Maria Taborda's profile

Untitled Project 1

O tempo causa em nós uma estranha sensação. Não lhe consigo tocar mas ele toca-me constantemente. Sinto o seu cheiro a podre. Sinto os seus magros e envelhecidos dedos roçarem na minha pele.
Quando o mundo para e eu me sinto sozinha ele acompanha-me fumando o seu malicioso cigarro. O seu fumo é eterno, tal como o seu olhar.
Persegue-me sem me acompanhar.
Atormenta a minha solidão e esconde-se nas multidões que me rodeiam. É a sombra mais viva que existe e faz-me sentir que sou eu quem está a desaparecer. É provavelmente o mais solitário de todos e quer, aos poucos e poucos, sugar-nos para que possa, por alguns instantes, não estar totalmente só.
Hoje pensei novamente em ti. Perdi-me naquela ingénua esperança de seres real. Perguntei-me, uma vez mais, como é possível que o não sejas.
Ainda consigo ver o teu sorriso tão honestamente verdadeiro. Ainda consigo ver os teus olhos cintilantes, cheios de realidade.
E mesmo assim questiono-me. Como pode algo tão irreal ser tão verdade? Ou, por outro lado, como pode algo tão real ser (tão) falso?
Sinto, ao mesmo tempo, uma enorme desilusão. Inventei-te. És fruto da minha imaginação, da minha solidão.
Mas és real, ainda assim.
Este frio de dentro de mim habita não me deixa morrer. Não me destrói mas impede-me de viver. É alimentado pelo meu medo crónico. Suga a minha força e deixa-me fraca. Arrefece a minha coragem e coloca-me num perpétuo estado de inercia. Já não sei o que é lutar, se é que alguma vez soube.
Assim fico, quieta, devorada pelos meus pensamentos. Este que, em vez de adormecidos, multiplicam-se. Roem-me as entranhas e cospem no meu cérebro. Confundem-me para além do infinito e nada posso fazer porque assim estou, quieta.
Ironicamente são os únicos que em mim vivem, sendo as correntes que me impedem de viver.
Amo-te como se ama alguém. Vejo em ti tudo o que queria concretizar. Percebo o mundo nos teus sentidos e vejo-me no teu olhar.
Sem me aperceber perco-me em ti. Desapareço no teu mar e afundo-me nas tuas palavras.
Quero que me sintas no teu ser e que me desejes como eu te desejo a ti. Espero que me sintas como eu te sinto. Quero, no fundo, que me ames como nunca ninguém amou alguém, tal como eu te amo a ti.
És o infinito fumo que não existe. Desaparece à luz do sol e do luar. Enganas a vida e a morte e vens viver em mim. Existes na minha sombra e na minha alma.
Sem estares vivo não estás morto, e assim permaneces, eterno e inexistente.
Tanto te amo como te odeio, mas enfim nada sou sem a tua existência.
Mata-me e seremos um só, serenamente invisíveis e para sempre solitariamente unidos.
Rumo a Frankfurt, com esperança de chegar a Istambul com alguma sanidade. Nem agora, dentro do avião e depois de sobrevoar todo Portugal, me apercebo completamente da realidade. Provavelmente só quando chegar a terras asiáticas é que irei tentar assimilar a situação.
Este é de facto um processo estranho. A nossa cabeça continua em casa, enquanto o nosso corpo muda de destino. O intermédio é quase onírico. Aqueles momentos entre realidades são como espaços e tempos vazios. Não pertencemos a nenhum lado específico e os fusos horários trocam-nos as horas.
 Reduzimos as coisas supérfluas, embalamos as saudades e damos uns últimos abraços, meio custosos meio gostosos. Andamos no ar por uns tempos, mesmo depois de aterrarmos.
Ao mesmo tempo, sem sequer darmos conta, somos visitados por pensamentos alheios. Alguns deles conhecidos, os daqueles que tão egoistamente deixamos para trás, e outros anónimos. Com estes partilhamos uma espécie de experiencia silenciosa. Por uma ou outra razão também eles se deslocam. Durante estas horas somos como irmãos no vazio e, sem termos que falar, compreendemo-nos.
Mas penso nos outros, nos que ficam e que nos choram. Penso na falta que faremos e vice-versa. Num rasgo egocêntrico pergunto-me se realmente sentirão a minha falta. Até que ponto poderei eu e a minha presença, mais física que espiritual, influenciar as suas vidas.
No entanto tudo isto passa quando, ao levantar a cabeça por uns instantes, me lembro que estou num avião, com vista para o céu.
Mais uma vez a viagem é uma fuga temporal e espacial. Durante um curto (ou não tão curto assim) espaço de tempo estamos em perfeita sintonia com aqueles que nos rodeiam. Todos eles cheiram o mesmo que nós cheiramos, sentem o mesmo fumo negro lançado insistentemente para a atmosfera, ouvem as mesmas buzinas, as mesmas conversas. Mantêm-se sós, mesmo que acompanhados, e estando a viajar, viajam. Sem olharem nada específico, olham-se a si mesmos. Sentem o seu reflexo na cidade, no rio e nas outras pessoas, sim, porque também essas viajam para algum lado.
Entre sentimentos sobrepostos fico doente. Doí-me o cérebro e pinga-me o coração. Sai-me fumo pelos olhos, pelo nariz, pela boca, pelos ouvidos. Sai-me fumo por todos os poros “vivos” do meu corpo. E mesmo assim não sinto nada. Fico inerte ao pensamento e não ando nem desando. Sou um carro novo pronto para a sucata.
Sem nada ter experimentado sinto que assim, neste estado vagamente vivo, nada irei experimentar.
Mas o que é que é a experiencia se dela nada retirar? E como posso eu reter algo se nem pensar consigo? 
Fico sempre no meio. Pior que fazer parte de algo errado é fazer parte do “nada”. Com medo de correr o risco de me comprometer ou sequer de me libertar não existo. Nem sombra chego a ser. Sou um vulto inexistente que ninguém conhece nem reconhece. Estando viva faço parte do mundo dos mortos. E ainda assim vejo os outros. Aqueles outros que, para em ou para mal, vivem.
Por uma razão ou outra sou esta indefinição inconstante e agora não sei onde pertenço.
Pertenço a mim mesma mas na verdade não sei quem sou.
As grandes cidades têm o poder de transformar as pessoas em estranhas versões de si mesmas. De uma forma altamente sistemática e preformada, as pessoas transformam-se num misto entre máquinas e animais selvagens. Retirando-lhes a autonomia de tomar decisões, aumenta-lhes o espirito de sobrevivência. É um processo um pouco bizarro e antagónico que nos aproxima e nos afasta. Por um lado assamos a ser “todos iguais”, objectos encaixotados em autocarros e metros, onde todos valem a mesma ninharia. Mas este processo de união pela igualdade é contrariado pelo instinto animal de ser o primeiro a morder o naco de carne. Este aspecto revela o carácter egoísta de qualquer ser humano. O seu espacinho é sagrado e por ele tudo é exequível. O respeito como regra social dilui-se no cheiro pestilento a sovaco que nos persegue.
A humanidade perdeu o seu lado humano. O que nos poderia resgatar seria talvez o culto da cultura. Mas esse já se perdeu há mais tempo. É quase que arqueológico.
Enquanto recupero o meu folego, agora sentada longe do barulho que me parou a pulsação, ainda não consigo respirar. As réstias dos apitos, das passadas estilhaçadas, do suor da sobrevivência e do murmurinho ensurdecedor permanecem alojadas nos meus ouvidos. Senti-me sozinha como nunca me havia sentido. Nem que por breves segundo, o meu coração batia na minha boca, muda e despida de reacção. O meu corpo decresceu e eu desapareci ali mesmo, no meio da multidão. Desfiz-me em fumo de navio e a minha mente foi devorada pelos monstros esfomeados que vivem dentro de mim.
Sem grande alternativa era imperativo que saísse dali. Aquele aspirador humano suga-nos até ao tutano e no fim do túnel não aparece a prometida luz, apenas negro e mais negro.
Que será então de nós, perdidos em multidões de animais bipolares, que tanto nos lambem como nos trincam?
Que será de nós, enganados por mentiras milenares, mais velhas que o próprio mundo?
E a luz apaga-se uma vez mais. Fico sem ti novamente. Na escuridão perco-te como se alguma vez te tivesse tido.
Contigo levas a minha alma e o meu espirito. Deixas o meu corpo negro no chão. Nem a cortesia de me matares tiveste. Espetaste-me uma faca e eu fiquei a sofrer de uma doença inexistente, de uma ferida invisível.
Foste a minha perdição. És a razão da minha queda e da minha desgraça. Roubaste-me a vida e deixaste-me viver.
Que te fodas no céu dos egoístas que eu aqui fico, entre o inferno e o inferno.
Os escritos são meros devaneios de uma mente perturbada. Por não saber viver neste munto nem neste corpo sinto a necessidade de vomitar umas palavras semi-aleatórias para um pedaço de papel.
A sua intenção não é serem bonitos, nem aptos à compreensão. São o regurgitar, e friso este termo porque é extremamente adequado, das minhas emoções e pensamentos exacerbados. São os meus restos, aqueles que não consigo mais conter. Passam de ser poluição mental para “gasto” de tinta. Pelo menos assim não me atormentam (tanto) as entranhas. Por breves instantes sinto uma espécie de paz e sossego. Embora esta seja corrompida rapidamente, sei que tive aqueles segundos e isso restaura um pouco a minha calma.  
Voltei a sentir o murmurinho do coração. Quero calá-lo mas tenho medo de não conseguir. No fundo sei que tentar apagá-lo é um esforço em vão.
Senti a saudade de sentir. Por momentos esqueci-me das suas consequências e comecei a sonhar outra vez. Pelos vistos a dor está a passar, mas preferia que ficasse. Somos amigas de longa data e já lhe conheço as manhas.
É este intermédio vazio que me aterroriza. É o limbo libertador que, no fundo, me mete tanto medo. E se cair de repente nas garras do monstro outra vez? E se ele me agarra sem eu me aperceber? Não quero correr o risco. Quero agarrar-me à dor que é o meu lar e esconder-me nos seus lençóis. Aí não tenho muito que pensar nem que sentir. Lá tudo é escuro e nada existe.
Mas agora vejo um pequeno raio de luz. Esta luz que me pode levar à perdição. Esta luz que com certeza me irá abandonar. Esta luz que eu tanto temo.
Não consigo deixar de sentir que a humanidade está perdida. As pessoas têm uma alma escura e empobrecida. O respeito desapareceu com as básicas noções de moralidade e educação.
É difícil viver num mundo tão desumanamente habitado. Somos todos mesquinhos e azedos. À primeira hipótese cascamos seja em quem for e por que razão for. Há um sentido de competição inerente e aparentemente invisível, que serve puramente para alimentar os nossos furiosos egos.
No fundo somos todos solitários e infelizes porque é a única coisa em que somos bons. O queixume é o pão nosso de cada dia. Os comentários deslizados debaixo da mesa, as facadinhas “saudáveis”, as pequenas mentiras, que mal nenhum faz a ninguém, são os gritos de uma alma vazia. O ego cresce mas a cabeça continua oca. 
A sociedade ajuda-nos nesta luta contra o pensamento. Rouba-nos a humanidade. Admite que as pessoas se transformem numa massa homogénea e burra, aliás, não só admite como encoraja! Que se lixe o conformismo. Mas ser iguais sendo diferentes. Vamos pensar!
A vaga tentativa de escrever algo com conteúdo é para mim bastante alheia. Sinto que aquilo que escrevo é na realidade escrito e ditado por outrem. Leio a falsidade das minhas palavras enquanto ganham cor no papel. Mato-as quando mal começam a respirar. Mas continuo a escrever na inútil esperança de alguma vez vir a ser honesta.
Parece que os meus sentimentos são já defuntos e ainda assim insistem em falar. São como espíritos invisíveis que me perseguem e assombram. Dão-me vida, obrigando-me a pensar na morte. Esta que, sendo a maior e possivelmente única certeza que existe, tanto nos atormenta.
A vida num barco deve ser difícil. É tudo pouco concreto. O mar balança e tudo à sua volta está num permanente estado de enjoo matinal. O cheiro a maresia deixa de ser especial. O sabor do sal deixa de ser salgado. A paisagem, mesmo que em constante metamorfose, parece nunca mudar. O sol aparece e desaparece sem qualquer alteração. A rotina deixa de ser rotina porque todos os dias são os mesmos. O tempo dissolve-se e engole-se a si mesmo.
Deixas de viver mas continuas vivo, porque até a morte fica entediada. 
Acabei de arrotar em público. Com o barulho do mundo não me ouvi.
Quando senti aquele subtil arranhar na minha garganta sabia que era tarde demais. Ele estava cá fora, prestes a viver.
Nada mais podia ser feito. Inevitável seria o seu nome.
Foi apenas o início do fim. Se seguida o sentimento de culpa e de vergonha instalam-se no meu ser. Agora liberto, ficas preso no passado invariável e indestrutível. 
À medida que me releio, procuro-me. Vejo pequenos estilhaços de vidro que reflectem o que fui. São como um passado em dupla repetição. Tenho a estranha sensação de desconforto quando os encontro pelo chão. Foram outrora esquecidos e são, agora, revisitados por uma desconhecida.
Reconheço-me por tudo aquilo que é óbvio mas não me sinto eu. Só consigo pensar no quão diferente aquela pessoa é daquilo que eu pensava ser.
Vivo assombrada por lembranças e arrependimentos que no fundo nem me pertencem.
E depois penso novamente.
Tento perceber o que sou ou se sequer serei alguma coisa. Apercebo-me então da razão do meu desconforto. Não me encontro no passado porque eu não existo.
Não fui, não sou nem serei.
Estou unicamente perdida entre pensamentos de ser e de não ser, sem nunca chegar a existir. Não vivo porque em toda a minha vida pensei em viver.
Enquanto de mim sai a sua nojeira e me limpo da minha podridão, penso que somos todos feitos de excremento. As nossas mentes estão inundadas de cacas intemporais e nos nossos vasos sanguíneos vivem escaravelhos em vez de sangue. As baratas tomam conta das nossas bocas, impedindo-nos de falar. Deixamos de sentir e de pensar e passamos unicamente a cheirar a putrefação.
Vivemos feitos de carne morta e já nem ao esgoto pertencemos.
A insuficiência da vida é algo que me transcende. É a perfeita dicotomia entre dádiva e desperdício. Se nada experimentar morro, inevitavelmente, perdendo a oportunidade única de viver. Se experimentar demasiado morro, inevitavelmente, perdendo a oportunidade única de viver.
A verdade é que vamos morrer de qualquer maneira.
Então como devemos encontrar o equilíbrio perante uma louca verdade como esta? Como é que morro sem ter vivido e como é que vivo sabendo que vou morrer?
Esta perfeita e irrecusável condição fode-me o juízo. Morro e desapareço. O meu corpo decompõe-se e a minha alma desvanece. Ficarei esquecida no fumo da existência. A minha pegada morre comigo. O meu coração e a minha dor ficam perdidos na eternidade de ninguém.
Então e o que vem depois? Quando é que chega o infinito?
Hoje somos jovens. Sentios as sementes da vida e olhamos para o futuro como uma promissora árvore.
Crescemos desordenadamente em solo incerto, mas ainda assim crescemos. Rompemos pelas nuvens, sonhando.
 Mas depois abrimos os olhos. Vemos que de repente somos cascalho. Não passamos de velhas raízes à espera de sermos escavados do chão, arrancados da nossa glória e enxovalhados pela vida.
Vivemos sem darmos conta e agora estamos a morrer. Se calhar nem chegámos a estar vivos. Não chegámos a viver nem chegámos a sonhar. Não tocámos no céu nem bebemos da água vital/divina.
Tudo era mentira não passamos de ervas daninhas da nossa própria existência. E assim sumimos, sem nunca termos sido nada, nem ninguém.
Adoro-vos.
Adoro-vos, todos aqueles que nunca mencionei. Adoro o facto de terem feito parte da minha vida. Adoro o faco de me completarem. Adoro o facto de serem vocês.
Adoro-vos e sinto saudade. Este estranho e estrangeiro conceito. Esta insuficiência e frustração que possivelmente nos corrói a alma. Agora nada mais tenho para vos oferecer senão isto, senão esta imensa mágoa ausente.
A vós vos saúdo e agradeço. A vós vos rogo que sintam o mesmo por alguém. Não por mim, não necessariamente. O meu sentimento não pede nem exige reciprocidade. É só sentido. E é sentido por vocês. 
O amor deixou de ser fumo.
Perdi tudo o que antes fui, o que antes deixei de mim. Agora, derivado de alguma necessidade de subsistência, continuo a registar.
Tudo o que desapareceu mostrava o meu desabafo. Era o velho e seco de alguém que, no fundo, ainda sou. De alguém infelizmente insatisfeita.
Mostra o que vivi e o que senti. Mostra o que fui e o que sou. Mostra-me.
Pela primeira vez queria dá-lo a alguém, a alguém real. Será isto um sinal? Se calhar estou destinada a ser nada e de ninguém, nem de mim mesma. Sou mais um corpo à espera de uma eterna saída e de um infinito desassossego.
Sou incompreendida porque assim me tomo e provavelmente sempre assim serei. Mal de mim que a culpa é de quem escreve.
Que se foda, mas morrer e vamos.
Se isto fosse uma carta não a dirigia a ninguém.
Que quer, ou sequer merce, ouvir tais palavras horripilantes.
Todos os caroços que enfrentei na minha vida são inúteis perante este. Este que tanto me faz temer. Este que tamanha duvida me levanta. Este que, tão incertamente e sem certeza, me faz questionar. Serei então apenas mais uma vítima? Ou, por outro lado, serei apenas mais uma assustada? Não sei. Amanhã não saberei. Nem depois.
Quero apenas que a dúvida morra. Que morra em mim e naquela sala. Naquela fria sala com aquele frio fluido.
Ai como serão difíceis aqueles minutos. Racionalmente prevejo agora toda a situação. Espero que o racional esteja lá tão presente quão agora (embora saiba que não vai estar).
O meu coração vai bater que nem uma bomba, receando aquelas palavras, aquelas tão terríveis palavras, essas que nem sei se existirão.
E agora, mergulhada na ‘’descerteza’’, vejo como agem em meu redor, tão normais e serenos. Tudo é simples. Tudo é trivial. Bebem-se uns copos. Fumam-se uns cigarros. Comem-se umas merdas. Ninharias. Lindas ninharias, aliás. Daquelas que, por vezes, em boa (ou perfeita) companhia nos fazem querer viver um pouco mais.
Ironicamente me foco há tanto tempo na morte (ou será que ouso chamar-lhe obsessão?). E agora? Serviu-me de algo? Claro que não sou apenas mais uma falhada artista com mórbidas tendências e um medo do esquecimento. Sofro da síndrome de classe média e sinto-me vazia por me sentir vazia.
Será a minha dor pela dor assim tão dolorosa? É sim. Nem que seja pelo facto de ser sentida (digo eu agora, em estado de choque).
No entanto pergunto-me: que será feito deste sentimento que tanto me aperta neste momento incerto? Deverei esquece-lo?
Espero ardentemente que não. Que isto sirva de alguma coisa, nem que seja para me fazer viver com alguma força.
Encontro-me uma vez mais solitariamente acompanhada pelos meus pensamentos. Quando assim me vejo, tenho mais pena de ter pena que tenho pena de mim.
Largados do mundo estamos todos, porque havia eu de ser diferente? Mas mesmo assim tenho medo… receio, um dia, perder-me a mim também e encontrar-me solitariamente desacompanhada de mim mesma.
Depois apercebo-me de que estou viva e a minha cabeça muda de direcção. Agora fico obcecada pelo tempo. Este, que tão grande mão possui, toca-me nos cachos dourados com a ponta das suas unhas afiadas. Sei que ele está aqui, mesmo atrás de mim. Sinto o seu bafo horrível no meu pescoço e oiço o seu riso silencioso na minha espinha. Parece que estou a sonhar e por isso mantenho os olhos fechados, mas eu bem sei que ele está aqui, mesmo atrás de mim.
Não me toca mas sinto-o com todos os poros do meu corpo. Tem os olhos cerrados mas olha-me tão intensamente que me derrete a pele. Tudo nele é uma hipérbole e, ao mesmo tempo, nada nele existe.
 É o Deus mais real de sempre e ainda assim permanece uma ilusão. Foi inventado mas nunca chegou a nascer. É sua própria mãe e pai. Dá-nos tempo e tira-nos a vida. Gere toda a nossa misera existência sem sequer darmos por isso.
É claro que se ri nas nossas costas. Risse da nossa ignorância.
Deus sabe que me converti à da felicidade. Achei o caminho do “senhor”. Este que, em vez de me pregoar em termos de religião, me guia pelo caminho do mar. Guia-me pelos sorrisos e pelas lágrimas das pessoas. Guia-me pela beleza que me rodei, tanto natural como artificial. Guia-me por aqueles momentos que, no infinito, são perfeitos.
As I lay in my bed I feel the need to write. My thoughts are making me heavy and full. I feel emptiness in my breath. It’s the emptiness of what I am without this place. It’s the emptiness of what I am without this people and, at the same time, without the people I already left behind.
Estranhamente não consigo continuar a escrever em inglês. Penso que pode ter a ver com aquilo que, no fundo, quero dizer. Não arranjo palavras em português, quanto mais numa língua que tenho como emprestada.
Mas que merda de sensação. Não consigo calar as vozes, que parecem dançar ao som da melodia que as melgas entoam à minha volta, mas quando pego na caneta não escrevo nada do que quero. Só me sai esta treta de “relatório” sobre o facto de não conseguir escrever.
Porra! Quero falar sobre tudo e não falo sobre nada.
É como se estive apenas a pensar sobre mais uma situação fictícia (como faço todas as santas noites). Se calhar devia parar. Este hábito está-me a afastar do mundo e qualquer dia não distingo as realidades.
A puta da melga não me larga, não consigo mais…
Agora que oiço e leio aquilo que escrevi nenhum valor lhe consigo dar. Sei que é uma sensação cíclica. O mesmo irá acontecer quando reler as palavras que vão aparecendo neste papel. E por isso pergunto-me porquê. Qual é a real razão das minhas tentativas de registo. Será que aquilo que escrevo alguma vez foi aquilo que pensei ou senti? Na verdade não sei. Acho que são rasgos dos meus demónios. Saíram porque tinham de sair. Estão mortos antes de viverem no papel. São, se calhar, as réstias do queixume que habita em todos nós. Com isto refiro as enormes hipérboles que fazemos relativamente a nós próprios. Por mais altruístas que sejamos o Eu é sempre o centro.
Encarar isto como positivo ou negativo é só por si uma outra discussão. Mas neste momento vejo-me a encarar esta forma de pensar de uma forma depreciativa. Eu faço-o, longe de mim tentar negá-lo. Mas com que intuito? É fácil dizer que não estamos “destinados” a encontrar amor e que nunca teremos a “sorte” de beber da doce água da felicidade. Certamente é mais fácil que tentar seja o que for.
Então e porque? Será porque parte de nós gosta, de facto, de ser infeliz? Queremos sentir que fomos injustiçados pela vida? Ou apenas gostamos de nos ver como uma pobre vitima das eventualidades da vida? O papel de mártir já está gasto e esgotado! Somo, por vezes, mais críticos com a vida do que com nós próprios. Se passássemos metade do tempo que gastamos a queixar-nos a tentar encarar os problemas, seriamos possivelmente um pouco mais “felizes”.
Sinto que estou a julgar toda a gente a minha volta. Pode ter a ver com o facto de, agora, conseguir compreender tudo aquilo que eles dizem.
Nunca me tinha apercebido de que não julgar alguém pode ser muito mais importante do que aquilo que as pessoas dizem. Oiço as pessoas à minha volta (agora em português) e sinto que toda a gente é falsa. Falam todos muito, têm todas muitas opiniões. O pior é que se deliciam enquanto ouvem o som da sua voz.
Sei, também, que estou a ser injusta. Claro está que as pessoas não são automaticamente falsas por participarem num acto que é mais social que pessoal. Estou a aplicar generalizações, coisa que detesto que apliquem em mim. No entanto, o facto de voltar a ter noção daquilo que me rodeia está-me a tornar azeda (provavelmente sem razão…). Espero que não me torne sínica também.
Não sei até que ponto posso combater esta sensação. Se calhar vai desaparecer naturalmente. Tento evitá-la, mas mesmo enquanto escrevo isto julgo as pessoas que na mesa ao lado da minha têm uma conversa. Desconheço-as totalmente e ainda assim já criei preconceitos em relação às suas pessoas. Sou tão falsa e cheia de opiniões como todos os outros.
Oiço o rapaz falar com um tom cheio de si, numa tentativa de encher o estereótipo do “típico estudante de filosofia”. Sente-se na sua voz uma vontade de mostrar que é diferente. Enquanto discutem os típicos autores e as leitura que deles fazem, não sinto um pingo de veracidade nas suas palavras. Será que ele sente aquilo que diz? Ou será que sequer acredita? Serão os seus argumentos tão ocos como soam ou estarei eu a ser apenas amarga e desconfiada? Será que ele alguma vez teve um pensamento pessoal e sentido acerca do assunto que discute? Não sei, e o mais certo é nunca vir a saber. Este momento que eu partilhei com ele, e que ele não partilhou comigo por nem sequer saber que eu o escutava, vai existir apenas aqui, e provavelmente ainda bem.
Acho que no fundo gostaria de deixar de os ouvir, de deixar de perceber o que se passa à minha volta… mas não consigo e, no fundo sei que não devia querer.
Como? Porra! Como? Como é que alguém vai entender o que sinto? Choro precisamente por isso.
O mundo está diferente, eu estou diferente, as pessoas estão diferentes. A empatia permanece mas não lhes sinto a sensação. E o pior é que fica tudo igual…
É a constante desilusão comigo mesma. É a ignorância daqueles que me amam em relação à minha pessoa. Tudo parece tão irreal, mas eu sei que está a acontecer. Faz-me sentir como se estivesse a representar, como se tivesse uma reação preconcebida para cada acção. Sou basicamente uma fraude no único mundo onde poso ser verdadeira.
As lágrimas que momentaneamente escorrem do meu rosto mostram como estão solitárias. Pode ser que amanhã me lembre de quem sou. De quem sou sozinha e descomplexada. Descomplexada desta minha paranoia. Descomplexada de mim.
Por cada palavra que escrevo perco um pouco da minha alma. Sinto que se deixar de escrever e começar a sentir vou estar mais próxima de mim mesma. Mas se não escrever começo a pensar e dissolvo a minha sensação. Que fazer então neste contrassenso inconsistente?
Morto por ter cão e morto por não ter.
Se calhar a opção é mesmo deixar de existir
Olhas-me de maneira tão bonita. O teu corpo nu invade-me de gratidão. Os teus lábios carnudos de amor devoram-me num ápice. Derreto em ti e nem sei mais quem sou. Quero que me possuas para a eternidade e que me olhes assim até depois da morte. Redundantemente sou tua para sempre e quero-te meu para o infinito.
Aqui dentro, invadida por roedores, vejo-me encurralada em paredes inúmeras. Não sei bem onde estou. O mundo dissolve-se lá fora e o ar torna-se denso. Oiço vozes em todo o lado. À minha volta a excitação de um acto fútil faz-se sentir.
Há uma adrenalina comercialmente fabricada. Embora fugaz é inesgotável. É multiplicada pelos milhares que com ela se vêm. Enquanto um a esgota outros três começam a senti-la, criando um ciclo aparentemente inquebrável.
Os sons, esses atormentam-me. São imperceptíveis no conjunto. Criam um suave e extasiante murmurinho. São como uma melga numa suada noite de verão. Estão cá, não os vemos, não os cheiramos, mas sentimos o ardor das suas picadas. Estas, mais afiadas que facas, cortam-nos pela corrente sanguínea. É mesmo isso! É um constante ardor que tanto me atormenta. Fico petrificada. Sinto tal frustração que nem consigo pensar quanto mais mover-me. Apetece-me chorar mas as lágrimas não conseguem correm-me pela cara. Quero explodir mas em mim algo secou. Estou árida! A minha língua é agora áspera. Apenas sinto areia entre os lábios. Quero cuspir e não consigo…
Tive um sonho estranhíssimo. Alias, todos os meus sonhos ultimamente têm sido estranhíssimos. Misturam-se com realidades inventadas e irrealidades conscientes. Acho que são o símbolo perfeito para o meu estado de plena confusão. Ficam no limbo entre duas vidas, tal como eu.
Agora, tão próxima da derradeira partida, não consigo agarrar os meus pensamentos. Percorrem quilómetros entre lugares que desconheço. Não se movem num passo normal. Correm ferozmente atrás de algo sem nome nem cara. Saltam entre o passado e o futuro e evitam, com todas as suas forças, o presente.
Provavelmente é por isso que me sinto assim, vazia de raciocínio e com o chão a escapar-se dos meus pés.
Vejo-te a morder o lábio. Vejo o quanto gostas de me provocar. Mordo-te o lábio de volta. E agora, que fazes? Encostas o teu lado pessoal na minha pessoa ou deixas crescer o desejo e esperas pelo meu sinal?
Num mundo “perfeito” fazias-me o pequeno-almoço, davas-me uma rosa e um beijo nos lábios e eu seria tua. Mas em que mundo vivo eu? Ou em que mundo vives tu? Em que mundo vivemos nós…
O romance acabou. O que resta são umas caretas sensuais visíveis no espelho de uma qualquer casa de banho, temporárias como o tempo. Tenho-me a mim também, extasiada com a ideia de alguém, mas sempre solitária.
Então para que existe esta política sentimental se todos nós queremos é ser amados, apaixonados (mesmo que só por aqueles 10 minutos de pornografia não virtual)?
Ele deita-se por trás de mim e afaga-me o cabelo. Toda a sua intenção é comovente. O seu gesto está possuído de genuinidade e nada nele foi ainda corroído.
É fantástico quando se encontra alguém assim, capaz de apoquentar os teus medos sem qualquer segunda intenção carnal. Toma conta de mim como uma menina e enquanto me faz uma festinha na cara enrola o seu braço no meu tronco sem pedir nada em troca. Fá-lo de uma forma extraordinariamente verdadeira. Tratando-me como uma criança verdadeira faz-me sentir uma mulher.
De repente o diabo apodera-se da minha mente e faz-me sentir como uma daquelas senhoras que fazem tudo por uns trocos.
Aproveitando-me da sua ingenuidade eu transformo aquilo que fora outrora puro em algo envenenado. Fiz do seu toque algo erótico. Ele, sem se aperceber das minhas novas intenções, continua com o seu ritual carinhoso. É uma das vantagens e desvantagens de ser mulher. Sem que ele desse conta, peguei em algo extraordinário e, de alguma maneira, tornei-o ordinário. O seu toque, noutro tempo inocente, está agora corrompido pelo meu espirito pecaminoso. Embora critique, quero conservá-lo puro, apenas para o poder sujar, vezes e vezes sem conta.
Há dias em que tudo isto não significa nada. Escrevo, desenho, pinto, mas tudo é inconsequente. Nada tem valor real, para além do facto se existirem.
Pensando bem eu dei-lhes vida, gastei tempo papel e tinta. Mas depois perdi-os. E agora, que valor podem eles ter? Quem os irá ver e reler, quem lhes dará importância? Para mim viviam porque fui eu quem lhes deu vida. E para o olho desconhecido e descomprometido? Se calhar não passam de lixo…
Para mim foram um escape, quase uma técnica de sobrevivência. Podem ter sido também uma tentativa de me mostrar às pessoas. Em todo o caso já não o são. Morreram sem ver a luz do dia. As menos não se desiludiram.
A vida é um templo que nos pertence mas que não é nossa. É escrava de pressões e correntes que não nos deixam ser livres. Estas são as cordas que, ao mesmo tempo que nos impedem de viver, nos dão vida. Sem elas estamos condenados a ser nós mesmo, coisa tão terrível e assustadora. Que seria de nós se fossemos nossos? É o mesmo que perguntar o que seria da realidade se fosse real.
O medo de existir faz de nós o que somos, esta massa aglomerada. No fundo somos diferentes em conteúdo mas iguais à vista de quem nos olha. Embora tenhamos uma potencial substancia interna somos programados a agir, a pensar e a sentir de igual forma. Somos castrados da nossa essência humana; ficamos inertes e seguimos alegremente as linhas que nos são traçadas.
Faz-nos falta a diversidade e o respeito ainda mais. Esse, perdido há muito, seria talvez capaz de nos salvar.
Tudo à minha volta é percetível, no entanto não compreendo nada do que dizem. Falam sem intenção e de coisas mundanas tornadas vulgares. No fundo não falam de nada.
Comentam a “vida” mas principalmente comentam-se uns aos outros. Comentam as suas imagens, julgam as personalidades sem dados reais. Olham para uma superfície falsa e permanecem no patamar do escudo. Esquecem-se que por baixo daquele fato existe uma pessoa. Pessoa essa que possui (possivelmente) uma personalidade, sentimentos e pensamentos ocultos das tiranas e aguçadas palavras proferidas por aqueles que nos rodeiam.
Cria-se assim o patamar flutuante social em que vivemos, onde nada é verdadeiro nem honesto. Vivemos as mentiras que julgamos ter que viver, perdendo aquilo que nos define e distingue.
O espaço da verdadeira diferença está a ser engolido e vai em breve desaparecer. A raça humana está em extinção e em breve não seremos mais que todas as máquinas expostas nos museus de antiguidades.
Para ti meu amor, só posso desejar o mundo. Que tamanha loucura não acabe comigo, como provavelmente acabará contigo. Sentindo que não existo, tu existes por mim. Escreve-me. Pinta-me. Desenha-me. Mas que ao menos te lembres de mim. Que ao menos sintas a minha alma, assombrada pelo teu ser.
Vives em mim mas eu já não vivo. Morremos os dois então.  
 
 
Untitled Project 1
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Untitled Project 1

This is a collection of some of my drawings and some of my writings. They have different backgrounds but somehow fit together. It's a piece of me Read More

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