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Joalheria como interface entre as pessoas e o mundo

JOALHERIA COMO INTERFACE ENTRE AS PESSOAS E O MUNDO​​​​​​​
Este projeto procura fazer uso da joalheria como interface e comunicação entre as pessoas e o mundo, isto é, utiliza a joalheria como meio de interação entre os usuários e as questões que os mesmos enfrentam cotidianamente, fazendo do banal da vida comum a inspiração e o objeto de estudo. 
O trabalho explora a relação entre as pessoas e a joalheria, principalmente seu valor como peça de utilidade prática e que supre desejos e necessidades, tendo como um dos objetivos explorar o potencial projetual da joia, levando em consideração a função prática que a mesma pode adquirir. 
Ao final das pesquisas sobre os temas citados, foram desenvolvidas 10 peças, cada uma tendo como inspiração um ato quotidiano humano, auxiliando possíveis usuários nessas questões.

This project seeks to make use of jewelry as an interface and communication between people and the world, that is, aims to use jewelry as a mean for interaction between users and the issues that they face daily, making the banal of ordinary life the inspiration and the study object.
The work explores the relationship between people and jewelry, mainly its value as an utilitarian piece, that fulfills desires and needs, having as one of its objectives to explore the projectual potential of jewelry, taking into account the practical function that it can acquire.
At the end of the research on the aforementioned themes, 10 pieces were developed, each inspired by a daily human act, helping possible users in these matters.

“The ring, man, the ring: that was what he came back for. If we
have no other way of catching him, we can always bait our line
with the ring.”
A Study in Scarlet – Arthur Conan Doyle (1887).

O ser humano não tem tempo. Precisa chegar ao trabalho, não pode se atrasar para a reunião, não pode perder o ônibus, não pode esquecer o almoço na casa da avó, tem que escrever aquele artigo, precisa ligar para o chefe, tem 15 minutos para almoçar, precisa dar atenção ao gato, precisa achar uma brecha no dia para terminar aquela costura. 
O mundo é cheio de informações: sonoras, táteis, visuais, olfativas, gustativas. A TV está ligada, enquanto o cachorro do vizinho late. O telefone toca, um e-mail chega. Na rua, um carro buzina, um homem grita. A chaleira no fogão chia, o chuveiro pinga. As crianças brincam, os sapatos de salto fazem “toc toc”. No ônibus,
o motorista liga o rádio enquanto a moça no banco de trás grita para fazer-se ouvida pela senhora ao lado. O carro freia bruscamente, os pneus cantam, pessoas tentam segurar-se às barras do ônibus, algumas também seguram seus livros.
O ser humano tem medo. Sair de noite é perigoso, Júlia foi assaltada semana passada. O jornal noticia mais um caso de violência contra a mulher. Um jovem intimida uma moça, que tenta correr. Já são 22h, hora de trancar toda a casa e nem pensar em sair na rua. É preciso estar sempre de olho nos pertences pessoais. Não solte o celular em qualquer lugar, cuidado com a bolsa, deixe sempre à vista.

O interesse pessoal pelas questões acima, surgiu da certeza de que a joalheria existe no mundo por motivos muito mais profundos do que normalmente se percebe, e de que a mesma pode intervir e até solucionar problemas. Muitas das ações acima descritas são realizadas e vividas diariamente pelas pessoas, e relacionam-se com o corpo e com a mente do ser humano. Assim também é a joalheria, se relaciona com o físico e com o emocional, e por isso, pode servir de interface a questões ligadas a esses dois meios. A vivência como ser humano, que como qualquer outro, passa por pequenos problemas diários, e como designer, que muitas vezes se propõe a solucionar determinados problemas, fez chamar a atenção mais profundamente aos atos banais e problemas recorrentes, aqueles que as pessoas vivem diariamente mas não dão o devido valor a ponto de tentar solucioná-los. O momento que se descobre que as joias poderiam auxiliar nessas questões banais diárias, é o mesmo momento em que se percebe que, assim como as roupas, as joias são as “coisas” mais próximas do corpo humano que se pode ter, quase fazendo parte dele. Assim, se os seres humanos usam o corpo para passar pelas questões, problemas e situações do dia a dia, nada mais justo que tente-se intervir nesses aspectos utilizando uma extensão do corpo, nesse caso, a joalheria.
Há um imenso número de pessoas que utiliza os transportes públicos todos os dias, algumas delas, passam horas em viagens diariamente. Durante esse tempo, muitos utilizam smartphones constantemente, mas alguns tiram esse tempo para ler. Ye (2020), diz que não possuía o costume de ler no transporte público, e que sentia que as duas horas em que passava dentro do ônibus todos os dias eram um tempo perdido. Ye (2020) considera que ler no ônibus pode ser difícil muitas vezes, porém, ainda assim vale a pena: “Eu nunca consigo ir sentado no trem, então me sento nas escadas, e quando não consigo, seguro o livro bem forte enquanto o trem balança de lado a lado. Não é a maneira mais confortável de ler, você até pode dizer que é desconfortável. Mas não há outra opção. Sem os livros, minha viagem é entediante." 
Shah (2020) afirma que, na sociedade contemporânea, milhares de coisas competem pela atenção das pessoas a todo o momento, e, no meio de tudo, ler um livro as vezes é considerado um luxo. Ela acredita que disso surge a preferência por ler no transporte público, pois a pessoa é obrigada a estar “perdendo aquele tempo” na viagem, ou seja, ler um bom livro durante esse tempo em que não se pode fazer coisas “mais úteis” não traz tanto o sentimento de culpa por estar aproveitando um hobby.
Depois de observações sobre o ato da leitura, sobre as questões apresentadas acima e sobre o fato de que, muitas vezes, o momento da leitura ser um momento de prazer em que as pessoas gostam de relaxar na companhia de uma bebida quente, surge uma peça que possibilita que o usuário possa ficar com uma mão livre
enquanto lê. Isso possibilita que, com a outra mão, se possa agarrar uma xícara, uma caneca, etc. Idealmente, a peça planejada permite a leitura com apenas uma mão, e também serve como um anel de uso diário.

Essa peça surge a partir da observação da necessidade que algumas pessoas tem do silêncio para poder concentrar-se. Seres humanos são constantemente estimulados por informações sonoras. Buzinas de carro, cachorros latindo, pessoas conversando, rádio ligado, televisão ligada, alarme de carro disparando, sapatos batendo no chão, tosses e espirros, pessoas mastigando, páginas de papel sendo viradas, cliques de computador, toques de celular, gota de água pingando do ar condicionado.
Há muitas pessoas que tem problemas graves de concentração em ambientes com barulho, ou seja, praticamente todos os ambientes em que os seres humanos são inseridos na sociedade atual. Essa peça surge da necessidade de criar algum alívio para todo esse caos sonoro que as pessoas vivem.

Idealmente, a peça é um brinco que funciona como uma espécie de abafador de ruídos externos, podendo ser utilizado como um brinco comum com função de adorno ou em posição que permita abafar ruídos. O brinco, por já ser utilizado na orelha, parece a tipologia de joia mais adequada para esse fim.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em 2017 mostrou que, em 2016, 503 mulheres foram agredidas por hora no
Brasil, isso significa que 4,4 milhões de brasileiras sofreram agressão. 39% das agressões acontece na rua, 5% no trabalho e 5% em festas.

Por causa desses dados, surgiu a ideia da criação de um objeto de defesa pessoal discreto e fácil de utilizar. No Brasil, muitas jovens mulheres tem o costume de andar com as chaves nas mãos, colocando cada chave entre os dedos. Esse costume surgiu em decorrência de, na eventualidade de um ataque, as mulheres poderem ter a possibilidade de se defender utilizando as chaves como objeto de defesa pessoal, pois as pontas das mesmas ficam viradas para o exterior das mãos.
Foi idealizada uma peça que funcionasse não apenas como “arma”, mas como joia, e que pudesse ser utilizada a todo momento, como qualquer outra peça de joalheria. Essa peça, idealmente, não teria nenhum mecanismo que pudesse dificultar uma ação rápida, e, em seu uso quotidiano, se pareceria com um anel como outro qualquer.
Um grande número de mulheres utiliza bolsas diariamente. Não raramente, quando vão a algum local no qual desejam soltar a bolsa, não encontram uma maneira apropriada de fazê-lo. Um grande exemplo disso é a ida a restaurantes. As mulheres acabam por, normalmente, prender as bolsas na guarda da cadeira, o que pode não ser uma boa escolha, já que a bolsa fica vulnerável a possíveis furtos. Além disso, dependendo do formato da guarda da cadeira, não permite que a alça da bolsa fique acomodada sem cair. Também não é comum que as pessoas soltem suas bolsas no chão, e é bastante raro achar ganchos ou outros dispositivos para pendurar as bolsas, como se encontra mais comumente em portas de banheiros, por exemplo.
Em decorrência dessas observações, imaginou-se a possibilidade de criação de uma peça que o usuário pudesse portar sempre consigo. Notou-se a oportunidade de criação de um bracelete que servisse, também, para pendurar bolsas. A peça seria usada como um bracelete como outro qualquer, e, quando necessário, o usuário retiraria o objeto do pulso e o colocaria na borda de uma mesa, por exemplo.
Os seres humanos vêm furando o lóbulo de suas orelhas há muitos milhares de anos. Em muitas culturas, principalmente nos países latino-americanos, é comum que, quando o bebê é do sexo feminino, já se fure as orelhas logo ao nascer. Essa prática diz facilitar a diferenciação entre bebês meninos e meninas, e também evita que a criança sinta medo de furar as orelhas, o que pode acontecer se for deixado para realizar o furo com a menina já crescida. Essa prática é bastante polêmica, e há pessoas que defendem que uma mutilação sem consentimento pode gerar traumas.
Há também pessoas que possuíam o lóbulo da orelha furado, e, por algum motivo – seja pelo uso de brincos muito pesados ou em decorrência de algum acidente – acabaram por “rasgar” o lóbulo onde se encontrava o furo. Muitas dessas pessoas, para que possam utilizar brincos novamente, têm de passar por uma pequena cirurgia na qual a laceração é costurada. Há pessoas que não desejam passar por esse procedimento, e, por isso, ficam impossibilitadas de utilizar brincos.
Levando essa questão em consideração, e percebendo que há pessoas que gostariam de usar brincos mas que não tem as orelhas furadas – seja por medo da dor, seja por simplesmente optar por não furá-las – pensou-se na possibilidade da criação de um objeto que permitisse a pessoas que não possuem furo nos lóbulos a possibilidade de utilizar brincos. Esse objeto iria permitir o uso desses acessórios sem a necessidade da agressão de realizar um furo na orelha. Para resolver esse problema, foi pensado em uma peça em que o metal fosse furado, e ali o usuário poderia encaixar brincos do tipo “gancho” ou “anzol”.
Almofadas de alfinete são itens extremamente comuns para quem costura. Surgiram por volta de 1700, e, nessa época, os alfinetes eram itens caros e não tão disponíveis quanto nos dias de hoje.
A ideia para essa peça surgiu de uma conversa com uma costureira sobre as almofadas de alfinetes citadas. A costureira relatou que as almofadas que são produzidas para ficarem sempre sobre a mesa não são muito práticas pois muitas vezes a pessoa esquece das mesmas na superfície quando se desloca a outro local. Já as almofadas para serem usadas nos pulsos como pulseira, as vezes dificultam os movimentos, além de facilmente ficarem presas a outros objetos ou aos tecidos. Levando essas questões em consideração, pensou-se na possibilidade de criar uma peça que servisse de porta alfinetes e que não apresentasse esses mesmos problemas. Assim, começou-se o projeto de um pingente, que, por ficar preso ao pescoço e não aos braços, não impedisse a mobilidade da costureira. Além disso, os alfinetes serviriam como componentes ativos da peça, modificando sua aparência consoante aos locais onde, no colar, a costureira escolhesse “espetar” os mesmos.
Atualmente, uma grande parte da população utiliza fones de ouvido diariamente. Os gadgets, especialmente os desenvolvidos para escutar música, tornaram-se uma das maneiras preferidas das pessoas passarem o tempo, e são, atualmente, companhias presentes no dia a dia das mesmas. Na rua, é possível notar inúmeras pessoas utilizando fones de ouvido.
A partir de observações da utilização de fones de ouvido, percebeu-se duas questões. Primeira: grande parte das pessoas utilizam os fones conectados aos seus smartphones em seus bolsos, com os fios subindo o peito pelo lado de fora da camiseta.
Isso faz com que o fio fique, muitas vezes, balançando de um lado a outro, e, não raramente, prenda-se a outros objetos ou fique preso em maçanetas, cadeiras, etc. Segunda: muitas pessoas usam os fones de ouvido na rua, e, ao terem que comunicar-se com outras ou prestar muita atenção a alguma coisa, por exemplo ao entrar em uma loja, rapidamente jogam os fones por cima do ombro, ou enrolam os mesmos e colocam de qualquer jeito nos bolsos, ou até mesmo seguram-nos com a
boca. Isso porque, assim que terminado o contato com outras pessoas ou qualquer atividade que exija maior atenção, o usuário retornará rapidamente a escutar música, não fazendo sentido guardar os fones de maneira adequada e depois “perder tempo” ao procurá-los, conectar os mesmos no smartphone novamente, e recomeçar a escutar música.

Levando em conta esses cenários na utilização desses objetos, pensou-se em uma peça que permitisse que o usuário utilizasse os fones de maneira mais cômoda, podendo ficar livre do problema do fio ficar tão solto no corpo, e da falta de uma maneira de soltar os fones e depois rapidamente poder recuperá-los para utilizá-los novamente. Assim sendo, se conjecturou a possibilidade da criação de um broche, que ficasse sempre preso à roupa e que pudesse ser utilizado como uma peça de joalheria diária, mas que também funcionasse como uma espécie de “porta-fone”, de maneira a evitar os problemas já citados.
No final do ano de 2019 o mundo se deparou com a notícia do começo da pandemia de coronavírus que causa a doença denominada de COVID-19. O vírus se espalha, principalmente, através de gotículas de saliva de uma pessoa contaminada que entra em contato com outra pessoa. Por essa razão, foi recomendado mundialmente o uso de máscaras faciais. A princípio, as máscaras eram recomendadas e utilizadas apenas por indivíduos já contaminados para que a doença não se propagasse a outros. Porém, no começo de 2020, chegou-se à conclusão de que o uso por pessoas que não apresentaram sintomas
também se fazia necessário, afinal a doença pode ser assintomática para alguns seres humanos.
Devido aos longos períodos de tempo de utilização das máscaras pelas pessoas, muitas têm se queixado de dores atrás das orelhas, no local onde os elásticos das máscaras fazem pressão. Surgiram na internet em outros meios de comunicação,
diversas dicas compartilhadas por pessoas sobre como aliviar essas dores nas orelhas. Muitas dessas dicas sugeriam adaptar outros objetos do dia a dia como prendedor para as máscaras.

Levando em consideração as questões apresentadas, pensou-se na possibilidade de criação de um objeto para solucionar esse problema que não fosse utilizado apenas quando o usuário estivesse de máscara, mas também como joia. Surgiu a ideia da concepção de uma presilha de cabelo, acessório que, por situar-se na cabeça, parece a tipologia mais adequada para esse fim.
Idealmente a peça deveria ser leve, e permitir ao usuário algum tipo de graduação, para que o mesmo pudesse utilizar a máscara mais ou menos justa ao rosto.

A necessidade de fazer medições sempre existiu, desde que os seres humanos habitam a terra. Antigamente, haviam diversos sistemas de medição, diferentes e adaptados para cada povo. Esse fato causava muitos problemas, pois não havia uma unificação para que os povos pudessem comunicar medidas entre si com precisão. Por isso, por volta de 1790, durante a
Revolução Francesa, foi criado o sistema métrico decimal. Atualmente, as pessoas utilizam medidas em seu dia a dia constantemente: meio litro de leite para fazer a receita, 3 mil litros de água para encher a piscina das crianças, o cabo carregador do celular precisa ter 2 metros para que alcance da tomada até a cama, o varal precisa ter 80 centímetros para caber no vão da parede da lavanderia. Pessoas medem coisas o tempo todo, as vezes as medidas necessitam ser muito precisas, as vezes nem tanto. Levando esse fato em consideração, pensou-se na possibilidade da criação de uma peça que ficasse sempre à mão, e que permitisse ao usuário fazer pequenas medidas rápidas, criar paralelismos, ter uma referência
de tamanhos, ou mesmo perceber um intervalo de medida.
Devido à tipologia da peça, por estar sempre nas mãos, foi definido que a peça seria um anel, e que deveria permitir ao usuário fazer mais de uma medição. A lateral da peça possui uma polegada, a adição em vermelho possui 1 centímetro e os recortes laterais medem milímetros. Além disso, é possível perceber o ângulo reto com o vértice do anel.

Muitos músicos de instrumentos de corda utilizam palhetas para tocar suas músicas. Há disponíveis no mercado
diversos tipos de palheta, que variam em material, espessura e formato, cada uma adequada a um estilo musical, instrumento ou ao gosto pessoal. Normalmente a escolha do material da palheta varia com o gosto pessoal do músico, mas os materiais mais comuns para produção de palhetas são os metais, os plásticos do tipo celuloide, e, antigamente, os cascos de tartaruga.
Muitos músicos não tocam com palhetas, mas deixam suas unhas crescerem ou até mesmo utilizam unhas postiças para que as mesmas funcionem como se fossem palhetas, porém, há quem ache essa uma prática não muito higiênica, além de as unhas desgastarem-se mais rapidamente que as palhetas comuns.

Além das palhetas comuns mais conhecidas, existe outra categoria de palhetas chamadas de “dedeiras” em português do Brasil. Essas palhetas são utilizadas acopladas nas pontas dos dedos, simulando uma unha. Essas palhetas, por estarem presas às mãos, quase não escorregam nos dedos como as palhetas comuns.
Um problema recorrente com quase todos os músicos que utilizam palhetas é o sumiço das mesmas. Por ser um objeto pequeno e muito manuseado, é facilmente esquecido ou perdido, e, isso é tão comum de acontecer que se criaram na internet contos e lendas sobre os sumiços das palhetas.
A partir de histórias contadas sobre as palhetas frequentemente se perderem, e tendo a noção de que já existem alguns tipos de palhetas que se prendem aos dedos, as dedeiras, pensou-se na possibilidade da criação de uma dedeira semelhante a essas existentes mas que pudesse permanecer nas mãos mesmo enquanto o músico não está tocando o instrumento, como um anel.
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