esses contos em sua maioria fossem vistos como verdades absolutas, o grande panteão de seres divinos da mitologia grega rende até hoje material que inspira adaptações em livros, filmes, séries e jogos, com exemplos como Fúria de Titãs (1981); Hércules (1997), Percy Jackson e os Olimpianos (2005), God of War (2005)... isso usando apenas o panteão grego, ainda temos o panteão egípcio, nórdico, e tantos outros, durante toda sua história o ser humano se encantou e continuará se apaixonando por esses grandes contos e mitos.
Mas até que ponto, isso seria algo viável, caso acontecesse no mundo em que vivemos, hoje? Neste texto trarei uma breve contextualização e discussão sobre 3 pontos de vista em diferentes “universos”.  
Marvel: Já em 1941 a editora dava um gostinho do que seriam heróis atuando no mundo atual com uma capa que marcou história.
Capitão América Nº1
Apesar de terem conseguido salvar todo o universo no filme mais recente, Os Vingadores passaram alguns apertos (antes do encontro com o Titã roxo de queixo enrugado) e não foi exatamente apenas por algum vilão superpoderoso ou algo do tipo, e sim em uma luta ideológica com governos e a Mídia, no filme Capitão América: Guerra Civil podemos ver claramente o impacto que causa na moral dos heróis, a opinião pública se virando totalmente contra uma ala do grupo que se posicionou contra o “Acordo de Sokovia” que diz:
“De acordo com o documento em mãos, eu por este meio certifico que os participantes abaixo mencionados, grupos e indivíduos, não deverão mais operar livremente ou sem regulamento, mas em vez disso operar sob regras, ordenanças e governanças das referidas Nações Unidas, agindo apenas quando e se os países julgarem apropriado e/ou necessário.”
E assim começa o desentendimento entre a equipe, metade concorda com o acordo, como Anthony Stark, o Homem de Ferro, que se vê responsável pela criação do robô Ultron, que literalmente arrancou um pedaço do planeta e tentou repetir o processo que levou nossos queridos dinossauros deste planeta 65 milhões de anos atrás (sempre em meus pensamentos), e a outra metade que junto com o capitão Steve Rogers, até então queridinho do governo americano, acredita que o tratado seja um equívoco e que os heróis devem operar livremente, sem restrições ou monitoramento de qualquer governo.
Começa assim a Guerra Civil, que na verdade poderia ser chamada de briga na saída do colégio, os times se encontram, lutam por algum tempo, mas resolvem tudo com direito a mensagem de texto depois para encerrar o assunto, mas o ponto crucial do filme é: Os heróis foram manipulados, praticamente todas as consequências do filme são planejadas pelo vilão Barão Zemo, como vingança por ter perdido toda sua família durante os acontecimentos de Vingadores: Era de Ultron (2015), logo, fica a questão, deveriam ou não, heróis seguirem um padrão de regras imposto por algum governo? Já que os dois filmes citados são consequências das ações dos próprios heróis, primeiro de Tony Stark, por criar o robô Ultron em conjunto com Dr. Bruce Banner, que leva à destruição de Sokovia, que resultou na morte de seus parentes de Zemo, que jura vingança contra os heróis.

The Boys (2019 -atualmente)

The Boys é uma série baseada em uma HQ de mesmo nome, que foi publicada em 2006, inicialmente pela editora DC, chegou a ser cancelada e teve que mudar de casa por seu tom ser considerado pesado demais, mas vamos tratar da série, nesse universo somos apresentados à uma realidade onde na verdade, os heróis, são os vilões.
Em The Boys, os super-humanos tiveram seus valores corrompidos pela ambição e fama que alcançaram por seus poderes, e com o status social que vem conforme eles fazem suas vigilâncias pela cidade, a questão aqui é que esses heróis não salvam pessoas e patrulham a cidade por puro amor ao heroísmo ou o sentimento de responsabilidade que se tem com algum tipo de poder, mas por ambição.
Na série acompanhamos Hughie, que viu sua namorada ser atropelada e desintegrada por um herói velocista do grupo chamado “Os Sete”, o herói alega para a mídia que estava perseguindo assaltantes, Hughie sabe que é mentira, e passa de alguém que poderia ser considerado um fã, para alguém que adquiriu ódio pelos “supers” como são chamados na maioria do tempo, se junta a um grupo de vigilantes liderado por um ex CIA, mas SPOILERS À PARTE, a megacorporação Vought é a responsável por criar cada um desses super-humanos, injetando um tipo de soro em bebês selecionados pelo país, é tudo muito bem pensado, os supers são mais celebridades do que heróis de fato, e feitos para serem monetizados.
Mas talvez o mais interessante desse universo seja o herói conhecido como “Homelander” ou “Capitão Pátria” que seria uma mistura caricata de Superman com Capitão América, mas no caso, com a bússola moral quebrada, Homelander talvez seja um dos personagens que mais me despertou o sentimento de nojo até hoje.
Homelander foi uma criança criada em laboratório, criado sem noção de carinho, afeto, como um projeto científico, e um que deu extremamente certo, é praticamente indestrutível, possui super força, visão laser... e o que acontece quando alguém cruel e sem ética alguma tem tanto poder?
No final da temporada de The Boys Homelander entrega o soro criado pela Vought para facções terroristas por todo o mundo, quando o governo descobre já é tarde demais, e como fechar a corporação que possui o único tipo de “armamento” capaz de igualar o poder dos novos super terroristas do inimigo? Recomendo demais essa série, até eu peguei um pouco de raiva de heróis por um tempo. E para fechar, da melhor forma possível, ou da mais otimista.
Boku No Hero Academia: (2014-atualmente)
No universo do mangá escrito por Kohei Horikoshi, temos um X-Men às avessas, 80% da população mundial possui algum tipo de poder, ou “individualidade” (acho muito poético), e com isso se dá início a uma profissão nova no mercado, a de Super-herói. Aqui acompanhamos Midoriya Izuku,ou Deku, que faz parte desses 20% de humanos que são...humanos, ele não possui nenhum tipo de dom extraordinário, e é alguém extremamente fã do All Might, o herói Nº1 ao qual ele assistiu uma transmissão de um resgate ainda muito jovem, desde então Deku decidiu que faria de tudo para se tornar um herói, mesmo que não tivesse uma individualidade, e por ironia do destino um dia ele é surpreendido por um vilão de forma líquida que tenta possuir seu corpo, e acaba sendo salvo pelo próprio All Might, que o derrota facilmente prendendo-o em uma garrafa pet.
Deku fica tão emocionado e bajula tanto seu herói favorito que faz com que All Might perca o foco e esqueça do vilão na garrafa por um tempo, permitindo que ele volte a atacar mais uma vez, e coincidentemente a próxima vítima seria alguém de extrema importância na vida de Deku.
No universo de Boku no Hero os poderes tendem a despertar por volta dos 4 anos de idade, Katsuki Bakugo, pode ser considerado alguém privilegiado, descobrindo sua individualidade muito cedo, ele consegue transformar seu suor em um poderoso explosivo, e desde pequeno faz questão de dizer para Deku que mesmo que desperte um dom um dia, nunca será melhor que o dele.
Um jovem metido que fez pouco caso de Deku a vida inteira, mas mesmo assim Deku sempre manteve sua consideração por ele, e é nesse momento em que Bakugo é atacado que nasce o sentimento de heroísmo mais puro que existe.
Vários heróis cercam o vilão, nenhum deles consegue resgatar o garoto com sucesso, muitos evitam o combate direto por medo, mas Deku no momento em que reconhece que quem está ali, lutando pela vida é seu amigo, pula todas as barreiras de segurança e parte em direção ao vilão, All Might está de canto, ainda cansado e sem poder usar seu dom novamente, mas ao testemunhar este ato tão nobre de um garoto correndo para salvar alguém onde heróis profissionais não se atreveram, encontra dentro de si mesmo a energia necessária para salvar os dois.
Mas aqui funciona de outra forma, poderes não podem ser usados como você bem entender, se quer usa-los sem punição da lei, deve se tornar herói profissional, se você quer ser herói existe uma espécie de colegial preparatório de heróis (basicamente uma mansão Xavier do Japão) lá os estudantes serão treinados para extraírem ao máximo o potencial de suas individualidades, existem campeonatos de combate que são assistidos por todo o país, e agências de heróis em que você pode começar estagiando, a sociedade de Boku no Hero teve que aprender a se moldar em cima dessas habilidades que começaram a despertar nas pessoas, adaptaram seus estilos de vida e o modo de conviver em sociedade.
Assim como em The Boys, aqui temos alguns heróis que também entram por fama e dinheiro, eles miram a atenção das grandes mídias e se preocupam mais com a imagem, mas ainda são poucos, até porque o Nº1 All Might mantém os padrões altos demais para que aconteça como em The Boys, All Might é a personificação da justiça, e esse sentimento inspira a grande maioria dos heróis que estão abaixo dele a treinarem duro por uma posição no ranking.
Devido à traumas do passado, por ter perdido sua mestra de forma trágica, All Might decidiu que levaria para sempre as suas palavras:
“Você deveria sorrir para mostrar que está bem, porque nesse mundo, aqueles que estão sorrindo, são os mais fortes”.
A ideia de All Might sempre foi se tornar este símbolo da paz, alguém que fosse incorruptível, traria segurança e esperança para todos, alguém que devemos olhar com admiração e respeito, digno de ser chamado de Super-herói.
O segundo vilão a ganhar destaque de Boku no Hero é Stain um “Justiceiro” espadachim que diz que cansou de ver heróis falsos, e só admitiria ser derrotado pelo próprio herói Nº1.
Agora Deku, terá de aprender a controlar o One for All, um poder passado de pessoa em pessoa e cultivado por cada um de seus antigos portadores, mas de novo, vamos por partes.
Mais para frente os heróis descobrem a Hassaikai, uma organização criminosa que está fazendo experimentos em uma garota que possui uma individualidade extremamente rara, e com isso criando armas que conseguem inutilizar a individualidade por um breve momento em seus testes iniciais, o plano da Hassaikai é vender a doença, e a cura, eles dominariam todo o mercado “bélico” e o Hassaikai se manteria nas sombras, alimentando tanto heróis, quanto vilões, e com o tempo adquirir recursos suficientes para voltar a raça humana para sua sequência de DNA normal, não mutante.
O que me deixa encantado com Boku no Hero é o quanto de emoção esses personagens conseguem transmitir, cada uma de suas histórias, a forma como trata as relações entre personagens e suas motivações, Boku no Hero é indicação para quando você se sentir meio desmotivado, passa uma energia muito boa e pura, aquela vontade de continuar.
“Tornamo-nos odiados tanto fazendo o bem, como fazendo o mal” e “Dê poder ao homem e descobrirá quem ele realmente é” são frases de Nicolau Maquiavel, filósofo florentino que viveu entre os séculos XV e XVI, mas acredito que resumem perfeitamente o que seria uma sociedade de super-humanos, a primeira considerando a questão de que mesmo que se use seus poderes com intenções nobres, ainda sim um herói poderia ser alvo de ódio como consequência de um resgate ou uma batalha mal sucedida, exatamente como foi o caso que motivou Barão Zemo contra Os Vingadores em Capitão América: Guerra Civil .
Já para segunda frase, sempre que existir um vilão, existirá um herói, o que te define não é o quanto de “poder” você tem, e sim o que faz com esse poder, usar do seu poder visando apenas a melhoria da sua própria vida é muito fácil, difícil é se arriscar e sacrificar por alguém que você nem mesmo conhece, e é isso que significa ser um herói, usar seu para o bem de todos, para salvar cada um que precise ser salvo e ser uma luz de esperança, um ícone, um símbolo. É exatamente por esse motivo que amamos, e continuaremos amando, todas as outras máscaras dos heróis, buscando uma lenda, uma peça de ficção que nos faça voltar a acreditar, mesmo que por um breve período de tempo, que podemos fazer a diferença.

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