Ela olhava para fora, através do vidro gélido que a separava da brisa fria de inverno. As crianças brincavam no parque, as correntes dos balanços rangiam, emergindo pela fina bruma que recaía sobre a grama.

O sol lá fora era fraco, mas garantiria mais calor do que as paredes que a aprisionavam. A estrada a frente de seus olhos se estendia longamente, prometendo um mundo totalmente novo, banhado de sonhos e possibilidades intocadas.

Desde que aprendera a respirar ela planejou sua fuga. Desde que seus olhos abriram, ela desejou pousar seus pés descalços sobre a grama orvalhada, sentir a brisa morna e o abraço cálido do sol. Por toda sua existência ela sonhou em correr e escapar por aquela terra, perseguindo o coelho branco que lhe incitava silenciosamente.

Ela queria ser como as outras crianças. Ela queria sentir o que elas sentiam, e brincar como elas brincavam. Ela não entendia por que todas podiam sorrir, mas ela estava condenada a espreitá-las com olhos calados.

E foi no baixar dos mesmos belos olhos que ela finalmente se deu conta de que a corrente em seus pés estavam presas a lugar nenhum, e os grilhões nunca sequer existiram. E pela primeira vez desde a vida inteira, um sorriso iluminou seu rosto. O ferro tornou-se pó, e os vergões que testemunharam sua dor, aquietaram-se, orgulhosos por sua redenção.

O vidro se estilhaçou e seu mundo acinzentado tombou numa aquarela brilhante. Então havia fogo e luz e as portas escancaradas para que ela fosse abraçada pela liberdade que tão ardentemente ansiou.

E em seu hesitante bater de asas, uma das crianças que outrora brincou no parque, segurou a barra de sua saia e disse: "Vá e voe, borboleta. Sua história será contada, de como foi querida, de como foi amada, como é desde a letra do teu nome. Voe e beba da vida, e para cá nunca mais retorne."

E ela sorriu, acalentou a beirada do queixo da pequena que lhe falou, e obedeceu. Suas pernas se moveram e em um segundo sua alma se multifacetou, refletindo pequenos grãos de alegria, e seus ossos finalmente ganharam o vento.