Mais do que um livro, “Yone – A menina-mulher” é a homenagem póstuma de uma neta para sua avó e o resgate e documentação da história da matriarca que foi tão importante para sua família. Essa página documenta o processo de criação e os desafios e soluções propostas na produção de um projeto gráfico de livro para uma obra tão pessoal e intimista, os processos para entender e transmitir em um projeto gráfico a personalidade de uma pessoa que o designer não chegou a conhecer pessoalmente.
Partindo de um briefing real, este projeto detalha e desenvolve a criação de um livro completo, desde a escolha dos colaboradores e entendimento das referências da autora, passando pela escolha de cores, formato, tipografia e grids, até o processo de fechamento e envio para a gráfica e o resultado final impresso.
Esse projeto surgiu quando o designer foi procurado pela autora da obra e neta da personagem do livro para criar um projeto que retratasse a essência do que foi sua avó: Yone, uma pessoa alegre e divertida, que viveu entre 1917 e 2010, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo e teve uma família numerosa com muitos filhos, netos e bisnetos. 
O desafio foi criar a identidade visual em um projeto em que boa parte das imagens era de época, em preto e branco, e que muitas vezes eram muito posadas, característica da época. 
O livro trouxe uma reflexão de como criar um livro intimista e familiar, baseado em uma personagem e uma família sobre a qual não conhecia quase nada. 
Outro grande desafio foi conseguir retratar no projeto gráfico uma história que aconteceu majoritariamente em outro período histórico e conciliar várias gerações de uma família, captando as principais transformações que ocorreram ao longo do tempo e, ainda assim, não perder a essência alegre da personagem principal: Yone.
Com o briefing, o texto do livro e as fotos compartilhadas pela autora, iniciou-se o trabalho de análise do material e concepção do projeto gráfico. Ficou claro que o principal desafio seria utilizar todas as fotos em preto e branco que foram enviadas, uma vez que o livro precisava desse tom de álbum de família, mas ao mesmo tempo suavizando o tom puramente documental do livro, trazendo cor e vida ao projeto gráfico.
O material bruto era muito amplo e diverso. Havia imagens na vertical e na horizontal, coloridas e preto e brancas, algumas escaneadas de fotos antigas, com baixa qualidade e que precisariam ser restauradas, alguns documentos e até mesmo uma partitura de música que deveriam ser utilizados na obra.
Um dos desafios foi encaixá-las de forma harmônica ao longo do livro, sem deixar a leitura truncada ou pesada, mas sem perder nenhum tipo de informação das imagens. Também era importante mantê-las em um tamanho bom o suficiente, de modo que mesmo no livro pequeno fosse possível que os leitores pudessem ver os detalhes das imagens.
Uma vez que o texto era de fácil leitura e não muito longo, era possível trabalhar com imagens grandes e ocupando algumas páginas inteiras.
Escolha da Ilustradora
A princípio, como a autora havia gostado muito das ilustrações do livro “Álbum de família” de Gabriela Romeu. Buscamos encontrar alguém cujo estilo seguisse a mesma linha, mas que tivesse um estilo próprio e original para incorporar à obra. Deste modo, o trabalho do ilustrador deveria ter uma linguagem simples, com uso de cores e colagens, a fim de trazer o tom leve e divertido que a autora almejava. Além disso, também foi proposto que se desse preferência a uma ilustradora mulher para contar a história de vida de Yone.
Alguns nomes foram considerados, mas a ilustradora escolhida foi Nina Farkas, que dentre todas as opções analisadas, foi a que melhor se encaixou no briefing. A ilustradora  reunia todas as características descritas anteriormente, além de ter um trabalho com muita personalidade.
Formato
Em função da pouca quantidade de texto e seguindo uma das referências trazidas  pela autora, o livro deveria ser pequeno - desde que não prejudicasse a leitura -, de modo que tivesse um número razoavelmente grande de páginas e não ficasse tão fino, além de ser resistente e fácil de se carregar.
Com isso em mente, pensou-se que o tamanho ideal para o livro seria de 12x18cm. Esse tamanho tem um formato ideal para melhor aproveitamento do papel na gráfica, uma vez que uma folha industrial inteira - normalmente utilizada nas gráficas - costuma ter 66x96cm. Desta forma, o livro foi feito considerando uma divisão em 25 páginas iguais de 13,2x19,2cm desta página maior, em que o livro caberia perfeitamente, isso já considerando as margens e sangrias do documento para corte como no exemplo abaixo.
Exemplo de divisão de página de 66x96 cm em 25 páginas de 12x18 considerando sangría
O formato também atendeu perfeitamente às expectativas da autora com relação à praticidade de leitura
Grids
Inicialmente, pensou-se em um grid de linha de base de 3pt. Dessa forma, todos os pesos de texto deveriam ter um tamanho e principalmente uma entrelinha múltiplos de 3pt. Assim, por exemplo, os títulos ficaram com peso e entrelinhas de 39pt; o texto padrão ficou com 9pt de tamanho e entrelinha de 12pt; e os subtítulos ficaram com tamanho 15pt e entrelinha 18pt. É possível observar na figura abaixo como o texto se encaixa perfeitamente dentro do grid proposto.
Exemplo de textos sobre grid da linha de base de 3pt
Para criar as margens, foi utilizado como base o exemplo de criação proposto no livro “Elementos do estilo tipográfico” de Robert Bringhurst, de 1992, em que se traça duas linhas do meio das páginas para as diagonais inferiores e, em seguida, a partir dessas diagonais, traça-se duas linhas para encontrar os cantos superiores. A partir dos encontros dessas linhas, foram traçadas mais duas linhas para encontrar, por exemplo, o espaçamento da margem superior para o topo da página.
Construção das margens da página com base no livro Elementos do estilo tipográfico.
Tipografia
Um projeto tão pessoal e intimista merece escolhas tipográficas condizentes. Pensando nessa característica da obra em questão, a tipografia deveria ser legível, mas, ao mesmo tempo, deveria ressaltar o projeto gráfico, a ilustração e, sobretudo, o texto. Sobre essa responsabilidade que o designer deve ter na escolha tipográfica, o famoso tipógrafo e poeta Robert Bringhurst diz que palavras bem escolhidas merecem ser honradas e compostas com cuidado, carinho e habilidade. Segundo ele:
“Letras que honram e elucidam o que os homens vêem e dizem também merecem ser honradas. Palavras bem escolhidas merecem letras bem escolhidas; estas, por sua vez, merecem ser compostas com carinho, inteligência, conhecimento e habilidade. A tipografia é um elo, e como tal deve ser tão forte quanto o resto da corrente, por uma questão de honra, cortesia ou puro deleite” (BRINGHURST, 2018 p.24).
As famílias tipográficas utilizadas foram a Cosmic Rays nas aberturas de capítulos, a Amatic, nos subtítulos, e a Minion Pro, nos textos e nas legendas a fonte Open Sans.
Buscamos uma fonte que desse ao leitor a impressão de que as letras tivessem sido pintadas, de modo a valorizar o caráter artesanal do livro e da história contada, como se tivesse sido feito à mão, mas sem perder o profissionalismo. Por isso, a tipografia precisava ser próxima de um lettering, mas que tivesse boa legibilidade e fosse de certa forma uma tipografia mais contemporânea. A fonte precisaria também ter numerais, ligaduras e os caracteres mais utilizados em português. Após um pouco de pesquisa, a fonte Cosmic Rays, da BLKBK type, uma oficina tipográfica canadense especialista em fontes desenhadas à mão, foi escolhida por reunir todos esses requisitos. No detalhe é possível ver alguns dos caracteres da fonte.
Figura 8 - Caracteres da fonte Cosmic Rays. Fonte: https://blkbk.ink/
Para subtítulos era necessária uma tipografia ainda manual, mas que fosse um meio termo entre a tipografia caligráfica e a fonte mais tradicional que seria utilizada no texto. Encontramos essa tipografia chamada Amatic, que se encaixava perfeitamente no que era esperado. A família tipográfica desenhada por Vernon Adams reunia todos os requisitos que precisávamos: era leve, tinha boa leitura e um kerning e espaçamento muito bons.
No texto, o mais importante foi pensar na legibilidade da fonte. Por isso, foi escolhida a família tipográfica Minion Pro, uma tipografia serifada, clássica escolha para livros devido à sua alta legibilidade quando utilizada em formatos pequenos na impressão.
Para a mancha de texto ficar correta, considerou-se o tamanho do tipo em função do tamanho da linha, utilizando, para isso, a tabela de Bringhurst de média de caracteres por linha, que consta na sua obra “Elementos do estilo tipográfico”
Cores
Um dos principais elementos de qualquer projeto de design é o uso correto das cores. Muitas vezes um bom projeto pode ser salvo ou completamente perdido dependendo do uso das cores. Em seu livro “A cor no processo criativo”, a autora  explica que:
“Todos aqueles que trabalham com imagem, criação de cenários e comunicação visual sabem disso. A cor representa uma ferramenta poderosa para a transmissão de idéias, atmosferas e emoções, e pode captar a atenção do público de forma forte e direta, sutil ou progressiva, seja no projeto arquitetônico, industrial (design), gráfico, virtual (digital), cenógrafo, fotográfico ou cinematográfico, seja nas artes plásticas”
A paleta de cores escolhida pro projeto foi pensada buscando cores quentes e frias, bem vibrantes, mas também pensando que as cores teriam que ser utilizadas em textos. Por isso, toda a tipografia deveria utilizar o mínimo possível de camadas de cores. Nesse sentido, o designer buscou sempre utilizar apenas dois canais de cores na paleta CMYK. As cores utilizadas nos textos estão demonstradas na figura abaixo.
Paleta cromática do livro.

Aberturas de capítulos
Para abrir os capítulos, buscamos destacar os momentos mais bonitos e marcantes da história da família de Yone. Para isso, a escolha foi abrir cada um dos capítulos com uma foto com intervenções da ilustradora que resumisse aquele episódio relatado no referido capítulo. Por exemplo, a imagem a seguir é a abertura do capítulo “Ainda formando a família”, em que é retratado uma gravidez tardia da protagonista do livro, que ficou grávida novamente aos 41, contra todas as expectativas. Na imagem, Yone aparece ao lado do marido com o filho mais novo que os pegou de surpresa.

Na imagem é possível ver como a ilustradora trabalhou sobre a foto, adicionando cores à original preta e branca, de modo a deixar a imagem ainda mais alegre. A ilustradora também recorre a um elemento gráfico que denota continuidade para exemplificar que a família de Yone continuava a crescer. Abaixo, é possível ver outro exemplo de como esses recursos foram utilizados para marcar a abertura dos capítulos e, portanto, das diferentes fases da história da protagonista.
Outras escolhas editoriais
Para completar o projeto editorial, foram pensadas algumas outras estratégias. Uma delas é a linha do tempo. O livro possui um capítulo dedicado somente à cronologia de alguns fatos da vida de Yone e de sua família, basicamente uma linha do tempo. 
Pensando em uma forma de tornar esse capítulo mais interessante, a autora pediu e então o designer e a ilustradora propuseram uma ilustração que seria uma facilitação gráfica do conteúdo.
Inicialmente esbarramos em dois problemas: o primeiro, seria como criar uma ilustração de uma linha do tempo tão grande em um livro tão pequeno e que ficasse ao mesmo tempo bonita e legível. Inicialmente teria apenas uma ilustração, mas a autora notou a necessidade de incluir um texto e que ele estivesse legível.
Após uma série de tentativas e discussões, chegamos a uma solução: a ilustração traria apenas ícones da linha do tempo que seriam complementados pelo texto. Além disso, a ilustração apareceria apenas pela metade em cada uma das páginas com a outra parte estando rebaixada no fundo do texto. Desta forma,  imprimiu um efeito de continuidade para a linha do tempo, conforme demonstrado abaixo.
O maior desafio certamente foi traduzir a personalidade de uma pessoa que não conheci em um projeto editorial de um livro que buscou eternizar e registrar sua história. Conseguir absorver os anseios e desejos da família - que não é a minha - e traduzir tudo isso em uma identidade visual exigiu um longo e intenso processo de pesquisa e criação, mas uma sensibilidade e um diálogo constantes com a família da autora, com a ilustradora e a própria autora do livro, que confiou a mim a missão de diagramar um livro tão importante para ela e sua família, afinal, trata-se de um projeto muito pessoal e intimista.
Quanto aos desafios técnicos, o principal foi que eu gostaria que fosse um livro bastante simétrico e, apesar do tamanho,  a obra deveria ser de fácil leitura. Por isso foi necessário estudar bastante as possibilidades e melhores escolhas para os grids e grades do documento, de modo a alcançar esse objetivo.
Também foi preciso estudar as tipografias a fundo para encontrar tipos legíveis mesmo em tamanhos pequenos e que trouxessem o caráter artesanal e manual do livro.
Fundamental para a realização do projeto, a definição de um problema bem estruturado, foi vital para encontrar resultados assertivos que seguiam os desejos da autora e também para pautar a ilustradora que colaborou com a obra.
O projeto trouxe alguns aprendizados que foram muito preciosos para meu crescimento como designer editorial. Conseguir traduzir as reuniões com a autora e ilustradora em um projeto que refletiu o espírito de Yone na parte gráfica do livro foi bastante desafiador, mas trouxe excelentes resultados. Também foram muito proveitosas as trocas de experiências com a autora e com a ilustradora para a produção e finalização do livro.
Talvez a maior avaliação que eu tive deste trabalho foram os comentários positivos de todos que conviveram com Yone e disseram que a obra definitivamente refletiu sua personalidade. Ter podido contribuir para manter viva a memória de uma pessoa foi uma das experiências mais satisfatórias que este trabalho me trouxe.
Livro Impresso
Yone - Livro
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