Anderson Maciel's profile

As relações públicas na era (pós) digital

Antes de tudo, é preciso esclarecer um ponto crucial, e aqui faço uma ruptura com o pensamento que ainda diferencia o on e o off, especialmente quando se fala das relações públicas: esse cenário não mais existe. Hoje, vivemos um cenário pós-digital, isto é, o digital já é intrínseco ao nosso cotidiano. Fazendo um paralelo muito simples, lembremos da energia elétrica: quando falta, nossa vida para, porque ela faz parte do nosso dia a dia. Antes da invenção da energia elétrica, porém, o contexto era outro. Dessa forma, não é que estejamos vivendo uma era digital: isso passou. Já nos adaptamos e não apenas sentiremos falta se o digital por algum motivo colapsar, como nossa vida também vai parar, assim como no exemplo da energia elétrica. Embora haja ainda muitas pessoas sem acesso à internet e às mídias, elas também são afetadas, mesmo que indiretamente, por todo esse contexto – pois todos os meios que as atingem e as influenciam foram transformados por esse ambiente. 

Com isso, é impossível, para hoje e para o futuro, ainda se basear nos conceitos das relações públicas na fase 1.0 da Web, que era dominada pela unilateralidade da informação em seus diversos meios. É tampouco sensato embarcar na fase 2.0, pois, como o primeiro parágrafo já deixa evidente, evoluímos para etapas posteriores. Restam-nos as características das fases 3.0 e 4.0 que, agora assim, são mais abrangentes com o agora: algoritmos, apps, computação em nuvem e vida digital onipresente, o que se conecta diretamente com a era pós-digital. E sabe-se lá para onde iremos e que conceitos deveremos renovar! O próprio conceito de relações públicas, no entanto, segue imutável: a atividade de mediação entre organizações e seus públicos. 

Diante desse contexto, falemos da pandemia e das relações públicas, que se alentaram exponencialmente durante este período. Um levantamento do Instituto Ipsos mostrou que 47% dos brasileiros relatam terem aumentado as compras online durante a pandemia. E cito outro dado relacionado ao último: em 2020, 48% das pessoas de 18 a 24 anos disseram ter comprado um produto após a recomendação de um digital influencer. Se essa semelhança entre números é mera coincidência ou não, não tenho propriedade para dizer, mas fica a pulguinha atrás da orelha quando pensarmos a respeito. E estes números só tendem a crescer, especialmente em um cenário pós-digital, onde o investimento, a inovação e o empreendedorismo estão sempre em foco, aumentando consideravelmente o número de influenciadores, e-commerces e, potencialmente, o número de consumidores. 

Em razão do grave problema sanitário causado pela Covid-19, as pessoas, boa parte delas confinadas, estão mais atentas e ligadas às mídias. De acordo com uma pesquisa da Kantar, as redes sociais tiveram um crescimento de uso de 40%, um número bastante expressivo. Assim, peguemos o exemplo do Big Brother Brasil. É equivocado dizer ele é um produto offline porque é veiculado na televisão. Em mundo pós-digital, o programa está em todo lugar, em todas as mídias, em todos os celulares, ou, melhor dizendo, em nossa vida. Consequentemente, por toda a sua relevância e audiência, o Big Brother cria uma série de influenciadores – outrora participantes –, ou mesmo celebridades, se levarmos em conta a pirâmide de influência de Kuak. E as grandes marcas se beneficiam com isso. 

Juliette Freire é o maior fenômeno da edição 21 do Big Brother Brasil, e, até o momento, beira os 30 milhões de seguidores no Instagram. Um número incrível para alguém que, antes, não tinha nem 30 mil. Da água para o vinho, ela se tornou uma influenciadora, uma vez que monetiza, além do seu espaço digital, a sua própria imagem. Ela assim pode ser considerada porque se destaca na rede e consegue mobilizar muitos seguidores. Juliette, que é maquiadora, foi desejada por diversas organizações – pois, como sabemos, a personificação faz a diferença para quem está consumindo – e fechou contrato com a empresa de cosméticos Avon. Neste caso, ela pode ser considerada uma Fit Celeb, porque tem afinidade e relevância com o assunto da marca. 

Para se ter ideia do incrível poder que dispõe um influenciador, um livro citado por Juliette, em uma live, tornou-se o mais vendido da Amazon: estamos falando de ''Os quatro Compromissos – Um guia para a liberdade pessoal”, de Don Miguel Ruiz e Luis Fernando Martins Esteves. Isso se liga diretamente ao conceito que Karhawi dá aos influenciadores digitais, quando diz que eles têm ''poder de decisão de compra de um sujeito''. Eles têm autoridade. O exemplo de Juliette e de tantos outros prova isso. 

Na minha visão, o contexto da pandemia só acelerou um processo inevitável. O pós-digital é inevitável. As relações públicas estão cada vez mais relevantes porque a dinâmica do mercado está mudando o tempo inteiro, mas sempre em direção às interações e mesmo à contribuição mútua, com a participação direta do consumidor. Antes, as marcas estavam preocupadas apenas em vender. Hoje, os diversos públicos levam em conta uma série de outros fatores, que vão desde a empatia, a sustentabilidade, o respeito e a preocupação com o social até à gestão de crises e à gestão interna das próprias empresas. Comunicar-se com os diferentes públicos é essencial porque eles não apenas compram, mas interagem. Um exemplo emblemático é a Magazine Luiza, que demonstrou preocupação com a pandemia e auxiliou seus empregados de diversas maneiras, enquanto outras empresas, como a Madero, insistiam em voltar ao trabalho presencial e faziam alarde aos quatro cantos, mesmo indo em contramão em relação às recomendações sanitárias. A pergunta que fica é: qual das duas empresas citadas está com uma melhor imagem diante de seus consumidores? A resposta é um tanto óbvia. Feito em 2020, um estudo da ESPM Rio revelou que a Magazine Luiza era a empresa com a melhor imagem durante a crise. Simples entender. 

Outro bom exemplo é o Ifood, embora a empresa seja marcada por polêmicas que geram debate acerca de direitos trabalhistas e condições de trabalho. Sobre sua comunicação, a crítica que trago vem da escolha dos influenciadores: pessoas sem identificação com a marca e seu serviço. Entretanto, durante a pandemia, a empresa se preocupou em mudar a ''cara'' do influenciador tradicional: desta vez, trouxe histórias de vida de trabalhadores reais, que se arriscaram e se arriscam todos os dias nas ruas do Brasil. Isso gerou empatia e uma boa imagem da empresa, ao menos amenizando as percepções que se têm costumeiramente dela. 

Por fim, embora a influência sempre esteve em voga – não à toa as grandes empresas sempre usaram celebridades em seus comerciais –, ela está mais forte do que nunca. Acelerado pela pandemia, o poder de youtubers, streamers, influencers, tikotokers e outros está transformando as relações públicas e próprio mercado nesta era pós-digital, a qual estamos adaptados e a vivenciamos continuamente, o que indica que não devemos mais olhar o presente com os olhos do passado. É impensável, hoje em dia, uma comunicação unilateral, sem participação direta do público, ou mesmo sem pensar nos apps e algoritmos. O público espera empatia, cooperação, interação, responsabilidade, influência e diversas outras coisas. Organizações que negligenciam as relações públicas ou as mantêm obsoletas tendem a passar por dificuldades.  
As relações públicas na era (pós) digital
Published:

As relações públicas na era (pós) digital

Published:

Creative Fields