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Artigo de Opinião Marco Temporal

Marco Temporal, a causa da paz ou da guerra?

Por Mariana Marçal

Na semana passada, no dia 27 de setembro de 2023, ocorreu no Senado a votação do Projeto de Lei do Marco Temporal, que foi aprovado com 43 votos a favor e 21 contrários, com um quórum de 65 dos 81 parlamentares. O texto seguirá agora para sanção ou veto do presidente Lula (PT), que pode vetar trechos do texto ou a sua íntegra. Mas você sabe o que é esse projeto e quais mudanças podem ocorrer com ele? Neste artigo de opinião, abordarei um breve resumo histórico sobre a demarcação das terras indígenas e o marco temporal.

Os indígenas são os primeiros habitantes das Américas e têm uma história milenar de ocupação, resistência e diversidade cultural. Eles são parte integrante da formação étnica e social de vários países, como o Brasil, onde deram origem ao caboclo (mestiço de branco e índio). Eles possuem um vasto conhecimento sobre o uso de plantas medicinais, que foi transmitido de geração em geração e serviu de base para a medicina ocidental. Muitos remédios usados hoje em dia têm origem em plantas nativas das Américas, como a quina, a ipecacuanha, o curare e a coca. Além disso, os povos originários têm uma rica expressão religiosa e cultural, que se manifesta em diversos rituais que envolvem música, dança, pintura corporal, adornos, oferendas e sacrifícios. Esses rituais têm diferentes finalidades, como celebrar a vida, a morte, a colheita, a guerra, a iniciação, a cura e a comunicação com os espíritos. Eles influenciaram a moda e o vestuário de várias formas, desde o uso de tecidos naturais, como o algodão e a seda, até o emprego de cores, estampas, bordados e franjas. Alguns exemplos de peças de roupa inspiradas na cultura indígena são o poncho, a saia rodada, o chapéu de palha e as sandálias de couro.

Além dessas contribuições, os indígenas também deixaram sua marca na culinária, no artesanato, na língua, no folclore, na arquitetura, na agricultura e na ecologia. Muitos pratos típicos, como a tapioca, o pirão e a maniçoba, têm origem indígena. Muitos objetos de uso cotidiano, como a rede, a cabaça e a gamela, foram criados pelos indígenas. Muitas palavras do português brasileiro vêm do tupi-guarani, como pindorama, anhanguera e ibirapitanga. Muitas lendas do folclore brasileiro têm origem indígena, como o saci-pererê, o curupira e a iara. Muitas construções típicas do Brasil têm influência indígena, como as ocas e as malocas. Muitas técnicas agrícolas sustentáveis foram desenvolvidas pelos indígenas, como o cultivo da mandioca e do milho. Muitas práticas ecológicas foram ensinadas pelos indígenas, como o respeito à natureza e à biodiversidade. Sua preservação é de suma importância para todos. Todas essas informações abordadas acima foram retiradas do portal da Sabra, Sociedade Artística Brasileira, e do artigo de Valdir Lamim-Guedes. Essas são apenas algumas das contribuições que os indígenas fizeram para toda a sociedade. Eles são um patrimônio cultural e ambiental que deve ser valorizado e preservado.

O marco temporal é uma tese jurídica que busca alterar a política de demarcação de terras indígenas no Brasil. Segundo essa apresentação, somente os povos indígenas que já estivessem ocupando uma terra no momento da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, poderiam reivindicar direito sobre ela. Caso seja aprovada, ela pode inviabilizar o registro de até 287 territórios que estão em processo de demarcação, segundo dados da Funai. Isso significa que esse projeto pode anular demarcações que não seguiram esse critério e proibir a ampliação das terras indígenas já demarcadas. Além disso, prevê indenização a produtores rurais pelas benfeitorias nas fazendas que venham a ser desapropriadas.

A demarcação de terras indígenas no Brasil é um processo realizado pela Fundação Nacional do Índio e é importante para a manutenção dos povos originários e para a preservação do meio ambiente. O processo passa pelas etapas de identificação, declaração e demarcação dos limites da área, homologação e registro. A autonomia dos povos indígenas foi reconhecida na Constituição Federal de 1988, embora haja leis anteriores, como o Estatuto do Índio, que também preveem a demarcação das terras indígenas. Hoje, existem 731 terras indígenas no Brasil, de acordo com o Instituto Socioambiental. Dessas, 490 foram demarcadas e homologadas.

Em um estudo realizado em 2018 por Pamela Guitarrara, mestre em Geografia, foi concluído que os conflitos nas áreas demarcadas acontecem principalmente pela posse dessas terras e se concentram nas regiões de expansão da fronteira agrícola e das atividades de extrativismo vegetal e mineral. Ela afirma que houve uma intensificação nos conflitos nas áreas de terras indígenas, principalmente no norte do Brasil, em função da atuação de fazendeiros, madeireiros e garimpeiros ilegais. A falta de fiscalização dos órgãos governamentais competentes tem intensificado os conflitos em áreas demarcadas, aumentando a vulnerabilidade das comunidades indígenas.

Nesse estudo, o processo começa com a identificação da área que os povos indígenas ocupam tradicionalmente. Em seguida, é feita a declaração dos limites da terra indígena, que é publicada no Diário Oficial da União. Depois disso, técnicos da Funai em conjunto com representantes das comunidades indígenas realizam a demarcação física da área. A homologação da terra indígena é feita pelo presidente da República após análise técnica e jurídica do processo.

Embora a demarcação de terras indígenas seja um direito previsto na Constituição Federal de 1988 e estabeleça o limite dos territórios, dando aos indígenas o direito à posse e ao uso exclusivo das terras a partir do chamado “direito originário”, na prática, não ocorre dessa forma. Tanto que foi necessário um novo projeto de lei para que as terras indígenas não fossem invadidas e tomadas.

Segundo Dinamam Tuxá, advogado e coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), as terras indígenas são essenciais para manter a vida e a subsistência de 305 povos indígenas brasileiros. A demarcação dessas terras significa garantir a diversidade cultural e a preservação dos modos de vida tradicionais, que protegem o meio ambiente e a biodiversidade. Além disso, as terras indígenas são importantes para a conservação da floresta amazônica, pois os povos indígenas têm um papel fundamental na preservação da biodiversidade e na luta contra o desmatamento, como afirmam especialistas da The Nature Conservancy Brasil.

A divulgação da cultura indígena pode sensibilizar a população para a importância de viver de forma sustentável e, assim, utilizar práticas conservacionistas e transmitir para as futuras gerações o conhecimento adquirido por esses povos. No entanto, nem sempre conseguem dar continuidade a isso. Recentemente, visitei uma aldeia Kaingang em Lajeado do Bugre, no interior norte do Rio Grande do Sul. Ao redor, onde deveria estar repleto de árvores e animais, na verdade está cheio de plantações de soja. As casas estão caindo aos pedaços, sem estrutura, e as escolas sem ensino, as aulas das crianças são ministradas por um homem branco. Em um projeto das ODS realizado na aldeia por estudantes da Universidade Federal de Santa Maria, FW, foi concluído que as crianças e adolescentes não sabem nada da história dos nativos indígenas, não têm conhecimento variado de animais e árvores e seus vocabulários se limitam. Os mais velhos ingressaram na Universidade no curso de Licenciatura Indígena para que assim pudessem ter a liberdade de dirigir sua aldeia como bem quisessem, educando a nova geração da forma que achassem correta.

O marco temporal é uma questão controversa. Em uma pesquisa popular realizada pela Globo, concluiu-se que os defensores do marco temporal argumentam que ele é necessário para garantir a segurança jurídica e evitar conflitos fundiários. Já os críticos afirmam que a tese é inconstitucional e viola os direitos dos povos indígenas, além de favorecer interesses econômicos em detrimento da preservação ambiental e cultural. A aprovação do projeto de lei é vista como uma vitória para ruralistas e setores conservadores, mas tem sido criticada por organizações indígenas e ambientalistas.

Um dos impactos para os indígenas e terras é que, se a tese for aceita pelo STF, indígenas poderão ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não se comprove que estivessem lá na data da promulgação da Constituição de 1988 e sem que se considerem os povos que já foram expulsos ou forçados a sair de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricas, que se arrastam por anos, poderão ser suspensos. Também facilitará que áreas que pertencem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, possam ser privatizadas e comercializadas. A comercialização responde ao interesse do setor ruralista. É uma luta que não acaba, mas os povos indígenas estão dispostos a lutar como lutaram durante todos esses anos.
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