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Pão e trio: caminhando e cantando para lugar nenhum

Pão e trio
Caminhando e cantando para lugar nenhum
Lá se vai a multidão no rastro do trio, um rio de gente com a “alegre” sina de desaguar em lugar nenhum. O que importa é lavarmos o prato na doce ilusão de que somos ilustres, convidados a tomar parte no jantar de uma aristocracia requentada. Como galinhas nos alegramos com os grãos de milho. Sentimo-nos amados, compreendidos e representados, mas em terra de pavão galinha não enfeita jardim. Haveremos de estar novamente à mesa, mas não como convidados.

Ali, ao pé do trio, Pedreiras “dança, senta, rebola a raba”. A coroa de princesa é mera alegoria subjugada à realidade que a folia nos faz esquecer. O trio da alegria é o farelo que cai no chão. Anestesia a dor das ausências tão claramente estampadas em nossa Constituição. Ao passar não deixa escola, nem reforma o hospital que dia e noite enfeita horrorosamente a avenida Rio Branco.

O trio vem e não por acaso, nem tão pouco por amor.  Na terra de Benedito o velho trio elétrico ainda é milagreiro. Tem o dom de converter direito em favor, este mais na frente se fará voto. Não liberta, não emancipa ninguém, tão somente diverte e cativa. No dia seguinte, sem nenhum tostão furado no bolso, na lucidez do dia, percebemos que nossa pobreza é bem maior que essa.

Na “democracia rinha de galo” não cabe cachorro pé duro. Tem que ter culhão, capital financeiro e eleitoral. Nela as boas ideias de gestão não são bem vidas. O que impressiona é ter o nome na lista dos patrocinadores. A política do lava prato sempre esteve aqui, nas esquinas, becos, vielas e morros. É parte da história de Pedreiras. É a mesma política do foguete, do peixe, do pão, do circo e do asfalto. Ela ainda será parte do que somos por muito tempo. É uma casta maldita que a gente ovaciona. É a política da dependência, do voto como gratidão e não com expressão de liberdade política.

O lava prato não é uma peça aleatória no tabuleiro da política local. É um trunfo na manga de parte dos adversários de uma gestão que impressiona pela improvisação e mediocridade. Evoca no povo insatisfeito a saudade dos carnavais de outrora. Mas a nostalgia é seletiva e não coloca no mesmo combo os desmandos de um dia desses. Isso é típico de uma cidade que não cuida bem de sua história. Cutucar cicatrizes, pra quê?

O trio ainda impressiona a cidade secular, que pelo visto não terá um ano de centenário a altura. Parece que os cem anos caíram do nada. Descobrimos ontem. Até aqui nenhum sinal do quão simbólico poderá ser esse momento. Nenhuma programação para o decorrer do ano foi anunciada, a marca do centenário, apesar de escolhida, não pavimenta nossa paisagem urbana e tão pouco inspira desejos de uma cidade melhor. Há uma brecha e o trio vem para preenchê-la, mas não vem de graça. “Uma pedreiras de todos” continua sendo um ótimo slogan e isso é triste, mas a verdade posta é essa: nunca foi.

 A banda toca, o trio avança, o sol acorda os cães que afugentam-nos, apartando-nos do trio, dos tambores e do axé. Quando a banda dorme acordamos e vemos com mais nitidez que o conto “todo poder emana do povo” é história de ninar.

Eles não nos amam. Não há qualquer laço que alimente afeto. Isso não é política, pois na troca só eles ganham. A gente continua aqui, no pé da mesa, esperando. É um ciclo maldito que perpassa gerações. Com ele o asfalto, o trio e a trupe.

Não vejo uma saída que não passe pela formação política, participação popular e o fortalecimento de nossas comunidades, na cidade e no campo. Os aristocratas precisam de nossas necessidade, para que da parte deles haja a promessa, a solução. 

Indiscutivelmente a democracia representativa tem falhado, como apregoou Hannah Arendt. Entretanto, volver para outros modos jamais será um caminho viável. A saída precisa ser construída, uma vereda feita no caminhar coletivo. Aos que não se contentam com a política do trio  na avenida, eis o desafio: criar atalhos.

Por Joaquim Cantanhêde



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