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Reportagem: Movimentos Estudantis

A importância dos movimentos estudantis para a formação social
Conheça quem são e como se organizam esses jovens militantes e a importância deles na formação social da juventude. 

Os movimentos estudantis, formas de organização da juventude, protagonizaram grandes reivindicações na história do Brasil. Organizados de forma colaborativa e amigável entre si, ainda há uma falta de conhecimento e reconhecimento por parte da população a respeito deles. Quem são esses jovens? Como se organizam? Qual a importância dos movimentos estudantis na formação intelectual da juventude? 

No período ditatorial militar brasileiro, entre os anos de 1964 e 1985, o movimento estudantil teve grande protagonismo na luta pelos direitos da população. Em um dos episódios mais marcantes dessas reivindicações, está a morte do jovem Édson Luís de Lima Souto. Ele foi assassinado durante um embate contra a Polícia Militar com estudantes que participavam de uma manifestação da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC), na cidade do Rio de Janeiro. A morte do estudante foi amplamente divulgada pelos jornais, tendo sido capa do “O Globo” e do “Estadão”.

Os movimentos estudantis já haviam protagonizado outros embates contra o regime. Em 1964, quando foi instaurada a ditadura, os militares extinguiram duas importantes organizações, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as UEE’s (União Estadual Estudantil). O assassinato de Edson Luiz marcou um levante social de grandes manifestações contra o regime militar, como demonstrou Marcella Matos Ferreira, em sua pesquisa “Manifestações e atos dos movimentos estudantis de Serviço Social na luta contra o regime ditatorial no Brasil”, pelo departamento de Serviços Sociais da PUC-Rio. Por conta do burburinho social, o regime implantou em 13 de dezembro de 1968 o ato institucional n° 5, o AI-5, o ato mais sangrento da ditadura brasileira. 

Essas organizações também ganharam protagonismo em outras movimentações políticas no país, no movimento dos “Caras Pintadas” pelo “Fora Collor”, em 1992,  e nas ocupações de 2016, onde os estudantes reivindicavam, entre outras pautas, a contrariedade com o projeto de reformulação do ensino médio. Recentemente, os levantes estudantis ganharam outra importante página da história. Os chamados “Tsunamis da Educação” ocuparam as ruas de todo o país, em 2019, contra os cortes na educação, promovidos pelo Ministério da Educação. 

Importância

Moara Saboia, vereadora de Contagem-MG, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), é ex-presidente da UNE e relatou experiências de luta e pela legitimação do movimento. Ao falar sobre a luta contra a PEC do Teto de Gastos, ela relembrou: “Na luta contra a PEC do teto de gastos, eu estava como presidente em exercício da UNE e recebi várias mensagens do tipo: ‘Moara, a UNE não vai convocar a gente para Brasília?'”. Ela relatou que, nesse momento, sentiu a força do movimento, na medida em que os jovens necessitavam de uma convocação da UNE para se sentirem legitimados a ir para as ruas. 

Assim como Moara, Késsia Cristina Teixeira, presidenta da União da Juventude Socialista de Belo Horizonte (UJS-BH), relatou sobre a importância do movimento, e indicou como o movimento social mais avançado no Brasil: “com certeza, o movimento estudantil é o que há de mais avançado no movimento social brasileiro”. 

Formação social

Mônica Padilha Fonseca, mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), em seu estudo sobre “O Movimento Estudantil como Espaço Dialógico de Formação”, afirma que: “O movimento estudantil acaba cumprindo um papel de formação que é necessário ao ser humano, mas que é pouquíssimo valorizado nos espaços formais: o convívio com o outro. […] no movimento estudantil refletimos e vivenciamos o que é se relacionar com o outro, e não só nas relações políticas, mas no como se relacionar humanamente”.

Como uma grande arena de pluralidades, os movimentos estudantis têm como grande ponto a união de vários movimentos jovens, com suas ideologias próprias, se unindo por objetivo em comum, apesar de suas diferenças. Segunda Késsia, isso é possível pois no movimento não são pautadas apenas reivindicações da própria bolha social, e isso torna possível a expansão do diálogo. 

Moara concorda, e afirma que “todo mundo deveria passar pelo movimento estudantil”, para aprender a fazer política, no campo da pluralidade. Ela aponta essa importância para se desenvolver a capacidade de construir aliados, apesar das diferenças. 

Um dos focos do movimento está na formação de jovens secundaristas, como são chamados os estudantes do Ensino Médio. Deusdete Silva, presidente da União Colegial de Minas Gerais (UCMG), afirmou que “a partir do momento que está na escola, ele (o movimento) vem para debater dentro da escola pautas como papel fundamental”. Deusdete continua dizendo sobre a importância da discussão como desconstrução. Segundo ele, “com os braços cruzados a gente não vai ter um futuro”.

A formação social dos jovens é muito influenciada, direta ou indiretamente, pelas ações dos movimentos estudantis. Essas ações, começadas no início da juventude, leva para jovens a capacidade de entender o que se passa no mundo político. Deusdete afirma que ao levar essas pautas para as escolas, o movimento leva  ideias revolucionárias para estudantes que, muitas vezes, têm um contato mínimo com aqueles que regem as leis e mudam as vidas da população. 

Organização

A organização dos movimentos estudantis por muitas vezes é questionada, principalmente pela influência político-partidária dentro dos coletivos. Tendo como grande referência a UNE, as organizações se dividem por entidades estaduais, municipais e aquelas presentes em centros acadêmicos de cursos de graduação. Perguntada se há interferência política nas decisões, Késsia informou que por trás de todos os  movimentos existem lideranças partidárias, porém ela disse que: “Não existe autoritarismo, é tudo bem decidido coletivamente”.

Como uma forma de organização democrática, Deusdete informou que as decisões de saída para as ruas, por exemplo, vêm de decisões coletivas de vários movimentos. Segundo ele, cada entidade elege um representante para participar da cúpula que define as ações coletivas dos movimentos. Nem sempre as decisões são fáceis. Késsia informou que as reuniões podem durar mais de 5h, justamente pela pluralidade de pensamentos. Ela disse que muitas vezes diretrizes que vêm até mesmo dos partidos políticos, podem ser revertidas no entendimento das decisões dos movimentos populares. 

Atualidade

O governo atual dirige muitas críticas à juventude e aos movimentos estudantis. Como um dos principais focos dos cortes públicos, os setores da educação articulam desde 2019 a oposição ao governo Bolsonaro. Segundo Késsia, a juventude é a parcela da população que mais tem críticas ao atual governo, por serem os que assumem para si a responsabilidade do futuro. De acordo com a pesquisa do Datafolha do dia 9 de julho de 2021, 56% dos jovens de 16 a 24 anos reprovam o governo federal, média maior que a nacional, que foi de 51% da população. 

Com ataques principalmente às universidades públicas, o governo federal afeta um dos principais pólos científicos da América Latina. Segundo Késsia, a ofensiva é estratégica: “As universidades produzem conhecimento. Não é vantajoso, para um governo como este, ter que se deparar com universidades e escolas públicas que conduzem o senso crítico e estão atentos”.

Visto o retrocesso social, econômico e educacional vivido no Brasil nos últimos anos, os próprios movimentos estudantis sofrem baixas quanto ao número de militantes e queda na representatividade. Com necessidades de colocar comida na mesa de casa, muitos têm que escolher entre trabalhar ou militar. Moara alertou para essa mudança, ao comentar sobre a elitização do movimento no contexto atual: “Quem realmente tem tempo para se dedicar ao movimento?”. 

Conselhos

Muito ainda pode e deve ser feito e reivindicado pelos movimentos estudantis. Os entrevistados desta reportagem deixaram recados para os jovens de todo o país, representantes ou não dos movimentos estudantis. Confira:

Moara Saboia:

“A nacionalização do movimento é importante, mas nunca se pode esquecer o trabalho territorial dentro das nossas universidades. Para o jovem que não conhece, só vem, mesmo que discorde, vem por curiosidade, o congresso da UNE é uma coisa fantástica. Entre no site da UNE, se inscreva no congresso, conheça os coletivos. O movimento é uma escola muito importante que formou grandes atores públicos no Brasil. As realidades do país se encontram nesses espaços. Vem de peito aberto e, se não gostar, tudo bem. A retomada das ruas tem dado uma energia muito grande. Que a gente siga firme e cada dia conseguindo mais espaço.”

Késsia Teixeira: 

“O jovem pode atuar no lugar que ele estiver. É no cotidiano que a gente vai colocando a sementinha do Mao, de MAO, Mao Tse Tung. Vai ter tempo pra conversar no seu próprio espaço.” 

Deusdete Silva: 

“Que os estudantes possam se organizar. O pouco que temos hoje é porque, lá atrás, alguém lutou. Precisamos lutar para manter o que a gente tem e lutar por mais, para as próximas gerações. 

O histórico dos Movimentos Estudantis revela a importância dessas organizações para a garantia de direitos no país. Desde a ditadura militar até os dias de hoje, estudantes vão às ruas de todo o país para pressionar o governo e alertar a população. Jovens, revolucionários, indignados com as injustiças e dispostos a fazer a diferença, são os grandes atores sociais do nosso país. A valorização e a visibilidade desses movimentos é papel fundamental para o fortalecimento das instituições no Brasil. Não se constrói uma sociedade plena e justa sem garantia de direitos e sem conscientização. Esses jovens militantes estão dispostos a lutar e, como sociedade, é preciso ter disposição para estar ao lado deles e contribuir para sua valorização.

Em momentos de ataque às instituições, exemplos de organizações plurais e colaborativas são um fôlego de democracia para a população que sofre sob ameaça de interferência militar. Apesar dos cortes, das ofensas e das desvalorizações, o movimento estudantil resiste e continua nas ruas lutando pelos direitos da população.

In: https://lamparinaufop.wordpress.com/2021/08/22/a-importancia-dos-movimentos-estudantis-para-a-formacao-social/ 
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