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Tecelagem Parahyba por Inhandejaraporan

 
Tecelagem parahyba por inhandejaraporan
 
Inhandejaraporan Souza das Chagas, 73, ou para os mais próximos, dona Dejara. Ela é uma das muitas pessoas cuja história da cidade se confunde com a sua própria, e valorizar a sua história é valorizar a nossa
 
Raizes e a chegada a São José dos Campos
 
Seu nome, no mínimo excêntrico remete a sua herança indígena, mais precisamente a seu avô, que aliás não queria que ninguém soubesse que era índio. Mas para um homem com aquele tom de pele, cabelo negro e extremamente liso e cerca de dois metros de altura, era um pouco difícil de esconder suas raízes. 
 
Ele havia sido criado como um português, o que parece ter sido bom pra ele pois a mais de um século atrás, o Brasil não era um lugar muito amigável para seus nativos.
 
Mas diferente do avô de dona Dejara, seu pai tinha muito orgulho disso, e esse é o motivo do nome nada convencional que deu a sua filha.
 
Dona Dejara era a caçula das meninas, e desde seus cinco anos de idade sofre de reumatismo, (termo que se refere a doenças nas articulações, músculos ou ossos, normalmente relacionadas a pessoas mais velhas), segundo a dona Dejara, ótima em ver o lado bom das coisas, isso serviu para que ela fosse a criança mais mimada da família.
 
Seu pai, que era barbeiro, tinha um grave caso de bronquite asmática, e por conta da doença, a partir de seus doze anos ela se viu mudando de cidade constantemente com a família em busca de um lugar mais propício para o estado de saúde de seu pai.
 
Sua última parada foi São José dos Campos, e ela relembra com muito gosto a primeira impressão que teve da cidade ao chegar com o irmão em cima do caminhão de mudança, em pé, passando por algumas das ruas mais movimentadas de São José. 
 
Dona Dejara estudou até o segundo ano do ensino médio pois na época só havia uma coisa que tomava a sua atenção, e essa coisa era a Tecelagem Parahyba.
 
A fábrica de sonhos
 
O que ela mais queria, era trabalhar naquela belíssima fábrica, difícil era convencer seu pai, por que naquele tempo mulheres que trabalhavam em fábrica não eram bem vistas. Se imaginava que eram mulheres sozinhas e que não valiam muita coisa.
 
Mas, a tudo dá-se um jeito. Seu pai atendia um rapaz cuja noiva, estudava na mesma sala que dona Dejara, e trabalhava na tecelagem. E foi esse rapaz que foi amaciando o velho barbeiro para permitir que Dejara realizasse seu singelo sonho.
  
A fábrica de cobertores se tornou uma gigante nos anos trinta, ao receber diversos incentivos do governo e se tornar uma das fornecedoras para as forças aliadas na Segunda Guerra Mundial.
 
Quando ela começou a trabalhar, o proprietário e presidente da fábrica era Olívio Gomes. Um empresário visto como homem de vanguarda. Nos anos quarenta, construiu vilas operárias que foram destinadas aos coordenadores e técnicos da tecelagem.
 
Além de uma escola de alfabetização para os funcionários, a Tecelagem Parahyba contava com um curso técnico de três meses para todos os operários, o qual dona Dejara lembra com orgulho de concluir aos dezesseis anos.
 
No setor da fiação de cascame, onde se faziam os fios de algodão que mais tarde seriam usados nos cobertores, dona Dejara manteve sua posição por quarenta e cinco anos. E com essa rotina ela criou com seu marido os quatro filhos e o ajudou a construir a casa em que mora até hoje.
 
Saía de casa as quatro da manhã para retornar a uma e meia da tarde, no fim do expediente, sempre a pé. Ela faz questão de dizer que nunca se cansava, e que sempre gostou daquela vida.
 
Crise dos sindicatos 
 
Como tudo na vida, seu trabalho na fábrica foi marcado por altos e baixos. Dez dos quarenta e cinco anos trabalhados por ela tiveram que ser esquecidos por mudanças nas leis trabalhistas. E, durante seus últimos anos na tecelagem, trabalhava-se com constante medo da fábrica ir a falência, e o atrito entre o sindicato e a diretoria não ajudavam a melhorar o clima.
Um dia a pressão foi tanta que o sindicato decidiu que ninguém iria embora para casa, mas ficariam lá para fazer pressão para o patrão. O sindicato fechou a fábrica e não deixou ninguém entrar ou sair. Dona Dejara dormiu com as suas amigas no almoxarifado, onde se guardava a lã para os cobertores. Este ocorrido a deixou com um gosto ruim na boca em relação a sindicalismo e coisas do tipo até hoje.
 
Em 1982, por causa de inúmeras dívidas que a empresa havia acumulado com o governo e os funcionários, o sindicato assumiu a presidência da empresa, até que os salários fossem pagos. O que ocorreu alguns anos depois.
 
Entretanto, por mais conflituoso que o relacionamento entre a empresa e o sindicato fosse, dona Dejara se recorda que entre os presidentes das duas instituições a relação era bem mais cordial.
 
O nome do presidente do sindicato na época era Francisco Moreno Ariza, ele fez muita amizade com os chefões da tecelagem, inclusive, quando ele foi preso, assim como várias pessoas que trabalhavam com ela, sabia-se que o dono da tecelagem não permitiria que ele continuasse na cadeia. O mesmo, tomou todas as providencias para que Ariza fosse solto. 
 
Lembranças 
 
A dona Dejara deixou a empresa alguns anos antes da família Gomes ter que entregar totalmente o controle da empresa. Ela se aposentou cedo para poder cuidar do marido, ou como ela diz: Seu primeiro namorado.
 
Por conta da artrose e dos anos de movimento repetitivo no trabalho, as mãos de dona Dejara hoje são completamente atrofiadas, mas não são razão para ela se arrepender do seu tempo trabalhando naquela fábrica de bons sonhos. 
 
A doença também levou seus ossos a ficarem fragilizados, sua perna direita foi imobilizada e a esquerda amputada, por isso seu saudosismo ao falar sobre como era bom ficar de pé no caminhão, correr da boiada, ou as simples caminhadas de ida e volta do trabalho.
 
Vítima da própria idade, Inhandejaraporan não se lembra de muitas coisas, mas sem dúvida, se lembra das mais importantes.
 
Joás Querubino, 3 de Maio de 2018
 
Tecelagem Parahyba por Inhandejaraporan
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