O sol refulgia na superfície da água, tornando-a tão brilhante quanto luzes de Natal. A brisa trazia o perfume da maresia e o sibilar das gaivotas, que cantarolavam em coro. Uma velha música retumbava insinuante nas veredas da minha mente, me transportando gentilmente para o baú de minhas memórias, tão empoeiradas e imortais como um velho vestido de noiva; tão fortes e tão vagas que eu sequer sabia se realmente me pertenciam, como aquele brinquedo que nunca lembramos como veio parar em nossas mãos; tão incertas e tão sólidas, que eu nem sequer sabia se ao menos existiam, como quando não sabemos se sonhamos ou se vivemos, ou se vivemos sonhando...

Notei que não importava de verdade onde era, onde estava, ou aonde estava indo... o lugar que eu só conhecia não precisava ser palpável, não precisava de rochas para existir, pois ele não exigia muito. Ele se contentava com sentimentos, lembranças, ideias... Não precisava de nada, pois me acompanhava, pois estava em mim, sempre aconchegante e convidativo como um sofá confortável e um cobertor velho, um livro modesto e um chocolate quente... dependia somente de mim.

Não fazia mal se tudo estava acabando, se tudo estava desmoronando como castelos de areia ou morrendo como fogos de artifício que explodem em grande beleza para em em seguida se calarem e se perderem no manto escuro da noite... Não fazia mal se eu quase não reconhecia os dias de paz ou a vida que eu costumava amar...

Eu era meu próprio abrigo, meu porto seguro, meu farol. Eu era o caminho, o destino, o atalho. A chegada, a estadia, a partida. Eu era o sol que brilhava sobre as águas, o grito das gaivotas, o sofá e o cobertor, o livro e o chocolate. Eu era as coisas adoravelmente simples que achei terem fugido. Elas nunca escaparam de meus dedos. Elas me pertenciam. Elas me construíam, elas tornavam cada parte de mim em algo de verdade. Eu me bastava. Eu era meu lugar. O melhor lugar do mundo. O lugar que só eu conhecia.