Essência x aparência: novos tempos

No texto "O Espelho", de Machado de Assis, escritor realista do século XIX, a personagem Jacobina só se reconhece quando olha para o espelho e se vê fardado - índice de poder e prestígio social do seu contexto. O mais importante nesse universo é parecer e não ser.

Já no século XXI e fora da ficção machadiana, deparamo-nos com aqueles que se olharam numa câmera de meet (instrumento tecnológico utilizado demasiadamente em tempos pandêmicos) e não gostaram do formato do seu...NARIZ. Isso mesmo: uma parte do corpo que sempre conviveu com você, esteve ao seu lado (ou à sua frente) e nunca havia incomodado, passou a ser o grande vilão: as rinoplastias, cirurgias de correção do nariz, aumentaram inacreditáveis 4800%. Olhar para as câmeras em reuniões no home office pode ter sido o estopim para se dar conta dessa "imperfeição".

Mas a minha reflexão vai além: não estamos nos tornando um exército de "jacobinas" que só veem a aparência e se esquecem da essência? Não estamos valorizando aquilo que não tem importância e deixando de lado o que realmente merece atenção? O que nos move, de fato?

Cabe lembrar que a pandemia nos mostrou que tudo pode ser efêmero: os lugares mudaram, as pessoas se modificaram, os comportamentos são outros. Passamos por momentos difíceis e perdas irreparáveis, não sei se um nariz bonitinho pode trazer felicidade, mas se trazê-la, vale a tentativa.

Tudo isso me fez lembrar um texto do russo Nicolau Gogol cujo nariz abandona o rosto e decide ter uma vida independente. Embora faça parte do Realismo Fantástico, será que os nossos narizes não estão muito valorizados e tornando-se independentes de nós, não encontrando mais identificação com os corpos? O que nos identifica, de fato? O que nos difere dos outros, portanto? De qualquer maneira, sejamos donos de nossos próprios narizes.
Artigo de opinião 1
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