As Aventuras do Detective Pallit Inho e Fosforina
1. EXT. RUA - TARDE
PALLIT INHO, um pequeno palito negro, com toscas pernas e ainda mais toscos braços, ocultos por uma larga gabardine creme em que quase tropeça, caminha pelo passeio, com a gola levantada, lutando contra o vento fustigante a cada passo. Uma folha castanha pousa momentâneamente no seu ombro direito antes de seguir viagem direita ao chão. Uma garrafa de vidro vazia rola até aos seus pés. Pallit Inho dá-lhe um ligeiro pontapé. Um pequeno PEDAÇO DE JORNAL rodopia pelo ar até lhe bater na face. Pallit Inho leva a mão direita ao diário e, a custo, arranca-o da cara e agarra-o com as duas mãos, à frente dos olhos, vendo uma fotografia tipo passe duma cabeça de fósforo sorridente, ao lado de um pequeno texto:
FOSFORINA SILVA, 17, DESAPARECEU ONTEM DA ESCOLA, DEIXANDO PARA TRÁS UM INTENSO CHEIRO A CANELA.
NARRADOR (V.O)
A nossa história começa aqui. Com um detective, Pallit Inho, bem mais interessado numa bebida do que num fósforo desaparecido. Uma Fosforina neste caso. Eu.
O detective chega a um lance de escadas. Desce três degraus e abre uma ampla porta de madeira.
2. INT. BAR - TARDE
Pallit Inho entra, despe e pendura a gabardina no bengaleiro de madeira perto da entrada e dirige-se ao balcão do bar. Uma música pop SOA levemente, ao fundo, enquanto PALHINO, uma palhinha verde, barman, limpa um copo com as suas mãos minúsculas. O detective senta-se num banco alto.
PALLIT INHO
É o costume, Palhino.
PALHINO
Sombrina, traz um batido de morango!
Uma pequena sombrinha para coktails saltita na direcção deles, transportando uma bandeja, agarrada por uma fita ao seu pescoço de madeira, com um copo, repleto dum líquido avermelhado, que sobe e desce a cada salto. Quando Sombrina chega perto de Palhino, este agarra no copo e coloca-o à frente de Pallit Inho. Sombrina volta-se e começa a saltitar de volta.
Palhino dá-lhe uma leve palmada na parte detrás do tronco que a faz dar um saltinho maior.
PALHINO
Ouviste o que aconteceu àquela miúda?
PALLITT INHO
Que miúda?
PALHINO
A miúda-fósforo...
FOSFORINA (V.O.)
Não é muito simpático não se lembrarem do nome da narradora! Homens! Vamos tentar outra vez!
3. INT. BAR, BALCÃO - FLASHBACK - TARDE
Pallit Inho dá um gole na sua bebida de cor vermelho enquanto Palhino se debruça sobre o balcão do bar.
PALHINO
Ouviste o que aconteceu àquela miúda?
PALLIT INHO
Qual miúda?
PALHINO
A miúda-fósforo...Fosforina!
FOSFORINA (V.O.)
Bem melhor!
PALLIT INHO
Fosforina...sim, li qualquer coisa sobre isso. Desapareceu, certo?
PALHINO
(apontando para a esquerda)
Exacto. Aquela mulher ao canto tava à espera para te falar sobre isso.
Pallit Inho olha na direcção para a qual o barman aponta e repara em ISQUERINA, um isqueiro choroso, com a chama acesa mas exclusivamente azulada. Intrigado, Pallit Inho pega na bebida e caminha até ao banco ao lado dela, onde se senta.
PALLIT INHO
Queria falar comigo?
ISQUERINA
(choramingando)
Sim. Não sei se já ouviu do desaparecimento da Fosforina...
PALLIT INHO
Sim, da escola, não foi?
ISQUERINA
(choramingando)
Da escola, sim...Era minha irmã!
FOSFORINA (V.O.)
Mentirosa...meia-irmã!
Pallit Inho procura nos bolsos, encontrando um lenço de papel que, com cuidado para não tocar na chama, usa para enxugar os olhos de Isquerina. A chama desta muda de azul para amarelo-esverdeado.
PALLIT INHO
Lamento.
ISQUERINA
Obrigado. Não sei se podia...contratar os seus serviços!
PALLIT INHO
Tem a certeza? Já falou com os talheres?
ISQUERINA
Oh! A polícia não faz nada! Só você é que me pode ajudar!
Pallitt Inho solta um suspiro e dá mais um gole no batido.
PALLITT INHO
Ouça, vamos esperar mais um dia. Se ela ou a polícia não der notícias amanhã...falamos melhor.
Isquerina hesita um momento antes de acenar afirmativamente com a cabeça. Levantam-se ambos e o detective conduz Isquerina, que desliza lentamente, até à porta, voltando ao banco e ao balcão de seguida.
PALLIT INHO
Que coisa horrível...
PALHINO
(apontando para o bengaleiro)
Mesmo. E a coitada esqueceu-se do casaco!
Pallit Inho olha para o bengaleiro e caminha em direcção a ele. Agarra no único casaco presente no bengaleiro além da sua gabardina, um casaco de peles acizentado. Começa por atirar o casaco para o ombro mas hesita a meio do movimento para o levar ao nariz e cheirar.
PALLIT INHO
Palhino, não te cheira a...
Palhino, a limpar o balcão com um pano, pára e funga.
PALHINO
Canela?!
Pallit Inho larga o casaco e corre para a saída.
PALLIT INHO
Põe a bebida na conta!
Sombrina aparece, com o tabuleiro vazio ao pescoço. Palhino troca um olhar com ela.
PALHINO
Ele não tem conta aqui, pois não?
Sombrina abana negativamente a sua cabeça de guarda-chuva.
4. EXT. RUA - TARDE
Pallit Inho sobe os três degraus apressadamente. Olha para a esquerda, onde não vê ninguém e depois para a direita, onde, ao longe, vê o vulto de Isquerina. Corre até lá, sempre contra o vento forte. Quando chega ao fim da rua, vê Isquerina a olhar para trás e esconde-se junto à parede duma rua à sua esquerda. Espreita uma vez e recolhe a cabeça rapidamente ao vê-la ainda a olhar para trás. Espreita uma segunda vez e vê que Isquerina já seguiu caminho, saindo da ruela e continuando a perseguição.
Isquerina contorna uma ultima esquina, desta vez à direita, e o detective, a uma distância segura, aproxima-se cautelosamente, virando na mesma direcção e deparando-se com um beco sem saída, abandonado, com uma porta de metal a bater ESTRONDOSAMENTE, à direita.
5. Int. EDIFÍCIO ABANDONADO - TARDE
Pallit Inho, a medo, entra no edifício e encontra um corredor, escuro e não mobilado. OUVE um gotejar ao fundo e segue em frente até encontrar uma porta entreaberta, cheia de luz. Encosta-se à ombreira da porta e espreita, vendo Isquerina em pé, com a chama alaranjada na sua cabeça acesa, curvada sobre Fosforina, deitada e amordaçada no chão da casa de banho.
ISQUERINA
É altura de arderes, minha querida! Já queimei o papá Tocha e só faltas tu para eu ficar com a herança.
Fosforina agita-se no chão e faz alguns GEMIDOS abafados pela mordaça. Isquerina aproxima-se mais e ajeita a mordaça, com a chama quase a tocar no corpo de Fosforina.
ISQUERINA
Oh, não te preocupes! Ninguém vai suspeitar de mim depois de ter contratado um detective para te encontrar! Que pena só ir encontrar cinzas!
Ainda à porta, Pallit Inho vasculha nos bolsos laterais, mas não encontra nada de útil. Procura de seguida nos traseiros e encontra um amarrotado pacote de ketchup. Arranca o topo do pacote com os dentes e entra na casa de banho.
6. INT. EDIFÍCIO ABANDONADO - CASA DE BANHO - TARDE
Fosforina volta a agitar-se e a tentar gritar enquanto Isquerina se volta e fita o detective.
ISQUERINA
Tu?! Como?
Pallit Inho aponta o pacote a Isquerina.
PALLIT INHO
Solte-a.
ISQUERINA
Não!
Isquerina inclina a cabeça e investe na direcção do detective, que se desvia no último segundo e espreme o pacote de ketchup sobre a chama de Isquerina, que, com a chama apagada e fumo a sair-lhe da cabeça, se estende no chão.
ISQUERINA
P-Porquê? C-Como?
Pallit Inho curva-se sobre ela.
PALLIT INHO
O cheiro...
ISQUERINA
A Canela, claro...maldito perfume!
Isquerina fecha os olhos. Pallit Inho também os fecha por um momento antes de os voltar a abrir e correr para Fosforina, ajudando-a a pôr-se de pé e retirando-lhe a mordaça. Já sem esta, Fosforina inclina-se para ele e Pallit Inho coloca os braços à volta dela, abraçando-a.
7. EXT. RUA - TARDE
Um garfo e uma faca escoltam Isquerina, com uma chama mínima acesa na cabeça, até ao assento de trás dum carro da polícia enquanto Fosforina, com um cobertor pelas costas, e Pallit Inho se encostam a outro carro da polícia.
FOSFORINA
Eu quero agradecer-lhe mas obrigado parece tão pouco.
PALLIT INHO
Não sejas parva...o que é que vais fazer agora?
FOSFORINA
Não sei...
PALLIT INHO
Por acaso não estarias interessada em trabalhar para mim?
Fosforina, excitada, desencosta-se do carro e deixa cair o cobertor, fitando o detective com um grande sorriso no rosto. Pallit Inho sorri também e afaga-lhe a cabeça até esta lhe queimar ligeiramente a mão. Pallit Inho retira a mão imediatamente e ambos se riem histéricamente.
André Mateus
