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Reportagem: O que você precisa saber sobre o Feminismo

O que você precisa saber sobre o Feminismo
O Movimento Feminista ainda é muito necessário e há muito que ser feito
Reportagem feita em 2018 durante o curso de Jornalismo. Por Alessa Ribeiro e Cristina Basílio.
O Feminismo existe desde o século XIX, mas provavelmente, você só tenha ouvido falar nesse movimento repetidas vezes nos últimos anos. O termo apareceu na TV, nas premiações de cinema, em campanhas publicitárias e principalmente nas redes sociais, onde é discutido diariamente e virou uma ferramenta para alcançar mais mulheres. 

Em um questionário, respondido por 1,5 mil mulheres, elaborado pela área de Pesquisa e Inteligência Abril em parceria com a MindMiners, 25% das participantes declararam não se identificar com o movimento em nenhum momento, 47% declararam que apenas às vezes se veem representadas e 42% ainda acreditam que feminismo é o oposto de machismo, mostrando a falta de informação sobre o assunto.

O Movimento Feminista ainda é muito necessário e há muito que ser feito e esclarecido, por exemplo, promover mais diálogos, desconstruir estereótipos, derrubar mitos, denunciar abusos e diminuir a recusa de algumas mulheres em participar.

A socióloga, educadora e feminista, Luciana Brauna Batista, esclarece que a identidade de gênero vai se construindo ao longo da vida e desde a infância as mulheres assumem os “papéis de gênero” que a sociedade patriarcal de maneira naturalizada impõe como visão de mundo. “Essa normatização dos papéis de gênero é o que faz com que mulheres pouco familiarizadas com o feminismo reproduzam o machismo e até mesmo se coloquem contrárias ao movimento”, explica.

Para a estudante de Jornalismo e feminista, Maria Luiza Gonçalves Dias Rodrigues, de 20 anos, aproximar-se do movimento mudou sua forma de pensar sobre suas próprias atitudes, “Coisa que antes eu fazia, ou que não lutava por, hoje eu penso muito diferente graças ao movimento. Não vou ser hipócrita e dizer que nunca fui machista, que nunca julguei uma mulher por, simplesmente, ser mulher e estar fazendo determinada coisa. Mas, ao mesmo tempo, me orgulho de dizer que mudei e que hoje, se eu valorizo e defendo as mulheres sempre, com unhas e dentes, é por ter me aproximado do movimento”.

VERTENTES DO FEMINISMO

Existem vários tipos de correntes dentro do Feminismo com visões e posicionamentos diferentes. O Movimento é muito diversificado e está em constante construção, pois nenhuma mulher é igual à outra, cada uma carrega o machismo de um modo em sua vida. O mais importante dessa luta é que ela acontece por todas essas mulheres, cada uma com sua “bagagem”. “As correntes oferecem diferentes olhares e saídas para o machismo vigente. No entanto, todos trazem em seu bojo a necessidade de combater a opressão de gênero e como eles incidem na vida privada e pública das mulheres”, pontua Luciana.

As pautas feministas precisaram se organizar ao longo da história, pois enquanto uma mulher branca, de classe alta, lutava por direitos iguais, as negras lutavam por direitos básicos. Dentro do Feminismo havia essa necessidade de estudar separadamente as questões de cada grupo específico. “Me considero parte do Feminismo Negro, pelas minhas vivências que são diferentes das mulheres brancas, como por exemplo, a questão da estética. Mulheres brancas sempre tiveram mais representatividade”, conta Emely Daiane Gomes Ribeiro, de 20 anos, Feminista Negra e participante do Slams, movimento poético sobre política e causas sociais de São Paulo.

As divisões – chamadas vertentes feministas – representam uma organização em torno das ações de um determinado grupo, integrando nas análises feministas todas as questões que definem quem somos na sociedade. Afinal, uma mulher transexual e uma mulher branca, por exemplo, possuem necessidades diferentes. “Esta necessidade se dá justamente a partir do entendimento de que a sociedade é desigual e estratificada”, explica Luciana.

O QUE AS FEMINISTAS DEFENDEM?

 “Grosso modo o movimento propõe a igualdade de direitos e condições de vida para as mulheres como versa a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, responde Luciana.
Não é possível definir uma pauta única para o movimento, já que existem várias vertentes dentro do Feminismo e cada uma defende sua luta, mas de modo geral, a igualdade e libertação da mulher são pautas que elas possuem em comum. “Nós defendemos a igualdade entre gêneros. O fim do desrespeito e discriminação com mulheres por, simplesmente, serem mulheres. Ninguém quer superioridade, nós queremos igualdade, equivalência. Nós não viemos ao mundo de forma diferente dos homens, não temos nada a mais nem a menos. Não temos porque ser inferiorizadas, injustiçadas e maltratadas por sermos mulheres”, esclarece Maria Luiza.

Mesmo depois de séculos lutando as mulheres ainda precisam do Feminismo. “Ainda temos muito que lutar e resistir. Já conquistamos muitos direitos como o voto, legalização do aborto em casos de estupros, a lei Maria da Penha, entre outros. Mas, ainda temos que lutar contra a cultura do estupro, o machismo no cotidiano, igualdade de salários, entre várias outras coisas”, explica Emely Daiane.

Segundo o Mapa da Violência de 2015, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos: ocupa a quinta posição em um ranking de 83 nações. É por essa e muitas outras situações que as mulheres não podem se calar. “O feminismo é o que nos dá voz, é o que nos faz ver que podemos, sim, mudar as coisas, como já mudamos muitas. Se hoje nós votamos, trabalhamos e, até mesmo, usamos calças jeans, é porque uma mulher, lá atrás, não se calou”, argumenta Maria Luiza.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Mulheres sofrem todos os dias com assédio, estupro, tortura, violência psicológica, agressões por parceiros ou familiares, exploração sexual, perseguição, feminicídio. As violências acontecem em casa, no trabalho, na rua e ainda existe a culpabilização da vítima, o que torna toda denuncia mais difícil.

O machismo mais velado é o do cotidiano que ainda persegue incontáveis mulheres. Por acontecer repetidas vezes, as pessoas acabam enxergando como algo normal àquilo que é inaceitável. “Eu estava em uma balada, andando, e um homem que eu nunca vi na vida, simplesmente me deu um tapa na bunda, porque me achou “gostosa” e porque o vestidinho “provocou” ele”, conta a estudante de Administração, feminista, Adriana Bitencourt da Silva, de 19 anos. “Sinceramente, acho que agressão psicológica todas nós mulheres sofremos, sempre. Mesmo sem perceber. Seja na simples fissura de ter um corpo, cabelo e rosto perfeito, dentro dos padrões ainda impostos pela sociedade ou por simplesmente ouvir um “delicia” na rua”, continua.

Relacionamentos abusivos, por exemplo, ocorrem com frequência e também se encaixam na questão do que é considerado “normal” pela sociedade. Muitas vezes a violência psicológica é confundida com excesso de cuidado e ciúme, o que pode dificultar o reconhecimento da situação de abuso. Segundo a Day Onde, uma organização norte-americana sem fins lucrativos, dedicada ao combate de abuso sexual e apoio as vítimas, o relacionamento abusivo é um tipo de violência doméstica caracterizada por um padrão de controle e por comportamento violento em relacionamentos ocasionais ou sérios.

“Acho que a coisa mais complicada que eu já enfrentei na minha vida, até hoje, foi um relacionamento abusivo. Só quem passa por um tem noção do dano que isso deixa dentro da gente. Hoje estou bem, mas sei que fiquei danificada, traumatizada e insegura. E, eu acho, que se alguma mulher desconfia que esteja em um, ela tem que pedir ajuda. Não tem que ter vergonha, não tem que ter medo de ficar sozinha. Porque eu tive. Eu sabia que estava em um, mas mesmo assim, aguentei sozinha por anos. E isso não foi saudável e me trouxe consequências que poderiam ter sido evitadas. Então, eu acho importante demais reforçar para as mulheres que estão infelizes em um relacionamento que nós não precisamos de ninguém. De homem, de mulher, seja o que for. O relacionamento abusivo é uma situação horrível e que, na maioria, nós, mulheres, somos as vítimas. É importante sabermos que não estamos sozinhas e que isso deve ser falado. Como toda outra forma de abuso ou desrespeito. Ninguém é obrigado a sustentar nada sozinho. E é pra isso que temos o feminismo: pra gente se cuidar”, desabafa a estudante Luciana*.

No ambiente de trabalho mulheres sofrem todos os tipos de agressões, além de não possuírem os mesmos direitos dos homens e o salário igualitário. “No meu primeiro emprego, fui contratada como assistente administrativa e meu chefe me disse que contratou mulheres apenas porque elas sabem fazer faxina”, comenta Adriana. Situações desconfortáveis e constrangedoras vindas de chefes são frequentes. “Infelizmente, meu ex-chefe sempre vinha com beijo no rosto indelicado, querendo abraçar, e eu me sentia incomodada com aquela situação”, diz Emely Daiane.

Maria Luiza conta como foi julgada simplesmente por ser mulher em uma empresa onde trabalhou, “Era “chão de fábrica” mesmo, portanto era um ambiente predominantemente masculino. E machista. Eu tinha dois amigos e nós éramos um trio muito unido. Estávamos sempre juntos e nós dávamos muito, muito bem. Porém, aos olhos dos demais funcionários, a minha fama era de que estava interessada nos dois e que eu tinha um caso com ambos. E, mesmo depois que eu saí de lá, essa fama continuou. E, pra mim, um dos maiores problemas do machismo na minha vida é, justamente, eu não poder sustentar uma amizade com homens sem ser mal falada. Só por ser mulher”.

* Nome fictício.

POR QUE É IMPORTANTE SER FEMINISTA?

As feministas lutam de acordo com suas especificidades, mas isso não significa que dentro do movimento não há união entre elas, pelo contrário, a Sororidade, termo que define a solidariedade, união e empatia entre as mulheres, é fundamental para o movimento, pois quanto maior a aliança entre as mulheres, mais forte o movimento se tornará. Para Adriana as mudanças significativas só acontecem se as mulheres estiverem unidas, “O movimento feminista é importante pelo simples fato de estarmos lutando pela nossa igualdade na sociedade. Não é o gênero que vai decidir algo. É a nossa capacidade. O feminismo é um movimento em que as mulheres provam que são capazes, sim, de mudar muita coisa e que não precisam de uma figura masculina para isso. Mostra o quão forte podemos ser juntas. Nós precisamos do movimento feminista, porque se não formos nós, mulheres, fazermos algo para mudar a sociedade, quem irá fazer?”.

Um assunto com tamanha projeção como Feminismo não deve se tornar “batido”, não enquanto houver mulheres morrendo e sofrendo pelo machismo. “Nós temos que nos unir, sempre, pra mudar a situação. Não é possível que as mulheres, num geral, estejam satisfeitas com a qualidade de vida que a gente tem, com a segurança. É incômodo e visivelmente desigual nossa vivência se comparada a dos homens. Nós temos os mesmo direitos apenas na teoria, mas na prática nada disso funciona. [...] Então, mesmo que a gente não mude para a gente, para a nossa geração, que a gente se una para mudar para as nossas filhas, netas, bisnetas. O importante é jamais abandonar a luta”, ressalta Maria Luiza.

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