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RESTART - Short Film/ Curta-Metragem "Ciao Bambino!"

Ciao Bambino!
 
Argumento (1º Draft)
 
1. INT. ESCOLA, SALA DE AULA - DIA
 
Uma voz grossa, indistinta, ECOA ao fundo enquanto um lápis de carvão traça uma curva num caderno, seguida de outra e ainda mais uma antes de parar e ser pousado, revelando o esboço acinzentado do rosto de JOANA (18).
 
RAFAEL (18) admira o seu desenho por um momento antes de erguer o olhar por entre a dezena de alunos atentos ao discurso do professor e descortinar Joana e MARCO (17), com ar de bronco, um bigode feito de pêlos desordenados e apenas vestígios de barba nas bochechas e queixo, sentados lado a lado na ponta direita da primeira fila, trocando segredinhos e suaves carícias.
 
Rafael regressa ao esboço, deitando-lhe um olhar diferente, de repugnância, antes de, furiosamente, voltar a agarrar no lápis e picar, repicar e picar de novo o rosto de Joana até o bico de grafite se partir com violência.
 
Todos os olhos se voltam para Rafael que, embaraçado, começa a tentar explicar-se mas é interrompido pelo TOQUE da campainha que anuncia o fim da aula. Os alunos apressam-se a recolher os seus pertences e a sair da sala.
 
2. INT. ESCOLA, CORREDOR - DIA
 
Rafael abre o seu cacifo, deixando uma pilha desarrumada de retratos esburacados de Joana caírem ao chão. Com um suspiro, baixa-se e começa a apanhá-los até faltar apenas um, para o qual estende a mão direita, mas é a de Miguel que o recolhe.
 
RAFAEL
Não me vais dizer outra vez que há mais peixes no mar, pois não?
 
Miguel sorri e estende-lhe a folha, mas a mão deste é derrubada por ALUNO 1 e ALUNO 2, de passagem.
 
ALUNO 1
Olha o pinga-amor!
 
ALUNO 2
Desenha à vontade mas deixa as miúdas, pá!
 
Rafael baixa a cabeça enquanto Miguel encolhe os ombros e retira um estranho maço de cigarros do bolso direito, agitando-o no ar.
 
RAFAEL
Não, Miguel. Não aqui.
 
3. INT. QUARTO DE RAFAEL - DIA
 
No parapeito da janela, ao lado dum copo de leite, Miguel desembrulha e entrega um cigarro de chocolate a Rafael que, sentado aos pés da sua larga cama, em cima da colcha decorada por carros de corrida, o aceita com a mão esquerda, tendo a direita ocupada pelo seu copo de leite cheio, fechando os olhos após dar a primeira trinca.
 
RAFAEL
Ahhh! Já tinha saudades disto!
 
Miguel sorri e desembrulha outro cigarro para si.
 
MIGUEL
Já te sentes mais calmo?
 
Rafael coloca o resto do cigarro na boca e dá um gole no seu leite antes de encarar Miguel.
 
RAFAEL
É que dói, meu...dói mesmo. Dois dias com aquele gajo e já a vi a rir mais do que em dois anos comigo.
 
Miguel desembrulha mais um cigarro e entrega-o a Rafael, que vai brincando com ele entre os dedos.
 
RAFAEL (CONT)
Nem acredito que lhe fui dizer que gostava dela...gostava dela a sério, pa ela me dizer que queria um tempo...para perceber o que sentia e no dia seguinte...andar com o...Marco!
 
MIGUEL
Ouch!
 
RAFAEL
Yup!
 
Miguel desembrulha um cigarro para si e mordisca-o, dá um gole no leite e volta a pousá-lo no parapeito, dando dois passos de seguida e sentando-se na cama, ao lado de Rafael, colocando a mão esquerda na cintura e a mão direita na têmpora, fazendo-lhe continência.
 
MIGUEL
Peço permissão para falar livremente, ó capitão, meu capitão!
 
Rafael sorri, enfia o cigarro na boca apressadamente, devolve-lhe a continência e acena afirmativamente com a cabeça. Miguel fita-o nos olhos não mais do que uns segundos.
 
MIGUEL
A Joana é uma cabra, Rafa!
 
Rafael olha-o, algo escandalizado, mas de seguida dirige o seu olhar para os pés, que se agitam a milímetros do chão, e de novo para o amigo.
 
RAFAEL
Mas era a minha cabra...
 
Miguel e Rafael fitam-se seriamente até Miguel não se conseguir dominar mais e soltar uma gargalhada, primeiro baixa, depois outra um pouco mais alta e uma terceira que, Rafael, mais contido, acompanha. Riem-se os dois por um momento até Miguel desembrulhar um último cigarro e o oferecer a Rafael que, com um pequeno sorriso, pega no cigarro e atira-o suavemente em direcção à boca, engolindo-o de uma vez só.
 
4. INT. QUARTO DE RAFAEL - DIA
 
Com um fato de treino lilás e ténis de desporto brancos, SUSANA (39) entra de rompante no quarto. Rafael engasga-se a meio dum trago de leite, tossindo repetidamente e Miguel, intimidado, levanta-se da cama rapidamente.
 
RAFAEL
Bom...dia, Senhora Humberto!
 
Susana dirige um breve sorriso a Miguel, seguido de dois beijinhos, sentando-se de seguida na cama e batendo levemente nas costas de Rafael.
 
SUSANA
Bom dia, mas tou farta de te dizer para me tratares por Susana, Miguel!
 
MIGUEL
Desculpe, Senhora Humberto...ha...Susana!
 
RAFAEL
E bater...cof...à porta? É sempre a mesma...cof...coisa!
.
SUSANA
Porquê? O que é que estavam a fazer?
.
Rafael e Miguel trocam um olhar.
.
RAFAEL e MIGUEL
Nada!
 
Susana funga.
 
SUSANA
Não vos cheira a...chocolate?!
 
Rafael e Miguel voltam a trocar um olhar.
 
RAFAEL E MIGUEL
Não!
 
Susana, desconfiada, olha para Rafael e depois para Miguel, voltando a sorrir.
 
SUSANA
E do que é que estavam a falar?
 
MIGUEL
Do desaire amoroso deste urso!
 
Rafael dirige um olhar furioso ao amigo, que ergue as mãos e gesticula que vai parar de falar, puxando um fecho imaginário de um lado ao outro dos lábios.
 
SUSANA
Disso...claro. Vá, vem cá segurar-me os pés.
 
Miguel começa a caminhar na direcção de Susana, mas Rafael levanta-se da cama, pousa o copo no chão e põe-lhe uma mão no estômago, impedindo a passagem. Miguel fita o amigo estranhamente até fazer um ar de compreensão e recuar dois passos, deixando Rafael segurar nas pernas semi-erguidas de Susana, que entretanto se deita no chão e começa a fazer exercícios abdominais.
 
SUSANA
Sabes, 1, para ser sincera, 2, nunca fui muito com a cara da Joana...
 
Rafael ergue o olhar das suas mãos para os olhos de Susana.
 
SUSANA
Não sei, 3, quando falava com ela, parecia que estava ali só porque não tinha, 4, nada melhor para fazer, 5...
 
RAFAEL
Bem, agora arranjou algo melhor para fazer...ou alguém.
 
Susana liberta gentilmente as pernas das mãos de Rafael, vira o corpo, apoia-se nas duas mãos e começa a fazer flexões.
 
SUSANA
E já é altura, 1, de tu fazeres o mesmo, 2, aliás, 3, ontem estava a dizer isso mesmo, 4, à Carla do ginásio, 5...
 
RAFAEL
Mau! Quem é a Carla?
 
Susana pára, volta-se de novo e senta-se virada para ele, fitando-o.
 
SUSANA
Ainda bem que perguntas! É uma amiga minha, do ginásio. Adora chocolate belga, é Balança e a cor favorita dela é o azul. Deixa cá ver se me esqueci de alguma coisa...ah, que despassarada! É também a mãe da rapariga com quem vais sair hoje!
 
Rafael levanta-se e lança um olhar entre o incrédulo e o irritado a Susana.
 
RAFAEL
Não! Não Não...não não não!
 
Susana ergue uma sobrancelha.
 
RAFAEL
Mãe...não!
 
Susana levanta-se e dá dois passos em direcção à porta.
 
SUSANA
Não queres desiludir a Carla, pois não? Nem a mim?
 
RAFAEL
Mãe!
 
Susana abre a porta.
 
SUSANA
Vais buscar a Liliana às sete e meia. Leva o meu carro. Adeus, Miguel.
 
Miguel, tímido, acena-lhe adeus.
 
RAFAEL
Mas...ela é gira, ao menos?
 
SUSANA
Diz-me tu....amanhã!
 
Susana sai do quarto, deixando Rafael a fitar a porta com um olhar ainda incrédulo.
 
RAFAEL
Que pega!
 
MIGUEL
Hum, hum...mas tão boa!
 
Rafael dá um pequeno soco no ombro de Miguel.
 
CUT TO:
 
5. INT. RESTAURANTE - NOITE
 
Rafael, com uns jeans pretos, uma camisa branca excessivamente grande e um blazer azul, demasiado curto para o seu tamanho, e LILIANA (20), envergando um traje académico, estão sentados frente a frente numa das mesas dum restaurante italiano, com a mais variada colecção de símbolos italianas decorando as paredes, desde a bandeira nacional a fotografias da Torre de Pisa, crachás de marcas famosas como a Ferrari, a Maserati ou a Alfa Romeo, a apenas três mesas da entrada, enquanto música do estilo Swing SOA suavemente, à distância.
 
Nervoso, Rafael vai enterrando os olhos na ementa, deitando ocasionalmente alguns olhares tímidos a Liliana, que parece bem mais interessada em teclar no seu telemóvel, a vibrar a cada segundo, do que em alguma coisa que Rafael possa dizer.
 
RAFAEL
Também andas no décimo-segundo?
 
LILIANA
Hum, hum...
 
RAFAEL
E tens boas notas?
 
LILIANA
Hum, hum...
 
RAFAEL
Já sabes que curso queres seguir?
 
LILIANA
Hum, hum...
 
Rafael aguarda um momento, esperando por uma outra resposta, mas ela não vem.
 
RAFAEL
E queres dizer-me?
 
LILIANA
Hum, hum...
 
Rafael aguarda outro momento.
 
RAFAEL
Isto não está a correr muito bem, pois não?
 
LILIANA
Hum, hum...
 
Rafael volta ao silêncio e à ementa, enquanto um empregado, vestido com uma camisa branca, colete verde e calças vermelhas, ostentando um fino bigode, claramente postiço, com as pontas inclinadas para cima e segurando um bloco de notas e um lápis, chega à mesa pronto a anotar os pedidos.
 
EMPREGADO
Buona Sera e bem-vindos ao Il Grrande Penne! Já ezcolheram?
 
LILIANA
Boa noite. Para mim pode ser uma pizza...sei lá, Margarita.
 
EMPREGADO
Pitssa Margarita. E o senhorr? Também vai querer pitssa?
 
RAFAEL
Não, deixe estar! Eu prefiro a Lasanha de--
 
O empregado, começando a anotar o pedido de Rafael, pressiona o lápis contra o bloco, mas o bico do lápis parte-se no exacto momento em que Rafael se interrompe ao ver Joana e Marco, este com uma t-shirt velha, cheia de nódoas e suor e ainda menos pêlos na cara, a entrar no restaurante e serem sentados numa mesa ao fundo.
 
Ainda mal recuperado do choque de ver ali a ex-namorada e mal o empregado se vai embora, Rafael agarra na mão de Liliana e puxa-a, com ele, para debaixo da mesa, deixando o telemóvel dela em cima da toalha.
 
LILIANA
Mas que...tás parvo?
 
Rafael olha para ela, colocando o indicador direito sobre os lábios e, a medo, levanta ligeiramente a cabeça para espreitar na direcção da mesa de Joana, baixando-a logo de seguida.
 
LILIANA
Que raio é que se passa contigo?
 
Rafael volta a olhar para ela e repetir o gesto com o indicador.
 
RAFAEL
Chiu! Segue-me!
 
Mais uma vez, Rafael agarra a mão de Liliana e, com ela, começa a rastejar em direcção à porta. Liliana resiste, ao início, mas acaba por ceder e segui-lo até à última mesa antes da entrada.
 
LILIANA
Então e o meu telemóvel fica ali?
 
Rafael olha para ela e depois para a mesa.
 
RAFAEL
FO...lá buscá-lo!
 
Rafael rasteja de novo para debaixo da mesa onde estava a jantar, erguendo, às escuras, o braço direito para o prato que ainda há segundos se encontrava à frente de Liliana. Da primeira vez agarra uma faca, da segunda, um garfo, mas à terceira encontra finalmente o telemóvel, que apanha e coloca no bolso do blazer.
 
Começa a gatinhar de regresso a Liliana mas, a meio do trajecto, Joana, aborrecida pela conversa de Marco, deixa os olhos vaguearem pelo restaurante e descobre Rafael, de gatas entre duas mesas. Troca um breve olhar com o ex-namorado que, descoberto, gatinha a toda a velocidade para Liliana, volta a agarrar a mão desta e arrasta-a com ele para a porta, sob o olhar atónito de Joana e Marco.
 
6. EXT. RUA, BANCO DO AMOR - NOITE
 
Sentados lado a lado, ofegantes, num largo banco metálico de cor vermelho, cercado por pequenos corações de ferro, Rafael e Liliana tentam recuperar o fôlego.
 
RAFAEL
Eu sei que o...encontro de hoje não foi lá muito bom e a culpa é toda minha, mas aquela era a minha...ex?! E nós ainda mal--
 
Liliana sacode o cabelo e leva o indicador aos lábios dele, sorrindo.
 
LILIANA
Tás a brincar? Acho que nunca me diverti tanto...
 
Rafael olha-a sem entender e faz menção de continuar a falar, mas Liliana tira o seu dedo da boca dele para lá colocar os lábios, beijando-o leve, mas longamente. Quando o beijo termina, Liliana levanta-se, faz uma festa na cara de Rafael e vai-se embora, acenando adeus a um Rafael aturdido após alguns passos.
 
LILIANA
Ciao, bambino!
 
Rafael observa Liliana a afastar-se durante uns segundos, antes de suspirar, cruzar os braços atràs da cabeça e estender-se no banco. Fecha os olhos por um momento e quando os volta a abrir, vê um pequeno avião de papel a vir na sua direcção e a aterrar no seu colo.
 
Curioso, desembrulha-o e lê nele uma mensagem dizendo "QUERES VOLTAR A SER MEU NAMORADO?", com dois quadradinhos vazios, o primeiro seguido de "SIM" e o segundo de "NÃO", com a frase "ASSINADO: JOANA" na parte inferior do papel.
 
Rafael tira a sua caneta do Mickey do bolso e faz uma cruz no quadradinho correspondente a "NÃO". Volta a enrolar o papel na forma dum avião e lança-o ao ar, observando o seu voo por um momento antes de tirar do bolso do blazer um maço de cigarros de chocolate, desembrulhar um e, com um largo sorriso, levá-lo à boca.
 
 
André Mateus
RESTART - Short Film/ Curta-Metragem "Ciao Bambino!"
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RESTART - Short Film/ Curta-Metragem "Ciao Bambino!"

Curta-metragem "Ciao Bambino", escrita por mim, realizada por Vera Lúcia, Rui Nuno Vaz Tomé, Inês Marques e produzida pela Restart - Instituto de Read More

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