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Raio-X do transporte público em PoA

Entenda por que o transporte público de Porto Alegre está em crise


Em 22 de fevereiro de 2016 o Largo Glênio Peres, no Centro Histórico de Porto Alegre, amanheceu decorado. Nada alusivo ao Carnaval ou qualquer outro evento típico da cidade ou da cultura tropicalista brasileira. Mesmo com o tropicalismo deixado de lado, os enfeites eram coloridos. Azuis, vermelhos, verdes e de um amarelo duvidoso.
Estacionados no local, cerca de 20 veículos da nova frota de 296 ônibus recém-adquiridos pelas empresas que operam o transporte público da Capital — desde que se anda de ônibus na Capital — chamavam atenção. Os veículos estavam ali para anunciar a triunfante vitória do então prefeito de Porto Alegre, José Fortunatti, ao oficializar o primeiro contrato de licitação da história da cidade para operação do sistema de transporte público.

Hoje, pouco mais de um ano e meio após o início do novo velho sistema de transporte, pouca coisa mudou. Desde a apresentação na manhã ensolarada de 2016 no Glênio Peres, mais nenhum veículo novo foi introduzido na frota da cidade, composta por 1.658 veículos.

O novo contrato ainda determina que todo veículo novo que for atender os passageiros de Porto Alegre deva possuir ar-condicionado. Em dez anos, toda a frota deveria ser refrigerada. Mas essa norma já começou sendo cumprida a meia-boca. Pois, ocorre que parte dos 296 carros foi adquirida antes do contrato entrar em vigor, então alguns veículos não tem ar-condicionado — 86 dos 296 não possuem o equipamento. Serão os últimos sem a refrigeração a deixarem a frota, em 2026, quando o contrato fechar sua primeira década.

Os números que mostram isso são da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), que fiscaliza, entre outros setores, o transporte público da cidade. Nesse sistema, ainda é possível notar outro fator: a velhice dos veículos. Segundo consta na proposta de licitação do sistema de transporte de Porto Alegre, o objetivo é que a idade média dos ônibus seja de cinco anos — por lei, os veículos podem rodar por no máximo dez anos. Outra “norma de papel”.

A média de idade da frota da Carris, por exemplo, é de 6,9 anos, quase dois acima do ideal. A frota mais jovial da Capital pertence a empresa Navegantes, na qual a média de idade é de 5,2 anos, ainda acima do que diz a licitação.

Gráfico apontando a média de idade da frota por empresa (em anos)


Como na clássica gíria do futebol, as empresas estão “jogando com o regulamento embaixo do braço”. A licitação estabelece que haja uma taxa de 10% de renovação da frota anualmente, mas com os 296 veículos adquiridos quando o contrato entrou em vigor, atingiu-se quase 30% de renovação e as concessionárias não precisam comprar mais carros até, pelo menos, 2018.

Entretanto, até essa renovação obrigatória está em risco. Enquanto pouco mudou nas linhas e veículos, um fator inesperado atingiu em cheio as empresas de ônibus depois do início do novo contrato: uma queda histórica no número de passageiros.
Crise nas empresas de transporte coletivo

Para o diretor-executivo da Associação de Transportadores de Passageiros da Capital (ATP), Gustavo Simionovschi, haviam várias questões que não poderiam ser previstas. Entre elas, a diminuição “sem precedentes no número passageiros”:

“Apesar da queda já vir ocorrendo há algum tempo, ela ficava em patamares de 4 a 5%. Nunca alcançou os 10,9%, como atualmente. Não havia como imaginar um decréscimo nesse nível.” O diretor-executivo reforça que as empresas já vinham alertando, desde o ano passado, sobre a situação crítica de suas finanças. O problema é tão grave, que alguns compromissos que até então estavam sendo honrados — segundo Simionovschi, a partir de grandes esforços e negociações — vão acabar prejudicados. O 13° salário dos rodoviários é um exemplo. Em 24 de outubro de 2017, as empresas anunciaram dificuldade de realizar o pagamento deste vencimento no prazo determinado.

“Vai chegar o momento que não haverá condições de comprar o combustível para os ônibus”

Gustavo Simionovschi, diretor-executivo da ATP

A crise bate, inclusive, na frota nova adquirida em 2016. O diretor da ATP revela que há dificuldades para pagar os financiamentos obtidos, entre eles os dos 296 ônibus comprados no início do contrato de concessão. “Vai chegar o momento, lamentavelmente, que não haverá condições de comprar, por exemplo, o combustível para os ônibus, o que tornará inviável o serviço”, alerta o diretor-executivo da ATP.

A queda histórica no número de passageiros não é seguida para baixo pelos outros componentes necessários para o funcionamento do sistema de transporte — como o preço do diesel e as despesas com motoristas e cobradores.

Entretanto, há quem discorde do cenário de crise apregoado pelas empresas. O vereador Marcelo Sgarbossa, que ocupa uma cadeira na câmara da Capital pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em conjunto a outros vereadores da Oposição ingressaram com pedido de uma Auditoria ao Ministério Público de Contas (MPC). “Temos dúvidas porque não existe transparência nas contas das empresas privadas”, explica Sgarbossa.

A temeridade lançada com os anúncios de que não será possível cumprir a licitação também são criticados pelo vereador, que é presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh). Na visão do parlamentar, “cabe à prefeitura cumprir o papel de fiscalizar e cobrar das empresas para que cumpram com o contrato assinado”.

Carris X Marchezan: a polêmica da privatização

Dados obtidos pela reportagem junto à ATP mostram que o prejuízo das empresas ultrapassa a casa dos milhões. Segundo os números da entidade, desde que o contrato entrou em vigor, em fevereiro de 2016, a dívida dos quatro consórcios ( Mob, Viva Sul, Mais e Via Leste) e da Carris Porto-Alegrense é de R$ 119.701.748,88. Valores somados até o dia 31 de julho deste ano.

A situação mais delicada é a da Carris, empresa pública centenária que pertence ao município de Porto Alegre e opera 24 linhas na Capital e tem uma frota de 358 veículos. A entidade pública vê seu prejuízo aumentar significativamente ano a ano. Em 2011, a Carris tinha um prejuízo de R$ 5.916.653,00 e fechou 2016 com um saldo devedor de 51.700.874,00. Um aumento de 873% na dívida nos últimos cinco anos, deixando-a na situação dramática em que se encontra atualmente.

O prefeito de Porto Alegre em exercício, Nelson Marchezan Junior, trava uma batalha pública contra os servidores da empresa. Em entrevistas, ele tem deixado clara a sua intenção de privatizar a companhia.

Sozinha, a Carris tem uma dívida de R$ 25.109.581,29. É a empresa que tem maior custo e receita, mas ainda insuficiente para sua manutenção atual. Seria necessário que o valor da passagem ultrapassasse os cinco reais por passageiro para que a empresa não estivesse mergulhada no atual cenário de crise e risco de privatização.

O que levou uma empresa centenária como a Carris ao fundo do poço em que se encontra hoje? Erros de administração tem sido apontador como fio propulsor da crise na empresa. Entretanto, ignorando as ameaças do Paço Municipal, a atual presidente da empresa, Helen Machado, vem tentando reverter o cenário desde que assumiu a Carris, em abril de 2017.

“Elaboramos um plano de gestão que está sendo aplicado para enfrentar o déficit orçamentário, tendo como meta melhorar os resultados financeiros da companhia, recuperando-os com o desenvolvimento de projetos que compõem os quatro pilares do plano, embasados em gestão pessoas, qualidade, financeiro e operação”, explica Helen.
Entre as medidas tomadas pelo novo alto comando, está a renegociação de contratos com os fornecedores, que gerou uma economia de 14% em relação ao total que era previsto em contratos. “Ou seja, um ganho sobre o que seria pago nos contratos vigentes.”

A partir da identificação de contratos essenciais vencidos ao final de 2016, tanto em relação à compra de peças, como de solicitação de serviços, houve renovação ou novas licitações gerando, assim, a devolução à operação de 50 ônibus na primeira quinzena de novembro. Segundo a administração da Carris, a conclusão do cronograma de manutenção está prevista para a primeira quinzena de dezembro de 2017.

A presidente reforça a fala da ATP ao lembrar que o cenário não está favorável para todo o setor de transporte público. Para Helen, a única alternativa no momento é a busca do equilíbrio, foco da administração pública, como a proposição dos projetos que preveem a diminuição das isenções na passagem de ônibus da Capital.

“É responsabilidade da Prefeitura a decisão quanto ao futuro da empresa”

Helen Machado, presidente da Carris

Atualmente, as gratuidades representam em torno de 35% do total de usuários. Na Carris, o número sobre para 38%, devido ao alto índice de utilização da segunda passagem gratuita, por se tratar da maioria das linhas serem transversais. A segunda passagem foi umas das isenções que o prefeito Nelson Marchezan tentou extinguir. Entretanto, uma decisão judiciou reverteu a decisão.

Quanto ao cenário da privatização, a presidente reforça que Carris está atuando para que a empresa esteja com seus atos administrativos sendo colocados em prática para a gestão do negócio. “É responsabilidade da Prefeitura a decisão quanto ao futuro da empresa”, diz Helen.

Defensor da Carris, o vereador Marcelo Sgarbossa (PT) crava que “é preciso ter esperança com a transporte da Capital”. “Não faz muito tempo Porto Alegre era referência em transporte público no País. Tanto que a Carris chegou a ser escolhida a melhor empresa do Brasil”, relembra o parlamentar.

A companhia é importante para elevar a qualidade do transporte na cidade, segundo Sgarbossa. Uma administração de qualidade pode fazer da Carris um balizador de qualidade, conforme o vereador, o que forçaria as empresas privadas a melhorar seu serviço em busca da equiparação com a companhia pública. “Porém, o prefeito Marchezan segue na contramão falando em privatizar a Carris, que é um patrimônio da população de Porto Alegre”, critica Sgarbossa.
Isenções polêmicas

A atual administração da Capital, com apoios das empresas de transporte, costuma creditar a culpa do custo elevado da tarifa nas isenções conferidas pelo sistema. Quem não paga passagem representa uma fatia de 35% dos usuários. Para o prefeito Nelson Marchezan, “65% da população que utiliza o transporte público, paga 50% a mais no valor de sua passagem por conta das isenções”.

Gráfico apontando o Perfil das isenções no sistema de transporte da Capital 

Dados levantados pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostraram que o número de gratuidades em Porto Alegre, está acima da média nacional, que ficou em 22%, em 2016. Com seus 35%, a Capital está em segundo lugar nos índices de isenções, ficando atrás apenas de São Paulo, que possui 51%.

Entre as gratuidades do sistema, o item que causa maior impacto é a segunda passagem gratuita. Até 2011, era concedido 50% de desconto na segunda passagem para o usuário que embarcasse em outro ônibus em até 30 minutos após descer do primeiro. O desconto tem por principal objetivo beneficiar o trabalhador que costuma utilizar dois ônibus para chegar ao serviço.

Porém, no mesmo ano de 2011 foi decretada a extensão do desconto para 100%. Ou seja, quem usa dois ônibus para se deslocar pela cidade, paga apenas a primeira passagem.

A iniciativa representa R$ 0,51 na tarifa, o equivalente a 13%. Pelos cálculos expostos pela prefeitura para tentar defender a retirada da segunda passagem gratuita, se não houve esta isenção, a tarifa, que atualmente está R$ 4,05, custaria entre R$ 2,65 e R$ 2,70.

Além da segunda passagem, outras isenções presentes no sistema de transporte de Porto Alegre são as passagens gratuitas para idosos acima de 60 anos, e o passe livre para pessoas com necessidades especiais e acompanhantes.

A Capital ocupa o segundo lugar quando o assunto é valor dos salários dos motoristas e cobradores, que representam 49% no cálculo da tarifa. Em Porto Alegre, o salário do motorista em dezembro de 2016, fechou em R$2.424,52, enquanto o do cobrador ficou em R$1.456,60, sendo superado também pela capital paulista.

Os fatores que compõem a tarifa do transporte público via ônibus na Capital foram definidas na licitação lançada em 2015 e assinada em 2016. A maior parte, 49%, fica a despesa com o pessoal, seguido pelos 22% com despesas variáveis, onde entra o combustível, os lubrificantes, pneus e a recapagem.

Gráfico apontando o Número de usuários por perfil em Porto Alegre

Esses cálculos apresentando pela ATP são os grandes motivadores do pedido de Auditoria enviada ao MPC pela Oposição de Marchezan na Câmara. Outras inspeções autorizadas pelo MPC em 2011 e 2013 mostraram diversas irregularidades no setor, que iam desde lucros indevidos, superfaturamento de insumos, como óleo e diesel, até a forma de calcular as passagens. 

A ATP incluía no cálculo da tarifa a frota total dos ônibus, contando os veículos reservas, que acresciam R$ 0,20 no preço final da passagem. A esperança é descobrir se o cenário mudou desde a última auditoria.

“Essas respostas podem sair da auditoria que foi solicitado ao MP de Contas. As empresas precisam cumprir com o que determina o contrato da licitação, com a renovação da frota, que inclusive está embutido no preço da tarifa”, diz o vereador.

O índice que determina o preço da passagem

De acordo com a EPTC, o valor da passagem é resultado do Índice de Passageiros Pagantes Transportados por Quilômetro (IPK), calculado a partir do número de passageiros transportados e da quilometragem rodada pelos veículos. Entre 2015 e 2016, houve uma redução no número de passageiros nos ônibus e a média de quilômetros rodados permaneceu a mesma. O impacto causado foi o aumento da tarifa, que chegou aos R$ 4,05 neste ano.

A queda acumulada do IPK desde a primeira tarifa de ônibus do Plano Real, em julho de 1994, corresponde a 48,09%. Dentre os maiores motivos que explicam a diminuição ao longo dos anos, destacam-se: o aumento da frota de automóveis e motos, cujo crescimento corresponde, desde 1994, a 92% e 490%.

Entre os fatores que impulsionaram estão: o crédito abundante e acessível; o menor preço da gasolina, o que incentivou o uso de transportes individuais; a concorrência com outras alternativas de transporte público, principalmente após o surgimento dos aplicativos de mobilidade urbana; o crescimento da violência e o valor da passagem de ônibus.

Gráfico apontando Composição da tarifa de ônibus da Capital - atualmente em R$ 4,05

Em contrapartida, a rodagem, cresceu desde a implantação do Plano Real, chegando a 16%. O que significa que mesmo com a queda da demanda, a oferta continuou a aumentar. Esta combinação resultou na queda em larga escala do IPK. A redução faz com que a tarifa aumente mesmo que o custo permaneça sem alterações.

E como a queda se deu essencialmente pela diminuição de passageiros pagantes, a eliminação dela se dará somente reduzindo a oferta na mesma proporção. Ou seja, numa amostra exemplar: para 1% de queda no número de passageiros pagantes é necessário diminuir a oferta (frota e km) em 1%. Contudo, nem sempre é possível cumprir essa tarefa, por diversos motivos, em que se destacam as pressões das comunidades por maior atendimento.

Menos isenções e mais dinheiro público

No cenário atual, com cada vez menos usuários no transporte público e o mesmo número de quilômetros sendo rodados pelos veículos, o valor da tarifa precisa aumentar para compensar o prejuízo gerado pela diminuição no número de usuários, já que a única fonte de financiamento do sistema é o valor da passagem.

Instituições como a NTU e a ATP defendem novos meios de financiamento para reverter o cenário de crise do transporte público na Capital. A criação de impostos revertidos ao setor e o financiamento público do serviço estão entre as medidas citadas.

O Cide Municipal, projeto que tramita em Brasília, visa à criação de um imposto sobre combustíveis que seria revertido ao setor de transporte público de cada município onde o tributo seria recolhido. Para o diretor da ATP, Gustavo Simionovschi, “o problema é que hoje todo o custo é dividido somente entre os passageiros pagantes, fazendo com que resulte em um valor elevado para esse público”.

Então, o Cide Municipal seria uma das soluções viáveis. Ainda segundo o diretor da ATP, “dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) revelam que não haveria impacto inflacionário (IPCA), para maior, com a medida”.
“Encontrando outra forma de custeio dessas isenções, a tarifa ficaria mais acessível e o serviço tenderia a captar novamente passageiros”, explica Simionovschi.

A entrada de dinheiro público para custear o sistema é um ponto de concordância entre as empresas e o vereador Sgarbossa, conhecido pelo seu envolvimento em causas de mobilidade urbana. Para o parlamentar, o tópico ainda assusta um pouco por ser interpretado de maneira equivocada, “com o transporte sendo visto como uma mercadoria destinada a quem consegue pagar, e não como um direito da população”.

“Sempre me lembro de uma conversa que tive com um político alemão sobre esse tema. Ele contou que na Alemanha, desde a extrema direita à extrema esquerda, todos os políticos apoiam a destinação de subsídios públicos para o setor de transporte”, recorda Sgarbossa.

Além de trazer dinheiro público para o setor, diversificar os modais de transporte também é um ponto essencial na criação de uma cidade com potencial para ser exemplo de mobilidade. “Vemos com bons olhos o Aeromóvel, que é um sistema de baixo impacto ambiental. Mas também vale investir nos BRTs (sistema de transporte por corredores com ônibus e paradas especiais que nunca teve a implantação concluída na cidade), que até agora não saíram do papel.”

Ônibus deixam de ser opção para trajetos curtos

O elevado valor da passagem e o serviço precário do transporte público da Capital são fatores que podem influenciar na constante queda no número de usuários. Passageiros já deixam de utilizar os ônibus em trajetos menores e passaram a utilizar o transporte por aplicativos, um concorrente temido pelo setor. Isso porque, em distâncias curtas, o tempo de viagem de um carro é menor do que o do coletivo, além do conforto e segurança, principalmente a noite.

Rodrigo de Carvalho, 26 anos, analista de planejamento comercial e estudante de direito, precisa de dois ônibus para fazer o deslocamento até seu o trabalho e depois para voltar da faculdade. Como sai de casa muito cedo e retorna tarde da noite, a segurança é o mais importante para ele. “Deixei de usar os ônibus principalmente pelo tempo de espera na parada e riscos durante o trajeto”, conta ele.

O analista revela ainda que as linhas de ônibus utilizadas por ele sofrem com constantes assaltos. “São frequentes os assaltos dentro dos coletivos, quase sempre acontecem a prática de arrastões, nas mesmas linhas e quase sempre praticados pelos mesmos indivíduos”. Para o usuário do transporte, às autoridades deviam monitorar pontos específicos com mais frequência, fazendo barreiras e vistorias dentros dos ônibus.

Outro fator determinante pela não utilização dos ônibus é a distância da casa até de Carvalho até seu trabalho, que é de aproximadamente seis quilômetros. De carro, ele faz o trajeto em apenas 15 minutos, algo que levaria mais de uma hora caso utilizasse o transporte público da Capital. Para o analista, o principal problema está no alto valor da passagem e na pouca quantidade de coletivos circulando pela cidade em péssimas condições. “A maioria dos ônibus é sucateado e existem poucos circulando nas ruas, gerando sempre um trajeto com veículo lotado e grandes intervalos entre um horário e outro”, desabafa o estudante.

Do outro lado da roleta

“A função do motorista de ônibus é dirigir e cumprir com a tabela de horários sem reclamar de passageiros”. Essa frase foi disparada por um passageiro da Linha T4, operada pela Carris, por volta das 15h50 de um domingo qualquer, ao reclamar do atraso de 15 minutos do veículo.

Mas a vida de quem trabalha com o transporte público não é tão simples como a frase diz ser, e o motorista José Heraldo, 42 anos — 19 deles dedicados à Nortran, empresa de ônibus em Porto Alegre — confirma. “A gente trabalha sob pressão o tempo todo na empresa. Eles te dão os horários para cumprir e te descontam pelo atraso. Trabalhar com o público, com pessoas de bom e mau humor é complicado, sem contar com os azuizinhos que ficam te multando toda hora. É cansativo e estressante”.

Heraldo, que atualmente é encarregado de conduzir itinerários das linhas 762/Rubem Berta/Sertório 662/Rubem Berta, ainda conta que devido a normas implementadas pela EPTC o desempenho dos funcionários, que já é afetado por inúmeras cobranças dentro da própria empresa onde presta serviço e, pelas leis do trânsito onde é fiscalizada em todo trajeto, tornam a jornada de trabalho mais desgastante.

“Os passageiros criticam o motorista para que ande mais rápido, outros já querem que ande mais lentamente, sendo que o profissional da direção tem que estar atento aos radares móveis, que obrigam a andar a 30 km/h, o que é um estresse constante. Não tem como chegar a tempo andando nessa velocidade”, diz ele.

Mas para quem acha que o único problema de um motorista de ônibus é a obrigação de cumprir o horário a risca e de fornecer um bom serviço ao passageiro está enganado. Como é uma missão diária do profissional chegar a tempo de cumprir seus horários, alguns riscos aparecem pelo caminho, que como consequência, implicam em descontos no salário de motorista e do cobrador. 

“Eles descontam por batidas com o ônibus, multas e em acidentes, gerando uma preocupação financeira para o empregado, além de uma tensão pelo perigo de atropelamento, porque os pedestres não respeitam os sinais de trânsito”, relata o motorista.

A rotina de quem vive do outro lado da roleta torna-se ainda pior devido a insegurança que se propaga pela Capital. “Eles geralmente não nos descontam em casos de assalto, os quais se tornam cada vez mais frequentes, mas se passar da quantia de R$ 70,00, eles descontam”.

O estresse de passageiros descontentes com a qualidade do serviços acaba, muitas vezes, sendo ouvido pelos trabalhadores, que não tem influência em cenários de responsabilidade das empresas e do Poder Público. Os passageiros se sentem no direito de reclamar, mas na verdade, quem devia ouvir relatos não são esses homens e mulheres que estão do outro lado da roleta ou atrás do volante.

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