Athos Paulo, 70 anos, repete, há 20 anos, a mesma rotina todos os dias, como se batesse um cartão de ponto.
No fim da tarde se barbeia, a senha para entrar na pele de seu alter ego, o palhaço Chumbrega. A barba precisa, sim, estar sempre muito bem feita, pois as crianças percebem as imperfeições. A maquiagem, simplória, é feita ali mesmo, no trailer. Com o auxílio de um retrovisor de automóvel, Athos aplica a tinta branca nas bochechas para depois salpicá-la com uma pitada de vermelho, para dar uma cor.
Durante o dia, Athos cumpre os afazeres de casa. Gosta de cozinhar e mantém sua moradia em ordem. O trailer em que mora tem o tamanho de um ônibus, um pouco mais, um pouco menos. São três cômodos completos: um quarto, um banheiro e a sala/cozinha, que é onde Athos passa a maior parte do tempo. A televisão fica no para-brisa, posicionada em cima do micro-ondas, de forma a ser vista de qualquer parte do trailer. A energia elétrica é ligada na rua e quem paga a conta é o dono do circo; a água é compartilhada entre todos.
Cavaletes ajeitados do lado de fora do trailer são usados para secar as roupas lavadas na máquina de lavar. O circo tem cozinha comunitária, mas ele também gosta de preparar suas refeições. Athos gosta de morar no trailer, sempre na estrada. Mesmo depois de se aposentar, ele não vai largar a vida de circo Se for viver sozinho vai viver triste, por isso prefere ficar e viajar com o pessoal do circo. Ele gosta muito desse ambiente.
O hábito de passar a vida na estrada é herança de família. Os avós vieram da Áustria para fugir da Primeira Guerra Mundial. Sempre foram circenses, assim como seus pais e, agora, seus três filhos, dois homens e uma mulher. Observou muito o pai no circo e aquilo o fascinou. Entrou no picadeiro com seis anos, fez trapézio, acrobacia, teatro e, de 20 anos pra cá, virou palhaço. E passou a paixão para a família.
Só um dos filhos trabalha direto com ele. Os outros dois – a filha e o rapaz do meio – estão cada um em um canto com o circo pelo país. O bisneto, recém-nascido, irá pelo mesmo caminho. Ele tem certeza disso.
Depois de maquiado, Chumbrega vai para os fundos do circo, onde construiu uma pequena cabana. Lá, escolhe as roupas que irá usar e se prepara para a apresentação. Pronto, Chumbrega junta seus fantasminhas - marionetes de R$ 10 que ele mesmo faz e vende - e vai para a entrada principal complementar a renda.
Chumbrega e Athos não existem ao mesmo tempo. Quando um entra em cena, o outro precisa desaparecer. Quando as luzes acendem, a vida fica para trás da cortina. No picadeiro não tem problemas, não deve para ninguém, não há dor de cabeça, mau humor, nem nada. Chumbrega tem de estar sempre feliz e brincalhão, com a arquibancada lotada ou com uma só pessoa assistindo.
Não importa o que aconteça, o show sempre tem que continuar.
Operári(s)o (2013)
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