Da realidade à hiper-­realidade
from reality to hyperreality
Introdução
 
Neste trabalho, pretendo explorar o tema que provavelmente seja aquele que mais suscitou meus questionamentos nas aulas e debates ministrados no curso Design e Humanidades DH3. Este tema, no meu entendimento, permeia profundamente a atividade do design e outras de comunicação, bem como àqueles que são receptores das informações. Nesse sentido, se extende à sociedade de maneira geral. O tema a que me refiro é o embate entre o que é real e o que é virtual.
Contexto
 
Como designer, tenho observado que estamos vivendo uma época crítica para o mercado da comunicação, seja ela no âmbito gráfico ou de produto.
Vivemos um período que é a resultante de uma longa extensão de um processo, iniciado a partir do Iluminismo, com suas consequências como a Revolução Industrial, por exemplo - tema esse que não pretendo me aprofundar neste trabalho. Mas que instaurou o racionalismo e o desenvolvimentismo como plataforma para a humanidade atingir a sua emancipação, isto é, procurar obter o controle sobre o seu destino, independentemente dos desígnios da natureza. Este é um processo que nos coloca agora, no século XXI numa encruzilhada, pois este modelo mostra claros sinais de desgaste, ao mesmo tempo de impotência em realizar a emancipação humana tão desejada.
Esgotamento dos recursos naturais, escassez do emprego, concentração da renda e aceleração do tempo são alguns elementos que podemos trazer como questões a serem debatidas e analisadas criticamente.
Dentro desse cenário, venho sentindo no meio do design profundas mudanças. Por questão de economia de custo das empresas e diminuição da utilização de matéria prima para um menor descarte de dejetos, peças gráficas que antes eram colocas nas ruas em suportes físicos, hoje aderem cada vez mais ao meio digital. Embalagens de produtos de consumo precisam necessariamente ser melhor elaboradas para utilizarem um mínimo de material possível. O mesmo valendo para o design de produto. A racionalização dos recursos se torna imperativo.
Sob o ponto de vista do consumo, até mesmo nisso tenho observado modificações. Num cenário econômico de crise global, existe uma tendência mundial à diminuição forçada do consumo, onde é criado também uma modalidade de consumo virtual, não existindo a troca de dinheiro por objeto, mas a troca de dinheiro por uma combinação binária de bits. O comércio eletrônico de músicas, filmes, livros digitais e aplicativos movimenta uma quantidade enorme de dinheiro, sem produzir uma grama de matéria, onde a mercadoria adquiri outro status, não é objeto nem matéria.
“Do meu ponto de vista, como já disse, fazer acontecer um mundo real é já produzi-lo, e o real jamais foi outra coisa senão uma forma de simulação. Podemos, certamente, pretender que exista um efeito de real, um efeito de verdade, um efeito de objetividade, mas o real, em si, não existe. O virtual não é, então, mais que uma hipérbole dessa tendência a passar do simbólico para o real – que é o seu grau zero. Nesse sentido, o virtual coincide com a noção de hiper-realidade. A realidade virtual, a que seria perfeitamente homogeneizada, colocada em números, “operacionalizada”, substitui a outra porque ela é perfeita, controlável e não contraditória. Por conseguinte, como ela é mais “acabada”, ela é mais real do que o que construímos como simulacro.” (Jean Baudrillard)
Virtualização
 
Neste início do séc. XXI, presenciamos uma verdadeira explosão na disseminação das tecnologias eletrônicas comunicativas, como computadores pessoais, telefones celulares, laptops, etc. Houve uma disseminação global do acesso à internet, tornando a intercomunicação entre os indivíduos de uma facilidade sem precedentes.
Este portal ao mundo digital da comunicação, permitiu sua utilização para os mais variados fins, que até hoje são difíceis de serem analisados e compreendidos na sua plenitude. O que no início se resumia a possibilidade de troca de e-mails e conversas em BBS’s para fins acadêmicos (primeiras salas de conversas virtuais), tornou-se um grande portal da indústria do entretenimento também.
Entre essas novas modalidades, podemos citar as redes sociais. Essas redes são espaços virtuais onde você pode “construir” uma persona que ocupará esse espaço, chamado pelos usuários de “avatar”. Nesse espaço, sua persona poderá ser da maneira que você desejar. O usuário edita suas próprias características, aparência, descrição e conteúdo.
“ Existe atualmente uma verdadeira fascinação pelo virtual e todas as suas tecnologias. Se ele é verdadeiramente
um modo de desaparecer, esta seria uma escolha – obscura, mas deliberada – da própria espécie: a de se clonar, corpo
e bens, em um outro universo, de desaparecer enquanto espécie humana propriamente dita para perpetuar-se em uma espécie artificial que teria atributos muito mais performáticos, muito mais operacionais. Será que é nisto que se aposta?” (Jean Baudrillard)
Trabalho
 
Inspirado nesta citação de Baudrillard a respeito de uma fábula de Borges, uma grande fonte de inspiração para ele, resolvi sintetizar o conteúdo do meu trabalho em uma escultura. Essa escultura será produzida primeiramente de forma virtual, através de softwares de modelagem 3D, sendo modelada com malha de triângulos, isto é, a forma final será representada por intersecção de faces, com vértices determinados por coordenadas cartesianas, numa mistura entre o geométrico e o orgânico.
A partir da modelagem virtual concluída, sua malha será planificada e impressa, do modo a ser reproduzida fisicamente em papel, através de trabalho manual de corte, vinco e colagem.
“Penso na fábula borgesiana do povo que foi levado ao ostracismo, jogado para o outro lado do espelho e que não é mais que o reflexo do imperador que o submeteu. Seria assim o grande sistema do virtual, e todo o resto não seria mais que uma espécie de clones, dejetos, algo abjeto. Porém, na fábula, aquelas populações começam a parecer-se cada vez menos com seu dominador, e, um dia, eles retornam para o lado de cá do espelho. A partir de então, diz Borges, eles não serão mais vencidos.” (Jean Baudrillard)
Conclusão
 
Através dessa escultura, pretendo criar uma metáfora a respeito do processo descrito na fábula de Borges mencionada por Baudrillard, daquilo que sai do que definimos de real, migra para o virtual, porém no final retorna para o real com uma forma hiper-real, isto é, interferida pela racionalidade humana objetivando seu controle e harmonia. Que espécie de retorno seria esse e a tipos de caminho esse experimento nos demonstra?
A forma do objeto em questão será um gato, mas poderia ser qualquer forma que remetesse aos ícones de familiaridade do ser humano. O importante aqui é o aspecto simbólico exercido pelo signo, e não a sua materialidade em si.
O gato em questão tem sido um ícone simbólico, motivo de grande adoração nas redes sociais atualmente. Não pretendo me aprofundar nas razões que provocam o fetichismo por sua simbologia na atualidade, mas pela frequência com que esse símbolo está presente nas trocas digitias, este ícone está alinhado com os padrões de desejo contemporâneos exprimidos pelo mesmo, como individualidade, sedução, mitologia, entre outros.
Referência bibliográfica
 
BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do Mal: Ensaio sobre os fenômenos extremos,
Campinas, SP, Papirus, 1990.
 
BAUDRILLARD, Jean. A Simulacros e Simulação, Lisboa, Relógio D’Água, 1991. BAUDRILLARD, Jean.
Senhas, Rio de Janeiro, RJ, DIFEL, 2007.
 
BAUDRILLARD, Jean. Senhas, Rio de Janeiro, RJ, DIFEL, 2007.
CENTRO UNIVERSITÁRIO MARIA ANTONIA - USP
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DESIGN E HUMANIDADES – DH3
 
Trabalho final

Título: Da realidade à hiper-realidade
Orientação: Profa. Maria Argentina Bibas Prof. Minoru Naruto
Aluno: Fernando Malta Cardoso
 
São Paulo, abril/2013 
Real / Virtual
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Sculpture: Physical / Digital

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