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Artigo de Opinião: Eleições 2018

Processo Eleitoral que Elegeu Bolsonaro Tem Relação com Medo de Isolamento

A grande omissão de votantes das eleições de 2018 não foi por acaso. Entenda a relação da falta de comprometimento dos brasileiros com a Teoria Espiral do Silêncio. 

Com os avanços da democracia, em particular com a introdução das eleições diretas em 1989, o povo brasileiro garantiu um grande direito, e com isto, adquiriu uma grande responsabilidade. Na contemporaneidade, se tornou de amplo conhecimento a existência de campanhas em prol da conscientização quanto ao voto: em redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram, os jovens se mobilizam ao solicitar que os cidadãos brasileiros evitem abstenções e que não votem nulo ou branco nas próximas eleições presenciais. Mas qual motivo está por trás dessas mobilizações? Sabemos que, em 2018, os votos nulos, brancos e abstenções somaram 29% dos votos. No segundo turno, o percentual de votos nulos foi o maior registrado desde 1989. Jair Bolsonaro obteve o voto de 39% dos eleitores, saindo vencedor contra a oposição do professor Fernando Haddad, com 32%. Na visão dos analistas, na prática, uma das candidaturas sempre acaba se beneficiando dos votos nulos e brancos – isso porque, matematicamente, eles ajudam quem está na frente, tanto no primeiro quanto no segundo turno. Não é que o voto vá para alguém, mas, quando o eleitor vota nulo ou branco, esses votos não são contados entre os votos válidos. Isso faz com que quanto maior o volume de brancos e nulos, mais fácil seja obter a maioria. Assim, entendemos que o grande fenômeno de votos “desperdiçados” que ocorreu em 2018 foi um fator decisivo para a candidatura do atual presidente. Ao tomar consciência dessa realidade, ativistas políticos ganharam as redes sociais com frases do tipo “anular voto é irresponsabilidade” (Silas da Silva), e “lembrete para 2022: voto nulo não faz revolução” em cartaz de autoria desconhecida. Nesse sentido, a Teoria Espiral do Silêncio, proposta por Elisabeth Noelle-Neumann em 1977, pode explicar o que ocorreu no comportamento dos eleitores em 2018 para que abdicassem do poder de fornecer votos válidos e transformadores numa eleição presidencial. 

Figura 1 (ao final)

A Teoria Espiral do Silêncio é uma teoria da ciência política proposta em 1977 pela alemã Elisabeth Noelle-Neumann. Na verdade, a teoria surgiu como parte da ciência política, mas passou a ser mais empregada no campo da comunicação de massa conforme Noelle-Neumann se dedicou a mensurar o impacto que a opinião pública tem sobre a opinião dos indivíduos. Intrigada com o movimento do eleitorado social-democrata e democrata cristão na reta final das campanhas para as eleições alemãs de 1965 e 1972, Elisabeth se propôs a estudar os efeitos de tal mudança súbita de opinião. Algum tempo depois, suas pesquisas revelaram que tal movimento se devia a uma tentativa dos eleitores de se aproximar das opiniões que julgavam dominantes. Os resultados apontaram algo próximo do que hoje chamamos de efeito manada a partir da divulgação das pesquisas de intenção de voto. Elisabeth concluiu que os indivíduos, enquanto agentes sociais, possuem uma certa tendência a se silenciarem ou omitirem suas próprias opiniões ao sentirem a ameaça do isolamento por outros grupos que possuem opiniões e ideologias opostas às suas, e que conferem parte de uma maioria. Esses agentes analisam o ambiente ao seu redor e ao perceber que pertencem à minoria (e por não estarem tão certos disso) se resguardam para evitar impasses. A partir desse estudo, é possível perceber, então, a base do comumente chamado "efeito manada", sobretudo no que diz respeito à corrida eleitoral. Tal comportamento gera uma tendência progressiva ao silêncio denominado espiral, dado que a não expor tal discordância, o indivíduo automaticamente compactua com a maioria, fazendo com que outras pessoas que compartilham da opinião divergente também não a verbalizem. Em regra geral, quanto menor o grupo que discorda abertamente da opinião majoritária maior o ônus social em expressá-la. 
Aplicando os conhecimentos da socióloga, podemos fazer uma relação óbvia entre o receio de ser reprimido socialmente pelos seus ideais individuais, sugeridos pela Teoria Espiral do Silêncio, com a grandiosa omissão de parecer político que aconteceu no ano de 2018. É possível também identificar movimentos de tendência (ou tendências de movimento), sempre influenciados por uma supervalorização ou sobrevalorização coletiva acerca de determinado assunto ou mesmo, de determinado grupo político. Na análise de Rudá Ricci, cientista político formado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, as eleições serviram para revelar um país radicalmente dividido em dois importantes polos eleitorais: centro-sul e nordeste. “O Sudeste dando uma guinada muito nítida à direita e em alguns casos para a extrema direita. É o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro onde o candidato a deputado estadual mais votado é justamente aquele personagem que quebrou a placa com nome de rua da Marielle”, avalia. “Já no Nordeste, a votação é toda à esquerda. O PT faz vários governadores, o PCdoB reelege Flavio Dino, no Maranhão, e temos o PSB elegendo vários governadores”, complementa. “Muita gente que está declarando voto em branco pela incerteza, pela rejeição ao que é visto como dois extremos", afirmou o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da UFMG. O desgosto radical sobre uma das oposições registrado diariamente na mídia, nas conversas informais, nas universidades e escolas, plantou nos brasileiros o descontentamento em se relacionar ou até mesmo conviver com indivíduos do outro lado de um dos extremos. Aristóteles sugere que a sociabilidade é uma propriedade essencial do homem, de forma que precisa de vínculos sociais para satisfazer suas necessidades e, consequentemente, teme o isolamento. Dessa forma, tornou-se até mesmo uma estratégia de socialização se manter neutro quanto a questões políticas, pensamento que foi carregado até as urnas, dado os 29% de votos citados anteriormente. Por último, mas não menos importante, Noelle-Neumann faz uma última ressalva em sua teoria. Trata-se do indivíduo que ela chama de 'duro de espírito'. A ele não se aplica a Espiral do Silêncio, já que ele não se deixa impactar pelo Clima de Opinião. Neste indivíduo, notamos uma disfunção psicológica que afasta o medo de se tornar socialmente excluído ou, em casos mais graves, faz da "não-concordância" um objetivo pessoal. São os eleitores que apesar de situações adversas, usam amplamente suas vozes para proferir apoio a uma das potências polarizadas, seja qual for. 
O ideal seria que nós mesmos fôssemos capazes de escolher representantes com base em identidades de agendas, não em virtude do que pensa uma suposta maioria, máxime quando a maioria sequer existe, mas é forçada a existir em razão da divulgação de uma pesquisa, em uma perversa lógica de uma consequência que também é causa. Esse ideal é aparentemente utópico (com o perdão de eventual redundância), pois, segundo Noelle, a vontade de não contrapor a maioria dominante é da essência do ser humano, ainda que em alguns momentos parte dos indivíduos lute contra a tendência da maioria.  Esse tipo de comportamento em massa é nocivo, pois não traduz com fidelidade as reais intenções e necessidades dos cidadãos, e sim colabora com a iminência de uma nova realidade que só existirá devido à pressão sentida anteriormente ao lidar com opiniões conflitantes e aparentemente majoritárias. É preciso romper com essas pressões sociais e agir com consciência política, em prol do que é melhor da sociedade como um coletivo. Será que, se esse fosse o caso, o resultado desastroso da última eleição presidencial seria diferente? 
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