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Etnografia (pesquisa qualitativa)

ETNOGRAFIA
A predileção da mão direita numa missa católica - um relato etnográfico
Trabalho apresentado em 2018 para a disciplina de Antropologia I, da Universidade de São Paulo
Resumindo de forma prática, a etnografia a seguir objetiva testar a hipótese se ainda na religião católica brasileira, o uso da mão direita possui um significado sagrado e o da mão esquerda profano.
Introdução

Émile Durkheim acreditava que todas as crenças religiosas conhecidas supunham uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representavam, em duas classes opostas: o profano e o sagrado. Para o autor, tal divisão do mundo em dois domínios é o traço distintivo do pensamento religioso. Essa definição pode ser vista nas crenças e nos ritos.

Seguidor de Durkheim, o sociólogo Robert Hertz, pensando no corpo humano, afirmava que toda hierarquia social está baseada na natureza das coisas, atribuindo-se assim eternidade e evitando grandes mudanças.

Para o autor, essa mesma lógica pode ser conferida no uso da mão direita. Para ele, a predileção pelo lado esquerdo vai além do que a biologia nos explica. Por conta da polaridade religiosa arraigada nos nossos costumes, existe a preferência pelo uso da mão direita, a qual na nossa sociedade, seria sagrada, já o uso da mão esquerda, profana.

Tendo isto em vista e levando em conta a atualidade, este relato etnográfico teve como principal foco de pesquisa examinar e questionar se ainda nos dias hoje, essa convenção ainda pode ser vista nas crenças e ritos de uma cerimônia católica brasileira.


Método de pesquisa
O método de pesquisa etnográfica escolhido foi o de observação e documentação de fatos imponderáveis da vida real, que de acordo com Bronisław Malinowski, se refere às práticas comuns do grupo que se pretende estudar.

O local escolhido para a pesquisa etnográfica foi o Santuário Diocesano Santa Terezinha, que se localiza no município de Taboão da Serra, no estado de São Paulo. O templo foi inaugurado em 12 de outubro de 1955 pelo Cardeal Dom Carlos Carmelo Motta e até os dias de hoje ainda é um de grande ponto de concentração de fiéis católicos da cidade.
Relato etnográfico
Fui a campo no dia 8 de junho de 2018, no Santuário Diocesano Santa Terezinha. Cheguei às 18h30 para observar o local e tirar algumas fotos e logo após, acompanhei o culto das 19 horas às 20 horas. 

Enquanto os fiéis adentravam à igreja em silêncio, pude me atentar às figuras e a estrutura do edifício. Por fora, a figura de Santa Terezinha (Fig. 1), que segurava uma cruz com as duas mãos, porém com mão esquerda em posição elevada em relação à direita. Notei muitos religiosos fazendo “sinal da cruz” para a imagem.

Subindo as escadas, por dentro do Santuário, verifiquei algumas imagens de santos, principalmente femininas (Fig. 2). Também pude examinar, no piso, caixas para ofertas espalhadas no local estudado. No alto,  pinturas nas paredes.


O Santuário era de médio tamanho e possuía alguns vitrais com desenhos de flores. Os bancos eram levemente inclinados de forma triangular, para que o público pudesse olhar altar e o se olhar concomitantemente. À direita do palco, havia uma espécie de capela, onde possuía pessoas em profunda oração antes mesmo do início da celebração. Nas paredes notei pinturas representando cruzes e bíblias.

Em frente ao palco, de longe, poderia notar facilmente o principal afresco, de Jesus Cristo crucificado. Analisando-o percebi que à esquerda da crucificação,  estavam Maria, João e Nossa Senhora do Sorriso e à direita do crucificado, Santa Terezinha e o Menino Jesus. Acima,  uma ovelha representando o Cordeiro de Jesus e anjos.  Um obra com objetos postamente equilibrados (Fig.3).


Em relação aos fiéis, o público era diverso: desde jovens a idosos. Observei que muitas pessoas entravam em grupos ou em famílias.

Às 19h00 a clerezia estava pronta para começar a celebração, mas antes disso, se foi pedido para que os fiéis desligassem seus telefones móveis, para que pudessem obter a maior concentração possível da cerimônia.

Após o aviso, iniciou-se o rito com a entrada dos sacerdotes pelo lado direito da igreja, beijando o altar e proferindo o sinal da cruz. Enquanto eles passavam pelo corredor, os fiéis levantavam-se das cadeiras e levantavam as mãos para cima, e abaixavam-nas depois que os sacerdotes completavam a passagem.

A cerimônia, de fato, começou com canções da religião. Pude reparar que em todas estas, os fiéis e os sacerdotes levantavam e balançavam as mãos para cima com entusiasmo. Logo após o término das canções, o padre responsável, esclareceu que a cerimônia era sobre o Sagrado Coração de Jesus, que é comemorada na segunda sexta-feira após a missa de Corpus Christi. Em seguida, uma apóstola faz citação de cerimônia aos falecidos de 7º dia, 1 mês e um ano, para que se reze por suas almas.
Após mais canções, a cerimônia é seguida com a Liturgia eucarística, ritual em que os fiéis oferecem dinheiro à instituição. Neste momento, alguns sacerdotes passaram pelo corredor recolhendo moedas.

Ulteriormente, chegou o ponto alto do evento: o rito da comunhão. Neste instante, tomei nota de que os fiéis enfileiravam-se diante do altar e o padre, após erguer o cálice com vinho, entregava a hóstia mergulhada no vinho com a mão direita para cada fiel, e esse a recebia também com a mão direita, logo mais fazendo o sinal da cruz e voltando a se sentar.

Assim o culto foi se encaminhando com mais algumas músicas. Posteriormente, houve um momento para cumprimentar e abraçar a pessoa que estivesse ao seu lado.  Ademais, quando a missa estava chegando ao fim, o eclesiástico fez algumas saudações e avisos sobre o Santuário, como a festa junina que aconteceria no mês de junho e a catequização que ocorre na igreja. Então, seguiu-se para um canto final e depois a oração “Pai nosso’’.

Por fim, os sacerdotes se retiraram pelo corredor à direita da igreja, e mais uma vez os fiéis se levantam. Logo depois, ao som de uma nova canção, os participantes foram se retirando do local de culto e me atentei para as pessoas que antes de irem embora, paravam em frente a uma imagem de Jesus Cristo e colocam sua mão direita diante da imagem como forma de se abençoar (Fig. 4).
Conclusão

Diante dos pensamentos antropológicos de Durkheim e Hertz e tendo em vista o culto acompanhado, pude inferir que muitas vezes o uso da mão direita tivera finalidade para abençoar-se, mas principalmente para tocar em objetos considerados sagrados. 
Ademais, nos rito de início e fim, os sacerdotes entraram e saíram pelo lado direito, o que indica uma preferência por este lado.

Em relação às pinturas e imagens, observei que a mão direita sempre ficava acima da mão esquerda. Entretanto, nas pinturas das paredes, não observei grandes disparidades em relação ao lado direito e esquerdo dos objetos, e sim um equilíbrio.  Portanto, sustento que a convenção da polaridade da mão direita e esquerda, apesar de não ser notada em alguns aspectos, ainda pode ser vista nas crenças e ritos católicos brasileiros.
Bibliografia

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo, Martins Fontes, 1996. Livro I, cap. 1, pag 68-69.

HERTZ, Robert. A preeminência da mão direita: um estudo sobre as polaridades
religiosas. Revista Religião e Sociedade, v. 6, 1980, p. 99-128.

História Santuário Santa Terezinha. Disponível em: <http://santuariosantaterezinha.org.br/index.php/santuario/o-santuario-parte-a-parte/>. Acesso em 14 de junho de 2018.

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do pacífico ocidental. Introdução: Tema, método e objetivo desta pesquisa. In Os pensadores. São Paulo, Abril, 1984, p 37.

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