Tamuia
2021
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Tamuia.
Já tentaram me calar muitas vezes, de tantas maneiras que não consigo mais diferenciar o que é físico ou psicológico
Já tentaram me silenciar várias vezes, nem sei se foi antes ou depois que os alienígenas chegaram neste mundo
Às vezes me pergunto, quantos mundos ainda existem lá fora
Se mais que estes dois que já chegaram, que invasão ainda estão por vir
E que fins de mundo eles trazem
Não raramente imagino alienígenas melhores que estes que já estão aqui
Quantas naves ainda chegarão no No nosso porto, meu filho?
Quantas formas de nos subjugar eles ainda possuem?
Quando os vimos surgir no limite entre o céu o mar
Ficamos impressionados, eram os deuses astronautas
Quantas novidades trouxeram, preparamos boa recepção
Logo depois o mundo desabou, a farsa fora mostrada
Não eram deuses, era invasão alienígena
Descobrimos que o mundo deles havia se esgotado
Por sua própria ganância, e que estavam atrás de colonizar outros mundos
O nosso não foi o primeiro a ser invadido, descobrimos depois que outros já haviam
Sido visitados e depois traídos por estes mesmos alienígenas
Que hoje querem minha cabeça de exemplo pro resto dos nossos parentes
Meu nome e rosto estão em todas as aldeias
Nossa resistência é antiga, tamuia
Antes de mim, de nós
Procura-se: Cunhambebe, o terror dos portugueses
Recompensa e lealdade do Rei a quem tiver informações
Insurgência, selvagem insubordinado
O que eles me acusam, meu filho, não nego
O que eles e seu deus chamam de selvageria
Eu chamo de legitima defesa
Muitas vezes tentaram me calar
E os calei antes da bala me acertar
Muitas vezes tentaram me parar
E eu fui a tormenta que os naufraga
Escuta: eu mostrei para estes pálidos alienígenas
Que não me tremo à morte, mas à fuga
Eu estou no nosso território
No mundo que nosso povo nos deu
No mundo que minha mãe e avó
Criaram para nossos parentes
Porque haveríamos de ter medo
Dentro de nossa própria casa?
Não sei se minhas cicatrizes
Começaram antes ou depois da chegada dos alienígenas
Só sei que fazem parte de mim, como traumas de guerra
Aprende: a fuga não é uma saída, é preciso quebrá-los
Estas naves que deslizam como o vento sobre o mar
Estas armas que cospem trovão e raios
Estas couraças que repelem setas
São representações de suas próprias fragilidades
Sei que sangram, sentem dor, fome e frio
Sei que o sabor de sua carne é doce
Não há o que temer
É preciso jogá-los de volta ao mar
Para que voltem ao seu mundo
E nunca mais voltem
Eu tomei um pouco deles
Para aprender sobre o inimigo
Tenho medo que depois de tanto tempo
Eu acabe me tornando como eles
Para sempre
Por isso estou aqui
Não há mais o que fazer
Ouvir dizer que tomaram
Yperoig, Paraty, Araruama, Gecay
Piratyoca, Guanabara e Nitheroy
Sabe: Não estou seguro
Se eu morrer aqui
Meu espírito espera lutar ainda
Ao lado dos nossos companheiros
Aimberê, de Uwa-Ttybi
Pindobuçu, de Iperoig
Koaquira, de Uyba-Tyba
Guayxará, de Taquarassu-Tyba
E que meu espírito no além
Possa encontrar quem traiu nosso povo
E farei um banquete no outro mundo
Moquém de carne parente e de alienígena
Dizem que já devorei cerca de sessenta deles
Mentira, nenhum desses que escreveram
estavam comigo o tempo todo
Eu não sou um homem
Sou onça
Por várias vezes
Tentaram me calar
Tantas maneiras
Tentaram me subjugar
Estou preocupado com algo
Noutra nave
De alienígenas de outro mundo
Chegou uma doença
Que não conhecíamos
Chamam de pandemia
Perdemos vários parentes
Aldeias estão em perigo
Agora além de fogo e pólvora
Espíritos invisíveis
Doenças de alienígenas
Nos matam
Sem chance de revide
Por isso decidi, meu filho
Quero morrer lutando
Por mim e pelo meu povo
Não quero partir
Sem saber o que me atingiu
Eu sou onça
Quero olhar nos olhos de quem me ferir
Para assombrá-los de outro mundo
Não só uma vez
Quiseram me cansar
Eu não sou um homem
Sou onça
E agora
Eu me cansei deles
Estou pronto
Quero partir como nasci
Sem lei, sem fé e sem rei
Sou yawareté
E quando lembrarem do meu nome
Cunhambebe!
Lembrem-me não como um homem
Mas como onça
Eu não sou um homem
Sou onça