Caroline Mendes's profile

Resenha: Minha querida Konbini


Padrões sociais: seguir ou não?

Nem sei como começar esta resenha...

Começarei dizendo que o livro em questão é um romance de 152 páginas premiado pelo Gunzo de Novos Escritores, pelo Mishima Yukio, pelo Noma e pelo Akutagawa

Konbini ningen — nome original — foi o décimo romance de Sayaka Murata e vendeu mais de um milhão de cópias no Japão. Traduzido para várias línguas, inclusive para o português.

Assim como a Americanas ou a Havan, no Brasil, o nome Konbini refere-se a um tipo de loja de conveniência no Japão.

Um fato interessante sobre isso é que a autora japonesa teve uma experiência de trabalho, quando mais jovem, numa dessas lojas.

O que faz com que o romance reverbere uma situação extremamente realística.

Irasshaimasê!

Keiko Furukura — a personagem principal do livro — tem 36 anos e trabalha em uma Konbini como estagiária há 18 anos.

Por ser uma criança muito sincera e até mesmo considerada desajeitada, — um dia na escola, pelo fato de querer evitar uma briga entre dois meninos, deu com uma pá na cabeça de um deles, desmaiando-o —, sua mãe sentia-se envergonhada por tais eventos.

A partir disso, Keiko decide abdicar de qualquer posição e de tomar atitudes frente aos acontecimentos da vida para ser vista como “normal”.

Porém, trabalhar por hora em uma loja de conveniência há 18 anos, sem nunca ter aparecido com um namorado, faz com que essa normalidade seja questionada também.

Ela vai sendo empurrada pela sociedade, pelos amigos e pela família para se encaixar nos moldes sociais.

“Keiko, quando você vai arrumar um trabalho decente… e o marido? E os filhos?”

“Se as pessoas acham que alguma coisa é esquisita, sentem-se no direito de invadir essa coisa para descobrir os motivos de sua esquisitice. (…) Às vezes, as pessoas me importunam tanto que tenho vontade de bater nelas com uma pá para que parem, como fiz no primário.”

A personagem vive pela e para Konbini, sem se preocupar com os padrões sociais. Ela tem métodos rígidos de como se cuidar, comer e dormir para trabalhar da melhor forma possível na loja.

Keiko acredita que, ao seguir as regras de como dizer oi (Irasshaimasê), tratar os clientes, passar os produtos, organizar as prateleiras, falar como seus colegas e usar roupas parecidas, é parte da engrenagem social.

Paz, harmonia e normalidade… tudo isso é garantido na simbiose com a Konbini.  
Ao longo do romance, devido essas pressões sociais, ela se relaciona com um homem, Shiraha, que precisa também se esconder das regras sociais.

O período Jomon o irrita, como ele mesmo repete inúmeras vezes.

Shiraha não quer trabalhar, nem ver ninguém, apenas ficar dentro de casa, sendo sustentado e ajudando Keiko com o papel social de mulher casada, para que ela não seja mais vista como “estranha”.

A sinceridade pesada e grotesca em suas conversas, também é um ponto que chama muita atenção.

“Sinceramente, você é a personificação da ralé. Seu útero já deve ter passado da validade, e, com uma aparência dessas, você não serve nem para aliviar o desejo sexual de ninguém. Poderia compensar isso ganhando tanto dinheiro quanto um homem, mas também não é o caso. Longe disso, nem emprego fixo você tem, só trabalha como temporária, recebendo por hora. Sinceramente, você é só um peso para a aldeia, um lixo humano”. — Shiraha.

Nesses diálogos, Keiko geralmente responde: “Ah, entendi”. Ela não se preocupa com as avaliações e os ataques pessoais feitos a ela.

O importante é fazer parte da loja de conveniência. Só isso!

Keiko sai da Konbini para arranjar um emprego melhor, com carteira assinada e com mais estabilidade.

É nesse momento que ela morre. A autora mostra essa morte simbólica de uma forma excepcional.

Keiko não toma mais banho, nem cuida do corpo, nem sabe quando é dia ou noite. Ela perdeu a razão de viver...

Nas páginas finais, Keiko experimenta um tipo de epifania:

“ — Você não está entendendo. Sou uma funcionária, não importa se vão permitir ou não. Como ser humano, talvez  fosse melhor para mim ficar com você, pois meus amigos e minha família ficariam mais tranquilos. Porém, como animal “funcionário da Konbini”, não preciso nem um pouco de você.”

A partir desse romance, é possível perceber que há uma crítica severa à sociedade japonesa.

Viver nos padrões e ser infeliz ou ser o que você é e ser feliz? Qual preço você está disposto a pagar? Keiko preferiu ser quem é...

A autora é excelente e o trabalho que fez com a personagem Keiko é primoroso. É o tipo de livro que dá vontade de (re)ler.

Animais: é isso que somos. Movidos pelo mesmo, por crenças, rótulos, dogmas e por ideologias.

Gostou dessa resenha? Que tal ler o livro e deixar o seu comentário aqui?

Resenha: Minha querida Konbini
Published:

Resenha: Minha querida Konbini

Published: